quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Velhas lembranças, François d'Orléans, 1842 (3 de 5)

Passamos em Leiria, onde um grande mercado nos permitiu admirar a beleza das mulheres do campo e o seu vestuário deslumbrante. Ficámos alojados numa pousada cujo estábulo ficava no andar de baixo, a cozinha no de cima, e onde partilhamos o quarto com gansos, porcos e um grupo de castradores franceses em passeio.

Historical military picturesque..., George Landmann, Leiria.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Depois de Leiria, Pombal. Estas pequenas cidades portuguesas são charmosas e parecem pertencer a uma outra época. Vemos aí ainda le Pilori, la Geôle, [o pelourinho, a gaiola,] esta uma espécie de jaula para animais ferozes com uma imensa janela, com o gradeamento ao nível da praça, pelo qual toda a gente fala sem vigilância alguma, com os prisioneiros e condenados fechados à mistura.

Historical military picturesque..., George Landmann, Pombal.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Sómente duas jovens mulheres ocupam a gaiola de Pombal. Entrámos em conversa com elas. Questionando-as, assim que os passantes, soubemos que eram irmãs e depois a eterna história: a mais velha amada por um homem jovem... e tudo o mais que se segue!

Não tendo coragem para fazer desaparecer a criança, foi a irmã mais nova que a enterrou viva. As infelizes estão, há cinco meses, na jaula à espera do julgamento, expostas a todos os insultos, trocistas e grosseiros, da população.

Ilustração: Vieux souvenirs.

Que suplício para essas mulheres que, pelos seus traços, pertencem evidentemente a uma classe superior de camponeses. A mais velha, a mãe, é muito bonita, e parece enfraquecida pelo sofrimento. A fisionomia é tão doce que me dá pena ver. "Oh ! n'insultez jamais une femme qui tombe," a dit le poète [Victor Hugo].

Após o pelourinho e a gaiola, outra recordação da idade média: um pouco antes de chegar a Coimbra, encontrámos no caminho uma grande familia do país, os Pinto-Basto, em viagem.

Ilustração: Vieux souvenirs.

As senhoras vão em liteiras, transportadas cada uma por duas mulas empenachadas, os homens vão a cavalo trajando como se usa no país, escoltados por inúmeros criados também a cavalo, com grandes barretes, calções e casacos finos de veludo com botões de prata.

Todos eles têm uma manta colorida sobre os ombros e estão armados com essa imensa vara da qual os portugueses sabem bem se servir. Essa caravana tem muito bom ar. Vendo-a passar, acreditamos estar no século XVI.


(1) François d'Orléans, prince de Joinville, Vieux souvenirs: 1818-1848, Paris, C. Lévi, 1894

Versão inglesa:
François d'Orléans..., Memoirs..., London, W. Heinemann, 1895

Leitura adicional:
Outros escritos de François d'Orléans

Sem comentários: