quarta-feira, 10 de maio de 2023

O Barão de Catânea

D. José Benetti, a quem, não sabemos porquê, deram em Lisboa o título nobiliárquico de Barão de Catânea, foi um celebrão da mais alta categoria, figura picaresca das ruas da capital no pri- meiro quartel do século passado, que mereceu entrar na galeria de Os Excêntricos do meu tempo, de Luís Augusto Palmeirim.

O Barão de Catânea (detalhe).
Almanak Popular para o Ano de 1849 cf. Olisipo n°93, 1961

Saber quem ele era e donde viera, foi trabalho de alguns investigadores. Supuseram-no italiano, à conta do seu inventado baronato, julgaram-no proveniente das terras brasílicas onde se entroncaria a sua linhagem, mas só a sua morte trouxe o conhecimento da sua origem e naturalidade.

D. José Benetti, o famigerado Curandeiro lisboeta, quase Taumaturgo na opinião de muitos, de um humanitarismo acabado, tratando de graça os robres à custa do que ganhava com os ricos estrangeiros que o procuravam amiúde, era súbdito inglês, nascido em Gibraltar no final do século XVIII.


Disse-se, no seu tempo, que um grande pesar de amor, causado por uma formosa gibraltina, o levou a deixar a terra natal. Passou a andar erradio, e acabou por ir parar ao Brasil, donde veio, em 1822, com o senhor D. João VI.

Camilo Castelo Branco, encontrando nas Memórias de Frei João de S. José Queiroz, Bispo do Grão Pará, o rasto de uma dama que se apelidava "de Catânea", e que vivia em S. Miguel de Guamá, freguesia deste bispado brasileiro, com o poder da sua imaginativa, logo a ligou ao filantrópico Barão, que assombrava a pacata Lisboa, com as suas extravagâncias de vestuário e as suas pitorescas benemerências.

Vendo na figura do célebre Curandeiro, uma fonte de curiosidades de romance, fá-lo filho de D. Cle- mência (ou D. Prudência) de Catânea, e origina da herança materna o caudal las suas liberalidades caritativas, e ainda lhe inventa duas irmãs, uma das quais põe a figurar no seu romance O Demónio do Ouro. Escusado será acentuar que tudo isto é uma das habituais fantasias camilianas.

D. José Benetti, veio realmente do Brasil, como se disse, e já em 1822, se dá como morador na Rua do Cura, anunciando na Gazeta um maravilhoso remédio para os dentes. No ano seguinte, residindo ainda na mesma rua, de novo o mesmo incipiente jornal relata uma espantosa cura por ele feita, e de aí por diante, Gazetas e Diários, não se fartam de apregoar as miríficas curas do Barão, cuja medicina não se sabe onde fora aprendida. Que ele era havido como médico, e o deixavam exercer a clínica não há dúvida.

O Barão de Alvaiázere, Físico-Mor do Reino, aceitara-lhe como boa, a documentação por ele apresentada em 1838, na qual intervinha uma licença passada por D. João VI, e o Cirurgião Aguiar seguira-lhe o exemplo. O povo não se importava com os títulos legais da profissão, e havia-o como verdadeiro pai-dos-pobres que tratava de graça e a quem muitas vezes socorria com dinheiro.

Em 1830, a sua fama já estava consolidada ao máximo. A notícia das curas que havia feito na Sicília, quando em 1814 residia em Palermo, e que ajudaram também os investigadores a supô-lo italiano, vinda na Gazeta daquele ano, propalara-se depressa. Talvez fosse de aí que se originasse o seu suposto Baronato.

Da Rua do Cura passou depois D. José Benetti a morar na de S. Francisco de Paula, n.º 37, numa casa pegada ao templo, e vizinha portanto da Rua das Janelas Verdes, moradia em ruínas, com os vidros das janelas quase todos partidos, e com um pátio onde frequentemente se acumulavam os seus doentes, entre uma chusma de pretos e pretas, e onde papagaios, macacos e outra bicharia beneficiavam da caridade do Barão.

Esse pátio era a antecâmara do seu consultório aberto a todas as horas, apetrechado de "máquinas físicas" de folha e de vidro, e de boiões e frascaria, panelas de barro e tigelas, onde se guardavam os unguentos, águas e ervas misteriosas do seu receituário. Os livros, que não sabemos se eram de ciência, arrumavam-se em barricas.

São inúmeras as curas que a imprensa da época noticia. Cegos que tinham recuperado a vista, paralíticos que passaram a mover-se e a andar, tuberculosos escapos à morte, manifestam o seu reconhecimento. D. José Benetti, não tinha um dia de descanso, e o pátio de S. Francisco de Paula enchia-se de soldados estropiados e lazarentos que saíam de lá sãos, a dar vivas a D. Maria II e a D. Pedro IV,  grito de que ele gostava muito, amigo e protegido da Corte como era.

Na sua clínica abundavam os ingleses. E não só a marinhagem miúda o procurava, quando acertavam de estar no Tejo barcos britânicos. De uma vez até tratou e curou com uma taça de sangue de boi, o Almirante de uma esquadra inglesa, segundo informa Palmeirim. Os soldados dos Voluntários Franceses, aquartelados em S. João de Deus, que tinham sido atacados de cólera, quando da epidemia qu e assolou Lisboa em 1833, tiveram no Barão o seu médico e o seu salvador.

