Historical military picturesque..., George Landmann, Coimbra. Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal |
Descemos a uma longa ponte de pedra que leva à cidade e cada um, na nossa caravana, faz o seu melhor para dar a menor importância aos [quolibets] gracejos com que os senhores estudantes têm o hábito de saudar os estrangeiros à chegada.
Historical military picturesque..., George Landmann, Coimbra. Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal |
Com efeito toda a "basoche" [gentes do direito e da justiça, do latim: basílica] está a trabalhar, neste traje preto, gibão, calções e capa que as Estudantinas espanholas tornaram familiar. Aqui somente, uma espécie de boina frígia preta substitui o tricórnio e a colher espanhola.
Oh surpresa! Os senhores estudantes, longe de troçarem de nós, descem do parapeito sobre o qual estão sentados, e tiram-nos as suas boinas e acolhem-nos com uma polidez simpática. Talvez sabem eles que nós também usámos os nossos calções sobre os bancos das escolas e saúdam os seus confrades.
Ilustração: Vieux souvenirs. |
Sobre esta sebe benevolente de homens negros, vimos o rio coberto de velas brancas e nas suas margens entre os salgueiros, muitas lavadeiras com as saias enroladas e de belas formas que Camões baptizou as Ninfas do Mondego.
Uma vista de Coimbra, James Holland, 1837 ou 1838. [incl. em The tourist in Portugal, 1839] Imagem: Christie's |
No fim da ponte, entre altas muralhas irregulares apresenta-se uma porta escura como à entrada de uma velha cidade turca, e quado a iamos passar, clamores lamentáveis, gritos dolorosos, enviados por seres invisíveis, fazem-se ouvir; cestos, suspensos em polias, descem-nos sobre a cabeça; as taças toscas colocadas no fim de grandes juncos saem de respiradouros gradeados e assustam os nossos cavalos.
São os prisioneiros detidos atrás dessas muralhas que nos suplicam de depositar uma esmola ou o que quer que seja nos seus cestos ou taças.
Chegados a um bom albergue, descobrimos que o Mesonero, dito de outro modo o nosso anfitrião, tem duas bonitas filhas que encerra à chave numa espécie de torre, tanto que a cidade de Coimbra oferece perigos. Mas nós maquinamos para ver as belas reclusas; com a ajuda de um ramo de flores atado na ponta de uma longa vara fizemos aparecer à janela dois rostos acordados que justificavam a sua reputação, e travámos conhecimento.
Depois vieram-nos buscar para visitar a universidade cujo grão-mestre vestido de azul e ouro, asssistido por dois professores que falam admiravelmente francês, nos faz as honras.
Aumale, bem mais universitário e bem mais letrado do que eu, dá-lhes brilhantemente a réplica. Este vasto estabelecimento onde professores e estudantes me parecem fortes nas suas aptidões, está admiravelmente organizado e a sua alta antiguidade pô-lo em veneração no país. Para os portugueses, é a fonte de toda a instrução e disse-nos ingenuamente que se tínhamos em França boas universidades, é porque eram dirigidas por professores de Coimbra.
Sé Velha, or Old Cathedral Coimbra, des. ori. T. Holland, grav. J. Carter, 1838. Imagem: Ilustração Antiga |
Daí fomos ver uma velha mesquita convertida em catedral, mas tendo ainda o seu carácter mourisco bem conservado. Por todo o lado em Portugal como em Espanha, os mouros deixaram traços inapagáveis da sua passagem, nos monumentos, linguagem, como nos tipos da raça.
Um passeio à Quinta da Lágrimas, termina a nossa estadia em Coimbra. É à sombra dos cedros gigantescos que abriga esta quinta, num lugar deslumbrante, à borda do Mondego, que se desenrola a lenda romanesca cantada por Camões, dos amores do infante de Portugal, D. Pedro e de Inês de Castro, seguidos da morte desta última, morte que a vida inteira de D. Pedro foi consagrada a vingar, donde vem o seu cognome de Justiceiro.
Coimbra, Scenery of Portugal and Spain, G. Vivian, 1839. Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal |
Os donos actuais da quinta dão-me alguns cabelos de Inês de Castro, recolhidos por eles quando da profanação do seu túmulo. São louros. (1)
(1) François d'Orléans, prince de Joinville, Vieux souvenirs: 1818-1848, Paris, C. Lévi, 1894
Versão inglesa:
François d'Orléans..., Memoirs..., London, W. Heinemann, 1895
Leitura adicional:
Outros escritos de François d'Orléans
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