segunda-feira, 12 de junho de 2017

O Grémio Artístico (5.ª exposição, 1895)

Por entre uma valsa deliciosa do sextteto de D. Maria, abriu-se hontem a 5.ª exposição do Grémio Artistico. Entrada a 500 réis. Um dia azul, cá fóra, dia proprio para a vernissage de um salon, em que as mulheres estreiassem as suas gazes do verão e os seus primeiros ramos de violetas de Parma. 

No Alemtejo, D. Carlos de Bragança, 1895.
Imagem: flickr

Lá dentro, um certo tom de familiaridade, shake hands cordeaes, beijinhos femininos, umas telas que se apontam por desfastio, uma toilette que se critica com interesse, nada digno de nota, a não serem os galantes perfis da nossa sociedade, uns ou outros olhos bonitos que surdem em dias de festa, e desapparecem rápidos como tudo que é bom, umas paizagens, tres aguarellas, poucos retratos, flôres, marinhas, fructas — uma futilidade...

Ás 4 horas entram Suas Magestades a Rainha de velludo preto, El-Rei de casaca. Pouco depois, entra Sua Magestade a Rainha D. Maria Pia, com uma toilette muito elegante, e Sua Alteza o Senhor Infante D. Affonso, fardado.

El-Rei expõa na primeira sala um pequeno quadro a oleo, No Alemtejo, colhido com arte extrema e traduzindo a primor a cálida impressão das scenas alemtejanas. Áquella hora respirava-se a custo nas cinco salas.

Ao acaso, perfeitamente ao acaso, como se colhem flores de um canteiro productivo, notámos, abrindo alas para Suas Magestades passarem, as sr.as Condessa de Paraty, D. Amalia Street e irmã, D. Alice Munró dos Anjos e filhas D. Bertha e D. Beatriz, D Luiza de Almedina, D. Conceição Sarmento, Condessa de Magalhães e filha D. Maria Antónia, D. Virginia Santos e irmã, D. Margarida Lorjó Tavares, Madame Craveiro Lopes, D. Carolina e D. Ludovina Galhardo, D. Josepha Greno, D. Josepha Sandoval de Vasconcellos e Sousa, D. Eugenia Penalva d'Alva, D. Germana Patricio Alvares e irmãs, D. Acacia Vaz Nápoles de Almeida e filha, Madame Bordallo Pinheiro e filha D. Helena, D. Carlota de Serpa Pinto Moreira, D. Zulmira Franco Teixeira, Condessa das Alcaçovas e filhas, Mademoiselle Mayer, D. Lívia de Castello Branco e irmã, D Beatriz Arneiro, D. Laura Iglezias Mendes da Silva, D. Fanny Munró, Mademoiselle Nova Goa, D. Maria da Fonseca Araujo e filha D. Carolina, D. Luiza Fonseca, etc.

E os srs. Conde de Ficalho, Marcellino Mesquita, Manuel Bordallo Pinheiro, Alvaro Penamacôr, Conde de Almedina, João Vaz, José Azambuja, Conde de Gouveia, dr. Jorge Godinho, Roque Gameiro, Hygino Mendonça, Galhardo, Antonio Coruche. Marianno Pina, José Malhôa, Benjamin Pinto, Velez Caldeira, Arthur de Mello, Adolpho Benarus, Arthur May, Augusto Pina, Antonio de Chaby, Visconde de Taveiro, actores Augusto Rosa e Ferreira da Silva, Antonio de Andrade, Zacharias de Aça D. Thomaz d'Almeida, Antonio Ramalho, Rozendo Carvalheira, Celso Hermínio, Antonio Bandeira, Lorjó Tavares, João de Moraes, Alberto Lopas, Penha e Costa, Luciano Lullemant, D. Francisco de Almeida, Adolpho Greno, Nuno de Bulhão Pato, José Parreira, Julio Dantas, Jayme Verde, Thomaz do Mello, Jorge Costa, Serpa Pinto, Motta Prego, Abecassis, Sauvinet, Leonel Gaya, Guilherme Pinto Basto, etc.

Em arte, a exposição, n'uma visita à vol d'oiseau, apresenta-se-nos de uma banalidade desoladora! Poucos quadros salpicam as paredes, raros nos prendem, nenhum nos empolga... (1)

António Ramalho

A sua exposição este anno consta de am retrato de Roque Gameiro, a pastel. O maior pastel e mais arrojado qae tem apparecido por ahi. Falto apenas no cabello, qae não traduz o do original, apreenta-nos no emtanto umas roupas magnificamente ondeadas, um colorido quente e uma grande verdade no rosto. É pintado por uin mestre.

Diario Illustrado, 17 de março de 1895 (António Ramalho)

Tem uma pequena tela — o Pombal — alegre e fresquissima, sabida com quatro pinceladas, em que parece ter o pincel molhado no céo, tal é a pureza com qua está colhida aquella manhã de sol em que ai pombas esvoejam e as rosas desabrocham. 

O pombal, António Ramalho, 1895.
Imagem: António Ramalho no YouTube

O resto da sua exposição, duas paysagens —uma grande, outra pequena — não foram pintadas por aquelle rapazito, alma de artista, lyrio entre os abrolhos, caixeiro ignorado n'uma venda pardacenta, lá acima, ao pé do Douro... Aquellas duas paisagem, meus senhores e minhas senhoras, foram pintadas... pelo patrão. (2)

José Malhoa

É assim que vemos assignados com o seu nome dez quadros com estes titulos:

Diario Illustrado, 18 de março de 1895 (José Malhoa)

Manhã de setembro — Um campo secco em declive. No dorso apparece o sol. É original.

Caminho dos moinhos — Uma bella paysagem, mas com uma figura que estraga, pelo espavento da sua saia vermelha. Sempre ha mulheres d'um mau gosto!...

Uma boa compra e Um compasso difficil — São duas telasitas de genero, explorando os effeitos da luz sobre o cetim das casacas de duas figuras bem pousadas.

Uma boa compra, José Malhoa, 1895.
Imagem: Maria Pardos e José Malhoa...

Na segunda, a cama verde está manchada.

Um compasso difícil, José Malhoa, 1895.
Imagem: Maria Pardos e José Malhoa...

Ribeira da lavadeira — Alfombras verdes e um riacho que deriva. O verde é novo e lindo em ex cesso, dando-nos a impressão de que a payesgem lavou a cara para tirar o retrato no Fillon.

Cuidados de amor — Um delicioso quadrosinho rescendente de poesia, em que gente adora a figura da camponesa que pensa, chegando a abatrahir da luz pouco verdadeira que a illumina.

Á caça — O mesmo e inapto de um quadro já exposto por Malhoa. Um petiz, em posição mystica, com cara apopletica, anda á caça. O meio é calmo e suavemente tratado.

À caça, José Malhoa, 1895.
Imagem: Os cachopos da Fonte do Cordeiro

A Olinda do lagar — Muito natural a pequena saloia agreste que este quadro representa. Se o auctor, por um requinte de extravagancia, não illuminasse aquella cabeça loira tão estridentemente, com o bico Auer, seria este um dos seus melhores trabalhos, — desde o bem tocado das roupas até á carnação arroxiada das pernas.

A Olinda do lagar, José Malhoa, 1895.
Imagem: Veritas

A sésta — Grandes dimensões. Trabalhadores estirados, junto á á eira e aos montes de palha onde brinca o sol. O contraste entre a sombra do primeiro plano e a claridade dos outros dá uma certa originalidade a este trabalho, certemente o melhor da exposiçao.