Todos estes trabalhos não impeceram a sua bossa de festeiro nos acontecimentos constitucionais e de organizador de manifestaçõ es piedosas. Mandava dizer missas pelos membros da família real, pelo senhor D. Pedro IV,  pela Rainha D. Maria II , dava bodos e esmolas nos dias dos aniversários régios, e tanto era o seu afecto ao Rei Soldado, que, quando ele morreu, mandou pintar de preto a sua casa, e vestir de luto toda a pretaria que lá se abrigava.

Os actos de filantropia e de bondade natural des~se estranho Barão, não foram todavia suficientes para se lhe evitarem algumas sensaborias. Em 1838 houve uma campanha contra ele, julgamos que dos clínicos da capital, e não sabemos se teria sido esta a razão por que esteve preso algum tempo na cadeia de Belém.

Os seus actos humanitários não se cingiam só ao tratamento dos doentes, inteiramente gratuito. O Barão manifestava o seu bom coração, não só fazendo uma constante propaganda a favor da paz entre os portugueses, mas ainda acudindo a qualquer desgraça dos seus semelhantes.

A três pretinhos que lhe tinham nascido em casa, tratava-os como filhos, e quando um deles morreu, mandou-lhe fazer um enterro pomposo, enterro que ele acompanhou, numa sege, vestindo a sua farda melhor que deveria ser péssima, dado que a sua guarda roupa era toda uma farraparia miserável. Aos outros dois negrinhos, nomeou-os seus herdeiros. Charnavam-se José e Ezequiel. Não chegaram, porém, a herdar coisa alguma.

Quando D. José Benetti arrancou da vida, nenhum sucessor nos seus bens apareceu. Só muito mais tarde se deu conta da existência de um tipo, alto, magro e estrábico, que tocava flauta pelos botequins alfacinhas e se dizia filho do excêntrico Barão. Nunca, porém o provou.

Foi na madrugada de 6 de Agosto de 1850 que se deu a morte de D. José Benetti. A nova correu depressa. As autoridades foram à moradia da Rua de S. Francisco de Paula para verificar e arrolar o espólio do falecido, e os curiosos não faltaram a bisbilhotar aquele pardieiro.

A cama, era uma enxerga podre sobre dois bancos de pinho, dois cobertores esburacados e um lençol quase negro. Num cabide penduravam-se roupas velhíssimas que se amontoavam também aos cantos do compartimento. Entre elas estava a farda das ocasiões solenes, decorada com uma comenda, roupas estas que o Juiz da freguesia avaliou em dezoito tostões.

Num baú, bem fechado, escondido entre trapo s, achou-se um saco atestado de bons cruzados novos e de outras moedas, somando este recheio mais de oitocentos mil-réis; e dentro de uma panela três galinhas cozidas, com cujo caldo se alimentava o excêntrico Barão. Inventariados foram igualmente, dois carneiros, um bode, duas galinhas e dois gatos. Os pretos e pretas que eram seus familiares, como não tinham de entrar no inventário, não se contaram.

Apesar do seu feitio dadivoso, D. José Benetti, não consumiu em generosidades toda a sua fazenda. As autoridades tiveram de arrolar três prédios, um na Rua das Trinas, outro na Rua do Noronha, e o terceiro na Rua dos Remédios, propriedades estas de que o Barão nunca pagou décima pela simples razão que as lava de graça a quem as queria habitar.

O funeral custou apenas vinte e nove mil-réis que se foram buscar ao saco que lhe fazia de cofre forte. O resto da herança, foi penhorado e arrematado em praça. D. José Benetti, amortalhado num hábito roxo, numa sege preta, levou à sua última morada um considerável acompanhamento, onde a negraria não faltou.

Lisboa perdeu com ele uma das suas figuras mais típicas. Quando saía da sua baiuca, e vinha à rua, a caminho do Hospital Inglês, onde, ao que parece, dava consultas, ou nas suas deambulações caritativas, os alfacinhas paravam para vê-lo melhor e divertirem-se uns, e admirarem-se outros, da picaresca silhueta que ele e o cavalo formavam, quase fazendo um todo único do mais extravagante aspecto.

O Barão de Catânea.
Almanak Popular para o Ano de 1849 cf. Olisipo n°93, 1961

O cavalo, era uma alimária de um branco sujo, escanzelada e mal se tendo nas pernas. Havia-o com- prado num "esfola" por doze vinténs, e outro tanto lhe custara o frete. Curou-o das mazelas e fez dele o seu companheiro inseparável.

A "toilette" do Barão estava de acordo com tudo isto. Nas ocasiões solenes, como foi na morte do pretinho e nas festividades e cerimónias que prómovia, vestia uma farda de pano azul, com dragonas, botões amarelos e peitilho encarnado, e, ao peito, uma comenda que ninguem soube o que representava; nos dias vulgares envergava fraque preto, calça de ganga, um chapéu alto inverosímil, carregado para a nuca, e, debaixo do braço, um guarda-chuva com que animava a andadura do rocinante.

