segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Gil Vicente (personas)

Ourives da corte, o poeta e dramaturgo português Gil Vicente (c. 1465-1537) escreveu 44 peças teatrais, em português, em castelhano e bilíngues, que foram reunidas pelos filhos Luis Vicente e Paula, no ano de 1562, e editadas como título de Copilaçam de todalas obras de Gil Vicente (...)

Os Doze Apóstolos da Custódia de Belém, Gil Vicente, 1506
MNAA

Gil Vicente escreveu e encenou nos anos 1502 a 1521 as seguintes peças teatrais: Auto da Visitação (1502), Auto Pastoril Castelhano (1502), Auto dos Reis Magos (1503), Auto de São Martinho (1504), Auto da Índia (1509), Auto da Sibila Cassandra (1509), Auto da Fé (1510), Auto dos Quatros Tempos (1511 ou 1516), O Velho da Horta (1512), Exortação da Guerra (1514), Quem tem farelos? (1515), Auto da Barca do Inferno (1517), Auto da Barca do Purgatório (1518), Auto da Barca da Glória (1518), Auto da Alma (1518), Auto do Deus Padre, Justiça e Misericórdia (1519 ou 1520), Auto da Fama (1521), Cortes de Júpiter (1521), Comédia da Rubena (1521), Pranto de Maria Parda (1522) e Dom Duardos (1522). (1)

Em 1502, uma quarta-feira, 8 de junho, representou-se na camara da Rainha D. Maria, que dois dias antes tivera um filho (o futuro D. João III), o Monologo do Vaqueiro, que se pôde considerar a primeira peça dramática com forma litteraria representada entre nós.

Depois, vê-se pelas rubricas das obras do poeta, a grande influencia que na sua factura teve a Rainha D. Leonor. É perante ella que em 1504 é representado na egreja das Caldas o Auto de S. Martinho. É por seu mandado que em 1505 se representa nos Paços da Alcáçova em Lisboa, o Auto dos Quatro Tempos.

Lisboa c. 1500–1510, Crónica de Dom Afonso Henriques, Duarte Galvão
Wikipédia

É em 1506 que em Abrantes, tendo nascido o infante D. Luiz, filho de El-Rei D. Manuel, foi pelo mesmo Gil Vicente feito no serão do Paço um sermão á christianissima Rainha D. Leonor, e a seu mandado o Auto da Alma.

E ás representações que a ella directamente não eram dedicadas, ou por seu mandado feitas, assistiu muita vez como protectora que era do poeta, e como principal elemento da animação e brilho dos serões reaes, a cuja organisação já presidia em tempo de seu marido, nos Paços de Santarém, de Setúbal, etc.


Nascimentos de Principes, casamentos reaes, recepções e despedidas, eram quasi sempre acompanhadas com alguma representação do Gil, que fazia os autos a El-Rei. 

E muitas vezes, sem motivo de festa, ou acontecimento publico, e unicamente por desfastio nas continuas mudanças da Corte, que fugia aos assaltos da peste, tão frequente n'essa épocha, Gil Vicente representava um Auto, ou uma Farça que o seu génio animava com a graça viva das concepções, com o engenho dos argumentos, com a critica mordente dos costumes, com o desenho dos caracteres, com o bem achado das situações.

Algumas figuras do teatro Vicentino
Rui Granadeiro

Foi durante um d'aquelles recrudescimentos de peste em Lisboa, que a Rainha D. Leonor, em 1509, se retirou para Almada. E alli, fiel ás suas predilecções, chamou Gil Vicente para lhe representar um auto. Acudiu elle prompto ao chamamento, e alli mesmo compoz a farça chamada o Auto da índia. Diz a rubrica assim: "Á farça seguinte chamam Auto da Índia".

