segunda-feira, 15 de setembro de 2025

A parada militar de 18 de dezembro de 1815

A Brilhante parada que hontem, por motivo do anniversario da nossa Augusta Soberana, fizerão as Tropas de Linha e Milicias desta Capital, ás quaes se veio reunir a nova Divisão dos Voluntarios Reaes do Principe, commandada em Chefe pelo Tenente General Carlos Frederico Lecor, apresentou ao numeroso concurso dos habitadores desta Cidade que a vêlla se apinhou, hum dos mais pomposos espectaculos pelo aceio e garbo marcial de todos os Corpos. 

Formatura dos Regimentos de Voluntários Reais do Comércio, no Rossio
Nicolas Delerive, 1815
Arquivo Municipal de Lisboa/
MNAA(?)

Entre os de linha se não podia facilmente designar a algum delles a palma da primazia; pois se notava em todos o particular esmero dos seus respectivos Chefes em apresentarem as tropas do seu commando dignas do sempre iliustre nome de Guerreiros Portuguezes. 

Ao vêr estes aguerridos Soldados, desperta vão-se em nossa imaginação as victorias que coroárão de louros os guerreiros Portuguezes no Douro, no Bussaco, em Albuera, em Ciudad-Rodrigo, em Badajoz, em Arapiles, em Victoria, nos Pyrenéos, em S. Sebastião, no Nivelle, Nive, e Adour, em Orthez, e nas margens do Ers e Garona, em toda a parte em fim onde na ultima gloriosa luta lhes foi preciso combater, devendo-lhes em grande parte Portugal a independencia, a Hespanha a liberdade, a França o paternal Governo dos Bourbons, a Inglaterra e o seu Grande Wellington trofeos e gloria immortal pela invencivel força com que, unidos os Portuguezes e Bretões debaixo do commando de Arthur, contrastáráo intrepidos os bellicosos Exercitos e os mais habeis Generaes do inimigo commum da Europa.

Entrárão pois successivamente as Tropas de Linha e Milicias na espaçosa Praça do Terreiro do Paço, e ruas immediatas, depois das 11 horas, e ficou reservada a Praça do Rocio para os quatro Batalhões de Caçadores, que formão as duas Brigadas do Corpo de Voluntarios Reaes do Principe, que perto do meio-dia entrarão e se formárão na dita Praça, attrahindo particular attenção dos espectadores a firmeza, continencia marcial, e alto grao de disciplina a que este Corpo tem sido elevado pelo seu illustre Commandante em Chefe, e pelos Brigadeiros Avellez, e Pizarro, que vinhão á frente das suas respectivas Brigadas.

Chegou pouco depois á Praça do Rocio o Illustrissimo e Excellentissimo Tenente General Francisco de Paula Leite, Governador das Armas desta Capital e Provincia, e cumprimentado o Illustrissimo e Excellentissimo Tenente General Lecor, feitas as continencias pela tropa, e passada revista aos quatro Batalhões, se encaminhárão ambos os Generaes ao Terreiro do Paço, d'onde voltárão a postar-se, com os seus luzidos Estados Maiores, (unindo-se-lhes o Illustrissimo e Excellentissimo Tenente General, d'Artilleria, José Antonio da Rosa), junto do Portão do Palacio do Governo. 

– Tinha dado o Castello de S. Jorge e as Fortalezas a costumada salva ao meio-dia; e á huma hora em ponto começarão no Terreiro do Paço as tropas as descargas, principiando cada huma das tres pelos Parques de Artilheria, seguida immediatamente em toda a linha da Infanteria.

Acabadas as descargas passarão os Generaes Leite e Lecor ao meio da Praça, onde o primeiro entoou por tres vezes o Viva á nossa Augusta Soberana " a que em toda a linha as tropas e o povo correspondêrão com enthusiasmo; acção que depois repetio o General Lecor, com as mesmas circumstancias. 

Passou depois o Governador das Armas, ao lugar que anteriormente occupava, e principia rão as tropas a desfilar pela sua frente na ordem seguinte: Rompião a marcha dois Esquadrões de Cavallaria dos Regimentos N.º 1 e 4, e após elles a Cavallaria dos Voluntarios Reaes do Commercio; vinha depois hum Parque de Artilheria Montada, do Regimento de Artilheria N.° 1, de 3 peças e 1 obuz; e,  formados em columna, começárão então a marchar os Voluntarios Reaes do Principe a cuja frente se pozera o seu Commandante em Chefe, que, conduzindo a Divisão até principiar a desfilar pela frente do Governador das Armas, passou a tomar lugar ao lado deste, (ao qual estava tambem unido o Tenente General Rosa), o que igualmente forão fazendo os dois Commandantes das Brigadas desta Divisão. 