Continuam a haver excêntricos em Lisboa, mas excêntricos beneméritos e, ao mesmo tempo, pitorescos, como este barão gibraltino, nunca mais apareceu nenhum . (1)


(1) Gustavo de Matos Sequeira, Olisipo n°93, 1961

Leitura relacionada:
Camilo Castelo Branco, O Demónio do Ouro
Luís Augusto Palmeirim, Os Excêntricos do meu tempo
Feira da Ladra, Tomo III, 1931
David Soares, Morrer Ridículo, Viver Honrado: Como o Barão de Catânia segredou e sobreviveu na lisboa de Oitocentos

segunda-feira, 8 de maio de 2023

O emigrante

Passei ontem algumas horas em casa de Malhoa. O grande mestre, em seguida ao falecimento de sua esposa, vendeu o lar-oficina da Avenida 5 de Outubro, donde saíram tantas obras-primas, e instalou-se à Alegria, num atelier com excelente luz, onde tornei a ver os velhos tapetes de Arraiolos, a arca portuguesa de ferragens, e a mancha doirada daquele familiar tremo Luís XVI, que tanto carácter dava ao recanto elegante em que costumávamos conversar. Recebeu-me com o seu sorriso acolhedor, a sua "la-vallière" preta, a sua viril distinção de "vieux beau":

— Aqui tem o meu último quadro.

O emigrante, José Malhoa (detalhe), 1918.
Tendências do imaginário

Olhei. Na parede do fundo, sob a pastada baça dum tapete alentejano de desenhos persas, vagamente azul e folha-morta, uma grande tela, trecho de natureza esplêndida, ofuscante, latejante de cor, abria-se como uma janela rasgada e luminosa. No primeiro plano ("le paysage seul ne prouve rien" — disse Watts) uma figura de homem caminhava, tocada de melancolia profunda, num prodigioso efeito de contra-luz. Passada a primeira impressão de deslumbramento, afirmei-me melhor no quadro. Estava diante duma das obras fundamentais de Malhoa.

O emigrante ou Partida para o Brasil Último olhar á aldeia (detalhe), José Malhoa, 1918.
Arte, museus e património (fb)


Aconchegada ao sopé duma colina, galgando, cabrejando pela encosta, uma regaçada de casas brancas, longe, com a sua sineira humilde e os três ciprestes do seu cemitério — o tipo carinhoso da nossa aldeia estremenha — ondulava, vicejava, sorria sob a bênção cristã dos seus telhados mouriscos, batida dos últimos raios de sol. Em volta, os pomares alastravam, a terra palpitava, doiravam-se os sequeiros de pão, verdejavam os tratos alegres de horta, uma ligeira névoa, hálito ardente da planície, exalação da natureza fecunda, parecia subir, elevar-se, envolver as casas, esfarrapar-se nas frondes do arvoredo. Era — disse-me o mestre — a aldeia de Bairrão, perto de Figueiró dos Vinhos.

Nessa geórgica refulgente, pintada por grandes valores, onde nenhum proprietário bairranês deixaria de reconhecer e de apontar o seu quinteiro, a sua vinha, a sua courela, o seu pomar, a sua belga fulva de trigo, até o telhado da sua casa, — uma sólida, uma enorme figura de cavador, pulverulenta, tisnada de sol, avançava para nós numa volta do caminho, o chapeirão derrubado para a testa, um saco de ramagens pojando às costas, umas botas abrochadas de ferro penduradas na pontoeira do guarda-chuva azul, animal possante de trabalho, doloroso farrapo humano, alongando para a aldeia distante um último olhar de saudade e de tristeza.

O emigrante (estudo), José Malhoa, 1916.
Manuel Henrique Pinto (fb)

Na expressiva modelação dessa figura incomparável, húmus negro espiritua- lizado pelo clarão duma lágrima, havia, simultaneamente, a ternura fraterna de Millet e o vigor bárbaro de Rodin. Estava ali o símbolo imortal duma raça de melancolia e de aventura.

Caminhava com ele a alma sagrada dum povo inteiro. Houve um instante em que tive a ilusão de que, sob aquela jaleca de saragoça, batia um coração. Num dado momento, pareceu-me que aquele peito de hér- cules humilde arfava, respirava, resfolegava. Malhoa compreendeu a impressão profunda que eu sentira perante a sua criação, e se- reno, simples, risonho, perguntou-me:

— Sabe que título pus a este quadro?

— Não.

— O Emigrante.

Assentámo-nos nos largos maples. Em silêncio, continuei a olhar essa tela que é um dos padrões de glória da pintura portuguesa coutemporâuea; essa figura — que ficará como uma das mais belas sínteses humanas criadas pelo vigoroso naturalista dos Oleiros e do S. Martinho.

O emigrante, José Malhoa, 1918.
Tendências do imaginário

E então, seguindo em pensamento a marcha do pobre cavador de Bairrão, eu evoquei a segunda pátria, o país distante, terra doirada de abundância e de maravilha que os passos daquele homem demandavam, e a que ele ia oferecer o vigor dos seus braços, a lealdade do seu coração, todas as energias latentes da sua raça laboriosa e soberba.

Beirões, minhotos, estremenhos, trasmontanos, — pensei nos trabalhadores que um dia, por não caberem na terra em que nasceram, atam um registo da Virgem ao pescoço, deitam às costas uma manta velha de burel da Covilhã, devoram, calados, um soluço e uma lágrima, e, dizendo adeus à sua pequena aldeia, a abandonam para nunca mais a esquecer, para lhe sorrir de longe, para a acarinhar, para a amar, a muitas milhas de distância, mais do que a amariam se envelhecessem desbravando, com o ferro da enxada, a ingratidão da terra materna.

