domingo, 26 de maio de 2024

Para defender a Vossa Alteza!

Nasci no Anno de 1802, a 4 de Janeiro, sendo o filho primogenito, e tive um irmão, D. Carlos Mascarenhas, nascido no 1° de Abril de 1803, e uma irmā, D. Leonor de Mascarenhas, que nasceu a 4 de Abril de 1804.

D. José Trazimundo Mascarenhas, 7º Marquês de Fronteira (detalhe)
Giovanni Silvano, 1830/31
Fundação da Casa de Fronteira e Alorna (fb)

Nenhum de nós conheceu os Avós, tanto paternos como maternos, nem a Avó paterna, porque todos tinham morrido, alguns annos antes do nosso nascirnento; e mal conhecemos o nosso Pai, porque falleceu em Fevereiro de 1806, na edade de 28 annos, perdendo nossa Mãe o juizo nesse mesma epoca, lendo apenas 26 annos de idade e conservando-se alienada até á sua morte, por espaço de 50 annos.

Comtudo tenho pequenas recordacões dos ultimos tempos da vida de meu Pai e do carinho com que elle nos tratava.

Quadro, atribuído a Domingos de Sequeira ou a Pellegrini, representando os três irmãos ainda crianças:
General Dom Carlos de Mascarenhas, D. Leonor Mascarenhas, Condessa de Alva
e D. José Trazimundo, sétimo Marquês de Fronteira.
Arquivo Municipal de Lisboa

Muitas vedes. quando estava de semana, me levava, e a meu irmão a Queluz. O seu quarto no Paço era onde os parentes e amigos esperavam a occasião de serem apresentados aos Principes. Tinha alli todas as suas commodidades como se estivesse em Bemfica (...)

Quinta de Gerard De Visme em São Domingos de Benfica
including the Quinta of the Marquis de Fronteira,
Alexandre-Jean Noel, 1794
Biblioteca Nacional de Portugal


Quando meu Pai falleceu, existia em Inglaterra, degradada por motivos politicos, minha Avó materna, a Condessa d'Oyenhausen, depois Marqueza d'Alorna, e meu Pai entregou a tutella de seus filhos a seu tio, o Marquez de Bellas, D. José de Castello Branco, Regedor das Justiças, e, no seu impedimento, ao tio de sua mulher, o Marquez d'Alorna, D. Pedro de Almeida Portugal.

Leonor de Almeida Portugal de Lorena e Lencastre (Alcipe)
autorretrato
, 1787/90
MASP

O Marquez de Bellas, tomando a tutella de seus sobrinhos netos, obteve, pela grande inlluencia que tinha no Primipe Regente D. João, que eu, seu pupillo primogenito, fosse agraciado com os títulos da casa de meus antepassados, bens da Coroa e direitos banes que a mesma disfructava, os quaes rendiam para cima de 14.000$000 rs. por anno.

Recordo-me perfeitamente da minha ida a Mafra e da minha apresentação a Sua Alteza Serenissima: não tinha eu completado ainda a edade de cinco annos.

Sahi de noite de Bemfica, rodo a dormir, cmurna sege, acompanhado por um intimo amigo de meu Pai, João Evangelista Machado, que com elle se tinha creado e que muitas vezes terei de mencionar nestas memorias, pelas repetidas provas que eu e meus irmãos recebemos da sua amizade durante toda a sua longa vida, e por Mr. Fabre, meu guarda.roupa, emigrado francez (...)

Em Mafra fui recebido nos braços de meu bom tio, que esperava ancioso a minha chegada, para me apresentar a Sua Alteza, depois de missa, hora destinada naquelle tempo para e recepção.

D. Pedro de Almeida Portugal, 3° marquês de Alorna e 6° conde de Assumar,
por Domenico Pellegrini, 1805
Fundação da Casa de Fronteira e Alorna
Wikipedia


Todos os empregados da Casa Real, de todas as classes, me tratavam melhor possivel. A minha situação de orfāo na edade de cinco anos, muita popularidade de que meu Pai gozava na Corte, pelas suas excellentes qualidades, e a pena que causou a sua prematura morte, eram outros tantos incentivos para todos me receberem e tratarem com grmde carinho e desvelado interesse (...)

Nunca fui ao Paço sem espada, porque nunca fui Moço Fidalgo, tendo gozado, desde a edade de cinco annos, as honras de Grande do Reino (...)

D. José Trazimundo Mascarenhas, 7º Marquês de Fronteira
Giovanni Silvano, 1830/31
Fundação da Casa de Fronteira e Alorna (fb)

Logo que avistei S. A., tremi de mêdo, tal foi a impressão que me causou a sua fealdade, mas, conhecendo quasi todos os que o cercavam, porque ou eram meus parentes ou amigos de meu Pai, tranquillisei-me.

Retrato do Principe Regente por Albertus Jacob Frans Gregorius
Palácio Nacional da Ajuda
MatrizPix


Sua Alteza costumava fazer sempre a mesma pergunta ás creanças que, na minha posição, lhe eram apresentadas, e era ela:

— Para que lhe serve a espada que traz á cinta?

Meu tio tinha-me ensinado a resposta que eu, á força de me ser repetida, decorei, e, quando S. A.,. segundo a etiqueta, me fez a pergunta, respondi de prompto:

— Para defender a V. A.!

O Principe nem para mim olhou, e estou hoje convencido de que nem ouviu a minha resposta. Logo que respondi, gritei por M. Fabre, e S. A., persuadindo-se de que eu tinha levado comigo um frade, disse para meu tio:

— Chamem o frade! (1)


(1) Memórias do Marquês de Fronteira e d'Alorna D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto ditadas por ele próprio em 1861 (1802 a 1824)

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Mais informação:
Fundação da Casa de Fronteira e Alorna
Fundação da Casa de Fronteira e Alorna (fb)

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