A sesta [dos ceifeiros], José Malhoa, 1895.
Imagem: Malhoa, José Vital

Retrato de Isaac Abecassis — Um menino com o fato com que o auctor apresentou o seu Marquez de Pombal, ha um anno. Como d'essa vez, as roupagens estilo magnificas, apenas pouco cuidada a casaca na fimbria. As meias de seda impecaveis. (3)

[Ribeiro] Christino da Silva

Este anno a exposição de Christino é simples — cinco telas de Óbidos e Batalha, telas sem pretenções, concluídas sem exageros de tons, traduzindo com verdade recantos de aldeias, casas pobres, arcos e lampiões, torres e coruchéus.

Diario Illustrado, 19 de março de 1895 (Christino da Silva)

Intitula-se: Torre do Facho, Costa de S. Pedro de Muel, Corucheu de D. João I, Egreja de Santa Maria e a Rua da Cadeia. Expõe mais uma cuidada gravura intitulada Vista de Leiria. 

Leiria , vista parcial, desenho de J. R. Christino, 1894.
Imagem: Prof2000

Mais nada. (4)

Manuel Henrique Pinto

Expõe uma tela grande a que deu o titulo Uma teima e onde um rapazito de pé descalço pretende á força obrigar uma cabra a saltar um fio d'agua. A cabra, que é socialista, não reconhece auctoridades e finca as patas, n'uma attitude de menina malcreada. Está bem definido o assumpto e os pormenores.

 Obra de Manuel Henrique Pinto (1853-1912)Galeria de imagens no Facebookclique para aceder
Uma teima [Perrice], Manuel Henrique Pinto, 1894.
Obra de Manuel Henrique Pinto (1853-1912)
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O quadro tem um tom glauco, geral, uniforme, que lhe dá foros de tela antiga sem lhe tirar o valor.

Diario Illustrado, 20 de março de 1895 (Manuel Henrique Pinto)

Mais duas paisagens, pacientemente pormenorisadas, — Moinhos do Martins e Cabanas perto do Zezere — fecham a pequena exposição d'este professor provinciano, que passa no idyllio do campo as horas vagas, em que os rapazes da escola lhe não fazem a cabeça doida, n'uma grande calmaria de espirito, que parece traduzir se nos bucolicos bocadinhos campestres que a gente vê, bem disposto, na exposição, todos os annos. (5)

António Francisco Baeta

Paizagem em Aguas Bellas — Uma tela de Ferreira do Zezere que parece ter passado por Epinal. Muito pormenorisada, para nada lhe faltar como oleographia, até pastora e cabrinhas tem...

Uma rua em Ferreira do Zezere — Pequenino motivo de vida aldeã, alegre e bem traduzido.

Caminho de Vale d'Angelo — Uma rua cortada em taludes. Ferreira do Zezere. A banalidade que se alastra... 

Ao pôr do sol — O melhor quadrinho de Baeta. Fresquissimo, de uma poética tonalidade, que nos prende e nos faz esquecer a pouca verdade dos outros, representa a Cruz Quebrada no que tem de mais pittoresco.

Ribeira de Jamor — Pequenino quadro todo convencional, onde um riacho de lavadeiras deslisa por entre floridas margens.

É esta a remessa do paisagista. Se tem tido a boa idéa de mandar só o Pôr do sol, tinha dado no vinte, como se diz em argot de escola... (6)
 
João Cabral

Duas pequeninas paysagens que expõe não desagradam por isso. A horta do Alfredo só perde pela pequenez. Dá vontade de lhe puxar as orelhas, a ver se estica. Ponha lentes biconvexas nos seus pincéis, sr. Cabral!...

A nora do José da Rosa é outra manchasita alegrada pelo sol, e onde, apenas, a parede parece ter desbotado paia o chão, o que imprime ao todo certa monotonia. Erro da escolha, certamente. O sr. João Cabral deve fazer uma extravagancia — pintar uma tela maior.

Só tem o perigo de não se vender, mas, emfim.