Diante do Emigrante, de Malhoa, lembrei-me, com simpatia e com afecto, dos portugueses do Brasil. E ao lançar, para a obra do grande pintor, tão forte e tão saborosamente lusitana, o meu último olhar de despedida, — tive pena de não poder, como aquele bravo emigrante negro de terra e de sol, deitar também o meu surrão ao ombro e seguir com êle o mesmo caminho de aventura . (1)


(1) Júlio Dantas, Os galos de Apollo, 1921

Leitura relacionada:
Nuno Saldanha, José Vital Branco MALHOA (1855-1933): o pintor, o mestre e a obra


Mais informaçao:
Manuel Henrique Pinto (fb)

Artigos relacionados:
À passagem do combóio (En voyant passer le train)

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quarta-feira, 3 de maio de 2023

Successores de Manuel Pedro Marques & C.ª, commercio de vinhos no sitio do Caramujo

ANNUNCIO

A casa commercial sucessores de Manuel Pedro Marques & C.ª estabelecida com commercio de vinhos desde longa data no sitio do Caramujo, annuncia que annexou ao seu antigo commercio o da venda de vasilhame feito, achando-se apta a fornecer ao publico vasilhame de toda a especie á excepção de toneis,

Praia do Alfeite (junto à Quinta do Outeiro e Cais do Caramujo), 1881.
Alexandra Markl, António Ramalho, Pintores Portugueses, Lisboa, Edições Inapa, 2004

Garante-se a qualidade da madeira empregada que é escolhida sempre com o máximo cuidado, e a segurança, solidez e acabamento da obra, em tudo perfeitamente igual á que a casa emprega para seu uso.


Caramujo, Successores de Manuel Pedro Marques & C.ª, 1886.
Tabella de preços do vasilhame.
Diário Illustrado, 16 de janeiro de 1886

Recebe-se e satisfaz-se qnalquer pedido no escriptorio, rua Augusta, 219, 2.° E. dirigido ao socio gerente Thomaz José Marques, ou nos armazéns do Caramujo a Antonio José Marques. (1)

LEILÃO (...)

No dia 22 do corrente pelas il horas da manhã com a assistência do juiz Presidente do Tribunal do Commercio de Lisboa, se ha de proceder No dia 22 do corrente com a assistência do juiz presidente do Tribunal do Commercio de Lisboa, se ha de proceder (...)

Alfeite, Manuel Henrique Pinto, c. 1882.
Leiloeiro S. Domingos

nos caes dos armazéns dos Successors de Manuel Pedro Marques & C.ª, situados no Caramujo á arrematação da fragata GERTRUDES da lotação de 70 toneladas, e com todos os seus pertences.

Esta fragata pela sua construcção é uma das melhores que actualmente estão fundeadas no Tejo, e quem a quizer ver antes da arrematação pode requisitar bilhete no escriptorio da administração da fallencia, Travessa d Assumpção, 88, 1.° (...)

Enseada da Cova da Piedade, c. 1900.
Museu da Cidade de Almada

nos armazéns dos Successors de Manuel Pedro Marques & C.ª situados na Rua Direita do Caramujo n.° 62 a 76 á arrematação de 6:078 almudes de vinho tinto, 104 ditos de vinho abafado, 941 de vinho do Porto, 964 de vinho da Madeira. 3:836 almudes de vinho branco de lote, 200 caixas de vinho da Madeira, 284 de Carcavellos. 2:131 garrafas com vinho da Madeira, 950 de vinho do Porto, 840 de vinho Malvasia e dilferentes porções de vinhos, Mançanilha, Moscatel de Setúbal e Palmella.

3:428 almudes de vinagre, e mais 4:008 nas madres.

Garrafas brancas com rolha de porcelana, garrafas pretas, capsulas para garrafas, rotulos finos, ditos ordinários, uma grande quantidade de quartollas, cascos, barris, balseiros, pipas, vinagreiras, utensílios de armazém, e muitos outros objectos que estarão patentes no acto do leilão (...)

Fragata do Tejo em frente ao cais do Ginjal.
Arquivo Municipal de Lisboa

á arrematação de 11:700 aduellas brancas, 2:757 negras, 542 ditas de marca azul. 11:300 ditas de marca branca, 2:430 ditas em bocados, 23 ditas de viga lavrada para túnel, 80 ditas lavradas, mais 384 ditas para quarlolla, mais 1:390 ditas de pipa, mais 9:388 ditas de barril, mais 1:380 ditas de anchoretc. mais 18 fundos lavrados para quartollas, mais 280 para barril de quinto, uma porção de mogno, differentes pilhas de rachões grandes e pequenos, e todos os utensílios proprios para tanoaria e muitos outros objectos que estarão patentes no acto da arrematação (...) (2)

Successores de Manuel Pedro Marques & C.ª
O administrador da fallencia
José Paes de Vasconcellos Abranches. (2)



(1) Diário Illustrado, 16 de janeiro de 1886
(2) Diário Illustrado, 14 de novembro de 1889

terça-feira, 25 de abril de 2023

O barco de Martim Affonso (Mar da Palha II)

Vendo que passar não podia por azo da frota, chegou e mandou dizer aos de Almada, que lhe dessem a villa, e que fossem seus, que lhes faria por ello mercês. Os do logar responderam entre outras razões, que elles eram portuguezes, e não entendiam fazer mudança, mas como Lisboa fizesse, que assim fariam elles.