"Foi fundado sobre que hua mulher, estando já embarcado para a Índia seu marido, lhe vieram dizer que estava desviado, e que já não ia, e ella, de pezar, está chorando. Foi feita em Almada, representada á muito catholica rainha D. Leonor, era de 1519." (2)

Martírio de Santa Úrsula e das Onze Mil Virgens, Retábulo de Santa Auta, c. 1522
MNAA.(In)Cultura

(....) algumas peças teatrais de Gil Vicente - Auto da Barca do Inferno (1517), Pranto de Maria Parda (1522), Auto de Inês Pereira (1523) e Auto da Mofina Mendes ou Mistérios da Virgem (1534) - foram publicadas em folhas volantes, cujas edições príncipes se encontram na Biblioteca nacional de Madri (...)

Figuras do teatro vicentino, Auto da Barca do Inferno (ou Auto da Moralidade)
Copilaçam de todalas obras de Gil Vicente (edição de 1586)

conhecido como capa interna e folha de rosto, o frontispício expressa uma faceta da função social da arte, pois tem como objetivo atrair e informar o público leitor. a elaboração dessa página, que tem ilustração e texto escrito, visa um aspecto comercial que leva o leitor a conhecer bem o conteúdo da obra, antes de adquiri-la, já que a mesma utiliza uma imagem ou mais para a construção do sentido do texto (...)

No caso específico, o da análise da xilogravura da folha de rosto de uma obra do século XVI, o Auto de Inês Pereira, de Gil Vicente (Copilaçam de todas as obras de Gil Vicente, edição de 1586), é possível observar o papel da imagem no processo de significação e de criação artística que serve de apoio à compreensão de poéticas visuais e narrativas na concepção do ilustrador, do entalhador e do editor (...)

Figuras do teatro vicentino, Auto de Inês Pereira
Autos porgugueses de Gil Vicente y de la escuela vicentina

O ilustrador, o entalhador e o editor são leitores e conhecedores da obra, que provavelmente preferiram dar ênfase ao casal - Brás e inês -, na escolha da gravura à esquerda da folha, enquanto que as relações entre as duas senhoras, antigas conhecidas, estão postadas à direita.

A autoria da peça é mencionada, bem como a referência à presença real na estréia em 1523, no convento da cidade de tomar. na época, o autor já estava consagrado na corte, por isso seu nome estampa a página de rosto. não há indicação alguma sobre o nome da editora, do pintor, do entalhador e da data de impressão.

Interessante é a indicação dos personagens com nomes: Inês Pereira, Lianor Vasques, alcoviteira, Latão e Vidal, judeus casamenteiro, e Pero Marques, o segundo marido de inês. o galanteador e elegante escudeiro, Brás da Mata, não tem seu nome mencionado.

Na imagem, ele parece saltitante e com pose de mesuras. Inês segura uma flor de haste longa. Ambos se olham diretamente. As duas mulheres têm idades diferentes; a mãe é mais idosa e está meio encurvada.(3)


(1) Denise Rocha, Xilogravura do Auto de Inês Pereira (1523) de Gil Vicente
(2) Conde de Sabugosa, Embrechados, Lisboa, Portugal-Brasil Lda., 1911
(3) Denise Rocha, Idem

Artigos relacionados:
Embrechados (3 de 5)

Mais informação:
Copilaçam de todalas obras de Gil Vicente (edição de 1562)
Copilaçam de todalas obras de Gil Vicente (edição de 1586)
Uma proposta crítico-discursivo-filológica de análise da censura: emendas inquisitoriais na edição de 1586 da Compilação de todas as obras de Gil Vicente
Gil Vicente, Teatro 1502-1536
Gil Vicente, o autor e a obra
Carolina Michëlis de Vasconcelos, Autos porgugueses de Gil Vicente y de la escuela vicentina, Madrid Sucesores de Hernando, 1922

Leitura relacionada:
Maria José Palla, Gil Vicente as artes plásticas
As Barcas, de Gil Vicente, cinco séculos depois
Gil Vicente (HathiTrust)

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