A. Machado

Sur l'herbe —, e as meninas voltaram a cara,e os homens desataram a rir! Sobre um campo de hortaliça, com flores de papel de seda, campo todo do mesmo tom, com a agravante de ser forrado de borracha por dentro, esparneia D. Engracia, toda nua, com côres n'uma luxação que lhe apparecau na côxa! D. Engracia, menina da Baixa, que abusa do espartilho, tem a barriga pagada ás costas e é articulada por um processo novo [...]

Preço d'esta Epiphania dos Lycornes.., 300$000 réis, com moldura e tudo.

Solidão — Começa a gente por não perceber o titulo [...] (7)

Arthur Vieira de Mello

Retrato do ex.mo sr. D. J. Ventura da Camara — Dias antes em esboço, apparece-me já na abertura, este retrato, completo. Um tour de force que vem mostrar certeza com que as tintas foram distribuídas pelo auctor.

Como retrato é um primor. Como pintura é um magnifico documento.

Adolpho Benarus

Na rua — Demonstrando uma cuidada observação na pintura da protogonista, uma velha de perfil duro, faces rugosas, maçãs do rosto salientes, mãos esguias, descarnadas, oude as arterias saltam logo á vista. O chale-manta cinsento também está pintado conscienciosamente. 

A velha apresenta-se a assar castanhas. Fogareiro, abano, assador e effeito das brazas, não destoam. (8)

Roque Gameiro

Este anno veio com o seu nome cinco aguarelas:

Diario Illustrado, 27 de março de 1895 (Roque Gameiro)

Velando — Uma rapariga vela á beira de um berço. Trajes minhotos, alegrando aquele meio saudavel. É purissima esta aguarela, desde a finura doa tons, até ao poetico do assumpto. As roupas da rapariga e o lenço de chita que lhe cahe do colo, reunem todas as qualidades porque se impõe um quadro desses: a expontaneidade, o contraste das côres e o colorido. Magnifico.

Velando, Roque Gameiro, 1895.
Imagem: Arte Portugueza N.º 4, abril de 1895

Retrato de Mademoiselle Laura Guedes — Um retrato que não agrada, devido talvez á luz — plein air — que innunda a pessoa retratada. A cara parece-nos cançada, o vestido foi rigorosamente traduzido; os pormenores resentem-se de pouco acabamento. 

Um trolha — Assumpto grosseiro a que o acidar soube imprimir a feiçáo delicada da sua "maneira", fazendo com que esse quadrosito vulgar nos impressione finamente como um quadro de flores. O sol innunda-o por inteiro; o operaro que empasta a parede tem uma vida notavel, e os apetrechos, o andaime, o muro, apresentam-nos uma verdade magistral.

Costume (1807) — Já o disse: — as melhores figurinhas dite Madeleine Lemaire não têm mais frescura do que essa pequenina "greenaway" côr de rosa, de ar distincto, cintura curta, saquitel de "bombons", e sapato polido, que vem de um jardim do Trianon talvez, embalsamando o ar com o seu rosto juvenil, como uma flor de Duez.

Rio Jamor — Um trecho de rio que se curva por entre salgueiros e ondas de folhagem. (9)

Velloso Salgado

A sua exposição este anno consta de oito quadros:

Diario Illustrado, 28 de março de 1895 (Velloso Salgado)

Retrato do ex.mo sr. A.S.G.C. — Um retrato que vem como natural seguimento aos que Salgado apresentou nos ultimos annos, dos srs. Corrêa de Barros, Braancamp Freire, Wenceslau de Lima, etc. Adivinha-se o pintor batido, tirando o maximo effeito de trucs de mestre, que raros concebem e que lhe são já íntimos.

Noite de Leça — A fazer pendant com o "Noir et Rose" do anno passado. O effeito de luar conhecido, explorado e nunca dando resultado. Apenas um passatempo nocturno, sabido n'um momento de "spleen", de uma palheta onde se alastrava o cobalto. Pintas brancas imitam estrellas, ha uma arvore que parece fumo e uma claridade vivissima a uma esquina, indicios de guarda nocturno que ouviu bater as palmas...