Chroniques de Froissart,
Siege by the Spaniards of Lisbon in 1383.

GALLERIX

Estando d'esta guisa, a cabo de três ou quatro dias, que Diogo Lopes chegou (Diogo Lopes Pacheco, um dos responsáveis pela morte de Inês de Castro, já octagenário, teria regressado de Castela para servir o Mestre. Com ele vieram os seus três filhos e trinta homens), sabendo el-rei parte de sua vinda mandou de noite encubertamente passar em galés e bateis e naus muitas gentes e besteiros e cavallos, e duas galés d'ellas foram a Margueira, que é um porto acerca da villa, e estiveram quedas.

Duas ou trés galés passaram toda a noite aquelles que el-rei mandou, e foram aportar ao cabo de Martim Affonso, acima da Mutela da Ribeira (...) (1)

Terá sido em resposta ao condicionamento da circulação de embarcações no período da vazante
(no Mar da Palha) que um Martim Afonso, em data incerta, instituiu, como obra de caridade, a fundação de uma albergaria e funcionamento de uma barca que passasse, de dia e de noite, gratuitamente, todos os que necessitassem de alcançar a outro lado do rio.

A sua localização assim o indica, precisamente o entrada do golfo que banhava os territórios da Arrentela, Amora e Corroios e para onde passaram a convergir uma série de caminhos terrestres de âmbito local. Além disso, permitia ainda a ligação pelo rio a Cacilhas.

Palmela vista da estrada da Moita, Estremadura.
Historical military picturesque..., George Landmann.
Biblioteca Nacional de Portugal

A felicidade da iniciativa, e simultaneamente a sua eficácia, ficou materializada na fortuna do próprio nome do barco e do local eleito para o seu ancoradouro. Aí cresceu no início do século XVI a povoação do Seixal, que, rapidamente, se tornaria num dos principais centros piscatórios e portuários do Mar da Palha.

Barca de São Vicente, Chafariz de Andaluz, Lisboa, 1374.

Quanto ao nome, tornou-se o referente de todos os esteiros a que dava acesso — na terminologia da documentação quatrocentista: «O Mar do Barco de Martim Afonso». Quanto ao nome, tornou-se o referente de todos os esteiros a que dava acesso — na terminologia da documentação quatrocentista: «O Mar do Barco de Martim Afonso» (2)

Diz El Rey: que Gomes Martins Doutor em leis, procurador da sua coroa, lhe enviara a dizer que no termo da Villa de Almada, haviam certos esteiros e abras nas suas terras, que todos saíam do mar donde chamam o barco de Martim Affonso os quais esteiros pertenciam à sua coroa;

Selo de cera com a Barca de S. Vicente, 1233.
Mosteiro de Santos-o-Novo maço 5 n° 815.
Cristina Micael, O sal no estuario do Tejo, 2011
cf. Os Portugueses e o Mar nos mais Antigos Documentos,
Lisboa, Banco Pinto & Sotto Mayor, 1990

e que de presente o Condestável D. Nuno Álvares Pereira (v. Nun'Alvares Pereira, bibliografia) mandava fazer neles azenhas, para as quais ia juntando os materiais, não sendo os ditos esteiros seus, pelo que requeria ao juiz da coroa que julgasse por sentença serem a ela, e nao ao dito Condestável pertencentes; e que dando-se vista ao mesmo Condestável, respondera seu procurador Pedro Affonso, dizendo:


Que El Rey fizera a ele Condestável doação da dita Villa de Almada, e seu termo, com todos os direitos , e bens anexos, e que por virtude da mesma doação podia ele fazer as ditas azenhas, como em coufsa própria, porque aqueas terras lhe foram dadas sem clausula ou condição alguma (...)

Xilogravura, Crónica do Condestabre, 2.a ed., 1554.
Iconografia do Santo Condestável

Da outra banda do Tejo, no termo da Villa de Almada, tem este Convento (do Carmo de Lisboa) a propriedade em todo o salgado, que entra do barco de Martim Affonso para dentro, sítio que também se chama Ponta dos Corvos, junto ao Seixal.


Este salgado entra daquela ponta para dentro dividido em quatro braços de mar: um deles vai para Corroyos, outro para Algenoa, outro para Amora, e em fim o outro para Arrentela, e a mesma propriedade tem em todas as abras, esteiros, terras, e aguas daquela enseada.