– Marchárão em seguimento della os dois Batalhões de Artilheiros Nacionaes Oriental e Occidental, e atraz delles hum Parque de 5 peças e 1 obuz, do sobredito Regimento de Artilheria N.° 1. 

– Forão avançando immediatamente a Brigada de Infanteria N.° 1 e 16, outro Parque de 3 peças e hum obuz, e a Brigada N.° 4 e 13, o Regimento da Guarda Real da Policia, e o ultimo Parque de Artilheria Montada de 5 peças e 1 obuz.

– Desfilárão consecutivamente os dois Regimentos de Milicias Oriental e Occidental, o de Infanteria do Commercio, e fechárão a marcha os dois Batalhões de Atiradores Oriental e Occidental, finda a passagem dos quaes se retirárão o Governador das Armas, e os Tenentes Generaes Lecor e Rosa, ficando o innumeravel concurso regosiado de vêr este esplendido apparato militar, que no seio da doce paz se não mistura com funestas recordações. (1)


(1) Gazeta de Lisboa, 19 de dezembro de 1815

Informação relacionada:
Nicolas Delerive (1755-1818)
Para defender a Vossa Alteza!

Mais informação (cf. Os voluntário reais, O jovem marquês de Fronteira e o desfile...):

Numa das memórias mais conhecidas referentes a este momento histórico, D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto, 7.º marquês de Fronteira (1802-1881), relembra em 1861 as emoções invocadas pelo desfile de 18 de dezembro de 1815, 46 anos antes, com que a Divisão de Voluntários Reais se despedia de Lisboa, e a que assistiu com a tenra idade de 13 anos. 

Carlos Frederico Lecor, comandante da Divisão destinada ao Brasil, havia sido não só o ajudante de ordens do Marquez de Alorna, entre 1805 e 1808, mas era um amigo devotado da família e da inteira confiança de D. Leonor, a 4.ª marquesa de Alorna, especialmente durante o seu exílio em Londres, por ordem da Regência.

ooOoo

«A Divisão de Voluntários de El-Rei, antes de embarcar para o Brazil, formou em grande parada na praça do Rocio, debaixo do commando do seu General em chefe, [Carlos Frederico] Lecor. Os Governadores do Reino assistiram à parada na varanda do palacio da Regencia. A Divisão era o corpo mais brilhante que tem sahido das fileiras do Exercito portuguez. Tanto os officiaes, como os soldados, eram jovens, mas aguerridos, tendo feito todas ou parte das campanhas da Guerra Peninsular. O uniforme era dos mais elegantes que havia nos exercitos da Europa: o antigo uniforme dos nossos caçadores, que tinha reputação de elegância, entre os entendedores.

O General Lecor era o typo dum verdadeiro soldado e seguia-o um brilhante Estado Maior.

As duas Brigadas de Caçadores eram commandadas por dois jovens Generaes que fizeram a Campanha Peninsular com grande distincção, os Brigadeiros [Jorge de] Avillez [Zuzarte Ferreira de Sousa] e [Francisco Homem de Magalhães Quevedo] Pizarro.


Minha avó [D. Leonor de Almeida Portugal, 4.ª marquesa de Alorna (1750-1839)] estava comnosco, nas minhas casas do Rocio, onde foi visitada pelo antigo Ajudante de campo de seu irmão, General Lecor, accompanhado de muitos officiaes que tinham servido com meu tio, entre elles o General [Francisco de Paula] Azeredo [Teixeira de Carvalho] que ha pouco morreu. Tristes recordações seriam as de minha Avó, ao despedir-se d’aquelles officiaes, lembrando-se de que, poucos annos antes, os tinha visto naquella mesma praça, fazendo parte da Divisão de Alorna, do commando de seu irmão e meu tio, o Marquez de Alorna.

Foi a ultima vez que vimos o General Lecor.

A partida para o Brazil d’esta bella Divisão produziu no publico um triste effeito. Antes d’isto, havia partido um quadro consideravel de officiaes debaixo das ordens do Coronel de cavallaria, Visconde de Barbacena, indo nelle meu cunhado D. Gastão da Camara, hoje Conde da Taipa.

A Divisão de Voluntários de El-Rei levava um numero consideravel de officiaes distinctos e pretencentes à primeira sociedade do paiz. O Coronel João Carlos de Saldanha, hoje Duque de Saldanha, fazia parte do Estado Maior do General.

O povo, impressionado pelas repetidas requisições de gente e de dinheiro para o Brazil, principiou a murmurar seriamente e a agitar-se.» (*)


(*) Memórias do Marquês de Fronteira e Alorna D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto... Coimbra, Imprensa da Universidade, 1926, pp. 152-153 (cf. Os voluntário reais, O jovem marquês de Fronteira e o desfile...)

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