domingo, 16 de junho de 2024

O barbeiro, Dom Roberto e outros...

Tudo começa de uma forma muito ingénua: no dia do seu casamento, Dom Roberto vai ao barbeiro para cortar a barba. A acção desenvolve-se por entre um sem-número de peripécias cómicas ao longo das quais o ritmo da acção vai crescendo.

Espectaculo de TÍTIRES em Lisboa pelo começo deste seculo
Nicolas Delarive
(Espectaculo de títires em Lisboa, pelo começo deste seculo / Novaes lith. ; Delarive)
Arquivo Municipal de Lisboa

No final o nosso herói recusa-se a pagar, porque acha o preço muito caro (10 tostões) e envolve-se em grande pancadaria com o barbeiro, que acaba por morrer. Até esta altura, a trama é claramente inspirada nas representações burlescas dos ofícios (o do Barbeiro), que integravam as famosas procissões do Corpus Christi, nas quais, atrás de carroças exibindo alegorias religiosas, vinham grupos de gente representando os diversos misteres, quase sempre de forma caricata, para grande gáudio do povo que a elas assistia.

Nicolas Delerive, loja de barbeiro
Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva



Ainda hoje esta situação constitui um clássico do humor dos “palhaços” e, curiosamente, vamos também encontrá-la no reportório dos Bonecos de Santo Aleixo, as pícaras marionetas de varão do sul de Portugal.(1)

É ao nível do reportório que mais facilmente se detectam as influências que determinaram o aparecimento do Teatro Dom Roberto. A sua análise fornece-nos informações preciosas sobre os contextos sócio-históricos que marcaram a sua evolução através dos tempos, nos quais o fantoche sempre se assumiu como veículo do sentir popular.

O barbeiro diabólico
Valdevinos
Teatro Tradicional Português de Marionetas (fb)

No conjunto de peças conhecidas encontramos histórias “clássicas” do reportório europeu, reinventadas, outras que nasceram de ímpetos colectivos determinados por situações politico-sociais e até religiosas, de contos da sabedoria popular, de manifestações da cultura tradicional e ainda do chamado Teatro de Cordel (teatro de comédia ou drama muito em voga no séc. XVIII, que deve o seu nome ao facto dos textos serem apregoados nas ruas, impressos em grandes folhetos dependurados num cordel).

O pobre dos bonecos, Oficina Régia Litográfica, impr. 1832
(Costumes portugueses ou Colecção dos trajos, usos e costumes mais notáveis e característicos dos habitantes de Lisboa e Províncias de Portugal, 1832-35)
Biblioteca Nacional de Portugal

A mais famosa peça que chegou aos nossos dias, passada de geração em geração de bonecreiros, é “O Barbeiro”. Nela é evidente a simbiose da tradição europeia com a cultura portuguesa. (2)


(1) Marionetas do Porto, Teatro Dom Roberto, breve história e notas
(2) Idem

Artigos relacionados:
Nicolas Delerive (1755-1818)
Henri l'Évêque (1769-1832)

Leitura relacionada:
José Luís de Oliveira, O teatro de bonifrates em Portugal durante o Estado Novo (1933-1974)
Restos de colecção, Teatros de fantoches (...)
Romeu Correia, Roberta (...), Lisboa, Livraria Sam Carlos, 1971
Irisalva Moita, O povo de Lisboa, tipos, modos de vida, ambiente, mercados e feiras, divertimentos, mentalidade, Câmara Municipal de Lisboa, Direcção dos Serviços Centrais e Culturais, 1979

Mais informação:
Museu da Marioneta
Dom Roberto (filme de José Ernesto de Sousa, 1962, Wikipédia)

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