O canal do Rio Judeu visto da Arrentela.
Vista da Amora (à esquerda da imagem), Tomás da Anunciação, 1852
  MNAC (museu do Chiado)

Nestes esteiros deixou lá o Senhor Condestável edificado o Moinho de Corroyos, primeiro em todo aquele salgado: bem que salgados da outra banda. Moinho de Corroyos,  que pelo tempo adiante se edificarão mais quatro, alguns dos quaes o convento beneficia por si, e outros tem aforado a diferentes pessoas, que lhe pagam certas quantias de trigo, com a pensão de o entregarem no seu celeiro desta cidade (...) (3)


(1)Fernão Fernão, Chronica de el-rei D. João I, Vol. I, Cap. CXVII, Lisboa, Escriptorio, Bibliotheca de clássicos portugueses, 1897-1898
(2) José Augusto Oliveira, Na Península de Setúbal, em finais da Idade Média... 2008
(3) Frei José Pereira Santa Ana, Chronica dos Carmelitas, 1745

Leitura relacionada:
Maria da Graça Filipe, O Ecomuseu Municipal do Seixal no movimento renovador da museologia contempornea em Portugal (1979-1999)
Cristina Micael, O sal no estuario do Tejo, 2011
Carlos Consiglieri e Marília Abel, Os Comeres do Mar da Palha, Colares Editora

domingo, 23 de abril de 2023

Mar da Palha (I)

Antes de entrar no Atlântico, o Tejo, como que num último esforço de resistência à fusão na imensidade do oceano, detém-se frente a Lisboa e, com a ajuda da maré-cheia, espraia-se num amplo golfo, que penetra na margem meridional, prolongando-se em diversos e irregulares esteiros.

Lisboa XXX, Maluda, 1985.

É o Mar da Palha, esse amplo receptáculo de marés, onde já não se distingue a corrente fluvial do salgado das águas que ciclicamente ultrapassam a foz, rio acima.

Durante o Quaternário, as descidas do nível marinho provocadas pelas glaciações foram acompanhadas pelo aprofundamento do leito dos rios. Ficou, assim, o Tejo entalado, no seu troço último, pelo gargalo que antecede a foz.

Bellisle looking down the Tagus (detail), John Cleveley Jnr,  1775-1776.
Bonhams

Paralelamente, à progressiva elevação das serras de Sintra e da Arrábida, correspondeu o abaixamento da dobra côncava que limita a Península de Setúbal, na sua face norte sujeita ao regime das marés, ou seja, um golfo marinho — o Mar da Palha —, onde o rio desagua, uma primeira vez, antes de se anular definitivamente no oceano.

Nesta irregular depressão que marca a banda sul do Mar da Palha recortaram-se dois conjuntos de esteiros. A montante, uma mesma abertura conduz aos amplos braços do rio que atingem Alhos Vedros, Aldeia Galega e Moita; mais a ocidente, uma segunda entrada dá acesso, simultaneamente, ao profundo sulco que fende a península até atingir o porto de Coina, término do longo trajecto da ribeira homónima, e, de forma ínvia, ao pequeno mar interior ligado ao Tejo por uma estreita embocadura entre a Ponta dos Corvos e o lugar hoje ocupado pelo Seixal.

Mar da Palha.
Mappas das provincias de Portugal novamente abertos, e estampados em Lisboa (detalhe), 1769.
Internet Archive


Esta aberta dava, por sua vez, passagem a dois recessos com diferente orientação: apontado a sul, o canal apertado entre Arrentela e Amora que recebia as águas do Rio Judeu; inclinado para Ocidente, uma diminuta baía de contornoscaprichosos encontrava o seu ponto extremo em Corroios, para onde convergiam, oriundas do interior, diferentes linhas de água.

Este espaço resguardado — que passaremos, por comodidade, a designar como «Golfo do Seixal» —, fronteiro a Lisboa, apenas separado do Tejo pela língua de areia proveniente do Alfeite, via, no entanto, dificultada a comunicação com o rio pelo acanhamento da sua barra, subsidiária do esteiro de Coina (...)

Esboços de Paizages d'Mediterraneo e Lisboa, 33.
Bahia do Seixal, Luiz Gonzaga Pereira, 1809.
Museu de Lisboa

A baía é hoje rodeada por uma mancha de sapal nas margens norte e oeste, aceitando algumas praias junto à Arrentela e à Amora. A vazante dá lugar a bancos de areia e impede, consequentemente, a circulação de embarcações.

Às duas reentrâncias respeitam equivalentes sistemas de linhas de água. Na ocidental, entre Amora e Arrentela, desagua o Rio Judeu, também ele destino final de diversos afluentes de caudais mais ou menos insignificantes. Em direcção a Corroios cursam vários ribeiros, que confluem na vala da Sobreda. 
 
Moinho de maré de Corroios.
Pimentel, Alberto, A Estremadura portuguesa

Esta borda, de recorte irregular, com aberturas dissemelhantes, prolonga-se para jusante, por um arco até ao pontal de Cacilhas (...)

A única ribeira que corta perpendicularmente o território, aparece já no interior, sulcando o Vale de Mourelos à procura da praia do Caramujo, já no Mar da Palha, junto ao Alfeite (...) (1)


(1) José Augusto Oliveira, Na Península de Setúbal, em finais da Idade Média... 2008


Leitura relacionada:
Carlos Consiglieri e Marília Abel, Os Comeres do Mar da Palha, Colares Editora,

segunda-feira, 10 de abril de 2023

Almirante Marquês de Nisa, na corte do Czar

D. Domingos Xavier de Lima (1765-1802)

O primeiro encontro entre o Marquês de Nisa e o Czar Alexandre, realizou-se em 2 de Setembro de 1801 (...)

Domingos Xavier de Lima (1765-1802), 7° Marquês de Nisa, Domenico Pellegrini, 1801.
Museu de Marinha



Em Janeiro de 1802 Nisa recebe uma carta do ministro Melo e Castro que o informa do desejo do Czar em que ele continuasse em São Petersburgo, conforme carta que o Príncipe Alexander Kourakin enviara para Lisboa.

Mas parece que o Regente tinha outra ideia, porque um despacho de 27 de Janeiro diz-nos que apesar de se considerar muito positiva a acção de D. Domingos, está bem claro que há motivos de serviço que fazem preciso o regresso de V. Exa para esta Corte, não deixam os interesses da Família de V. Exa. de requererem a presença de V. Exa. em Lisboa (...)

Chegam, entretanto, a São Petersburgo notícias de que o Marquês estaria doente; foi o seu secretário, o CMG O’Connor que informou do seu falecimento a 30 de Junho na cidade de Koenigsberg, capital da Prússia. Causa da morte bexigas malignas (varíola).

O seu corpo ficou depositado na igreja católica de São João Baptista, sendo posteriormente transferido para uma abóbada onde facilmente poderia ser removido para Portugal. A esta cerimónia assistiram mais de 5.000 pessoas, entre elas o Cônsul de Portugal em São Petersburgo José Maria Roversi.


Com a notícia da morte do Marquês, houve algum pânico entre os comerciantes portugueses na Rússia; D. Domingos tinha-se socorrido daqueles para obter financiamento para as suas actividades, passando-lhes letras. Agora eles temiam que ninguém em Lisboa se responsabilizasse pelo pagamento das dívidas, tentando mesmo embargar a bagagem do Marquês, já embarcada no Pensamento Feliz que, devido ao mau tempo ainda se encontrava em Kronstadt.

Como já referimos atrás, D. Domingos tinha a preocupação de não onerar as contas da Fazenda Pública com algumas das suas despesas de representação. Por este facto, a sua viúva viu-se confrontada com dívidas, deixadas pelo marido e, para as quais, não tinha capacidade financeira para pagar.

Viu-se então na necessidade de apresentar uma longa petição ao Príncipe Regente em que, propunha que lhe fossem atribuídas duas comendas com cujas rendas poderia honrar as dívidas do Marquês.

Desconhece-se o que decidiu o Príncipe, mas a 9 de Fevereiro de 1803 o ministro António de Araújo de Azevedo, que substituíra Nisa, comunicou que o Cônsul Roversi dispunha de uma verba de 13.000 rublos que deveria remeter ao Real Erário por ordem da marquesa de Nisa; isto leva a supor que as contas do Marquês estavam saldadas. Apesar do esquecimento a que foi votado — o seu corpo nunca veio para Portugal (...) (1)


(1) José Rodrigues Pereira, Academia de Marinha, Memórias, 2015

Informação relacionada:
O ilustre almirante Marquês de Nisa, Revista da Armada, 2004
D. Domingos Xavier de Lima, 7° Marquês de NIsa (1765-1802, Revista da Armada, 2007
Academia de Marinha, Memorias

Mais informação:
Navios da Real Marinha de Guerra Portuguesa I
Navios da Real Marinha de Guerra Portuguesa II
etc.

domingo, 9 de abril de 2023

Almirante Marquês de Nisa, a Royal Navy

D. Domingos Xavier de Lima (1765-1802)

A 9 de Junho (de 1798) recebe ordens, pelo brigue Falcão, entretanto chegado aos Açores, para regressar a Lagos e avisar lorde Jervis que a esquadra estava disponível para cooperar com a Royal Navy (...)

Domingos Xavier de Lima (1765-1802), 7° Marquês de Nisa, Domenico Pellegrini, 1801.
Museu de Marinha



Esquadra do Oceano 1798-1800

 Tipo  Nome  Comandante  Guarnição 
 Peças 
 Nau  Príncipe Real   Chefe de divisão
 Conde de Puysegur 
 948   90 
 Nau  Rainha de Portugal    Chefe de divisão
 Thomas Stone  
 605   74 
 Nau  Afonso de Albuquerque   Chefe de divisão
 Donald Campbell  
 564   64 
 Nau  São Sebastião   Chefe de divisão
 Sampson Michell 
 564   64 
 Fragata   Benjamim   Capitão-tenente
 Jorge Thompson  
 111   26 
 Bergantim 
 Falcão  Capitão-tenente
 Miguel José de Oliveira Pinto 
 120  24

Nisa foi então a Cádis na Afonso de Albuquerque para se encontrar com Jervis; nesse encontro, realizado a 2 de Julho na nau britânica Ville de Paris, e a 5 de Julho já estava de volta a Lagos com as instruções para a comissão.

A frota portuguesa iria incorporar-se, como força auxiliar, sob as ordens de Nelson.

Nisa deveria ainda, segundo as instruções de Jervis, incorporar na sua esquadra o brulote Incendiary; entrar o mais rapidamente possível no mediterrâneo para se juntar a Nelson, evitar comunicar com as costas da Barbaria, Espanha ou Gibraltar e procurar obter informações sobre os movimentos de Nelson por navios de países neutros; navegar sempre ao largo de Maiorca, Livorno e Nápoles; depois de reunido com Nelson deveria tomar o comando da vanguarda da esquadra aliada, por ser o oficial mais graduado depois do comandante-chefe.

Nisa foi ainda informado por Jervis que no dia 6 de Junho tinha sido avistado, junto à costa napolitana, um grande comboio francês com tropas e escoltado por 8 naus e 5 ou 6 fragatas.

Os britânicos ignoravam ainda que o destino dessa força francesa era o Egipto onde Napoleão desembarcou e venceu os turcos na chamada batalha das Pirâmides; mas a sua campanha ficaria comprometida pela derrota e destruição da Armada francesa na batalha de Aboukir (ou do Nilo) pela esquadra britânica de Nelson em 1 de Agosto.

Jervis envia ainda uma carta a Nelson em que afirma, referindo-se aos navios portugueses; Envio esta pelo Marquês de Nisa que, eu espero, cedo vos auxiliará com quatro navios de linha bem manobrados, comandados e ordenados. O exercício que estes navios, no cruzeiro dos Açores, têm tido, melhorou os marinheiros no seu mister, os quais se encontram notavelmente sãos (...)

O Marquês concorda comigo que o melhor é experimentar os navios na vossa linha de batalha dois na divisão de estibordo, os quais serão comandados pelo marquês, e dois na de bombordo, comandados por Troubridge. Comuniquei este arranjo aos Lordes do Almirantado. Depois de abastecida, a esquadra portuguesa largou de Lagos a 13 de Julho em busca das forças de Nelson; no dia seguinte a nau inglesa Levianthan informou Nisa de que os franceses tinham tomado a ilha de Malta (...)

Não tendo encontrado Nelson em Nápoles, Nisa navegou para o Egipto onde, diziam, aquele se teria dirigido; mas também em Alexandria, onde chegou a 25 de Agosto, já o não encontrou; apenas ali estavam as 3 naus de Hood que ali ficaram de bloqueio depois da batalha naval de Aboukir.

A presença dos navios portugueses, pouco depois da batalha, terá levado Napoleão a pensar que estes tinham participado na batalha de Aboukir e a publicar, em Ordem do Exército que tempo virá que a nação portuguesa pagará com lágrimas de sangue o ultraje que está fazendo à República Francesa (...)

A 15 de Novembro a frota recebe ordens para apoiar um ataque a Livorno com tropas napolitanas. Quatro dias depois iniciaram-se os embarques das tropas largando a 22 com os navios ingleses; mas sendo mais veleiros, os portugueses atingiram o destino um dia mais cedo o que deixou Nelson irritado (...)

Rendida a guarnição da cidade e desem- barcadas as tropas regressam os navios a Nápoles, ficando a São Sebastião, a Benjamim e o Balão em patrulha ao largo do golfo de Génova.

O exército napolitano foi derrotado pelos franceses apesar de uma tentativa, apoiada por Nelson, de recuperar a Itália; o rei é obrigado a retirar para a Sicília. Nelson prepara em segredo esta retirada, mandando para bordo dos navios ingleses tudo quanto pode ser retirado dos palácios além dos tesouros régios e das jóias da rainha.

O Arsenal de Marinha sofre também uma pilhagem completa da parte dos britânicos (...)

A esquadra portuguesa recebe novas tarefas que dispersam os seus navios; a nau Afonso de Albuquerque é enviada na expedição a Tripoli, a São Sebastião segue de cruzeiro de bloqueio para a costa de Génova e a Rainha de Portugal dirigiu-se a Corfú e Trieste, para transportar os 70 refugiados eclesiásticos que haviam sido salvos em Nápoles (...)

Assinado o armistício a 14 de Maio foram entregues 200 prisioneiros feitos pelos portugueses e recebeu-se um valioso resgate, em dinheiro, pela libertação da fragata e os prisioneiros franceses que estavam em poder do Bei e que os ingleses haviam, sem sucesso, tentado já resgatar. Largando a 20, a nau chegou a Palermo a 31 de Maio.

O sucesso obtido em Trípoli levou D. Domingos a tentar idêntico acordo com a regência de Túnis. Para ali seguiu, a 20 de Junho de 1799, D. Rodrigo Pinto Guedes no brulote inglês Stromboli, mas só em Outubro atingiu Túnis; a habilidade diplomática de Pinto Guedes conseguiu obter uma paz com os tunisinos apesar da má vontade de Nelson como se demonstra pela carta muito secreta que enviou ao cônsul inglês naquela cidade:

O Marquês de Nisa manda o seu primeiro comandante, Dom qualquer coisa Pinto, para negociar uma trégua ou paz com Portugal. Este homem detesta o inglês. Peço-vos encarecidamente para entravar e não deixar progredir a sua missão, até que a do rei de Nápoles esteja cumprida. Tente, por todos os meios possíveis, impedir a paz com Portugal; faça ver ao bei que ambas as pazes ou tréguas devem ser assinadas ao mesmo tempo (...)


Os franceses, sitiados, chegaram ao último grau de necessidades e já se falava em capitulação e entrega, quando Nelson, para não deixar essa glória aos portugueses, fez render a esquadra portuguesa por navios ingleses.

Passados poucos dias Malta entregou-se ao próprio Nelson. (1)


(1) José Rodrigues Pereira, Academia de Marinha, Memórias, 2015

Informação relacionada:
O ilustre almirante Marquês de Nisa, Revista da Armada, 2004
D. Domingos Xavier de Lima, 7° Marquês de NIsa (1765-1802, Revista da Armada, 2007
Academia de Marinha, Memorias

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Navios da Real Marinha de Guerra Portuguesa II
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