Othello—Uma bella cabeça, expressivamente negra, impeccavel como factura, apenas não representando o vulcão apaixonado e ciumento, mixto de odio e de amor, pária que idolatra e moiro que se vinga — o eterno Othello, enfim.

Saloio — Uma d'estas cabeças alegres que Salgado fixa com tal arte, que a gente se approxima, de ouvido á escuta, á espera da gargalhada que fatalmente vai rebentar! Cabeça de estudo onde o artista imprimiu encantos de execução e onde surgem encantos de psychologia, por assim dizer, hilariante, que se nos transmitte, — tanta vida ha n'ella — e nos faz rir, quasi.

Japonez—Um quadrosito galante para um escriptorio em estylo oriental, representando um japonez, dos que ainda não andam vestidos á européa, de olho. em V e abdomen adiposo. Uma auggestão da guerra chino-japonesa que veia diatrahir, por momentos, o pintor do occidente. 

Camponeza de Lille –Appetitosa cabeça femenina, suavemente tratada.

Retrato do ex.ma sr. a D.C. — Representa o quadro esta senhora, de pé, n'um jardim, com um leve vestido azul e um raminho de flores na mão. A senhora é trigueira, o vestido vaporoso. D'ahi, um contraste violento que desagrada sobremaneira, aggravado por uma luz que não ajuda o modelo. (10)

Conde de Almedina

Considerando-se francamente amador, até. para cumulo, não pede dinheiro pelos quadros!—isto n'um paiz onde os quadroa de amador são os que custam mais caro... 

Diario Illustrado, 29 de março de 1895 (Conde de Almedina)

Dos 43 que expõe este anno, 27 já estão... dados. Por este meio um artista não enriquece. O mais que pode é ir á gloria em duplicado. Vejamos em bicyclette a enorme exposição do nosso biographado:

Castello da Pena — Dá pouco a impressão de frescura da paysagem de Cintra. A parte que vemos á nossa direita tem mais valor que a da esquerda; as arvores e troncos estão bem tratados. 

Forte de Santo Antonio do Estoril — Passamos a galope... 

Moinhos do Barreiro —Marinha placida, transparência nas aguas, verdadeira em geral. Apenas a fragata parece suspensa e os moinhos têm cor de mais para a distancia. 

Bocca do Inferno — Ondas falsas, com espuma de escada. 

Castello da Pena, tela pequena — Bem colhida e agradavel.

No jardim Botânico — Pouco acabamento. Verdes duros de mistura com algumas boas qualidades.

Muralhas da Sé — Bom quadrinho banhado de sol, cuidadosamente pormenorisado.

Claustro dos Conegos — O melhor da familia dos architectonicos. Tem luz, ar e perspectiva.

Claustro dos Conegos, n.° 2 — Habilmente visto o bater do sol nas columnas do claustro e os farrapos de céo que se divisam ao longe. O sachristão é que se dispensava.

Cadeia da villa de Cintra — Adiante...

Uma pequena rua de Sacavém — Assumpto banal e fácil demais para um pincel que trabalha. 

Estrada do Syndicato — Pequenino trecho aproveitavel.

Claustro do convento de Sacavém — Scenas do terremoto de 1755. 

Claustro do Convento de Chellas — Passo... de repente!

Cidadella de Cascaes e Casa Pindella —Uma interessante telasinha. 

Rochedo da Nau —Marinha feia, pintada com mau humor. 

Na baixa mar — O auctor mostra vocação para este genero de marinhas. N'esta, apenas foi descurada a projecção da sombra do barco e a inclinação dos mastros. 

Em Xabregas — O melhor da familia das marinhas. Esboço largo, muita puresa nas côres e conseguindo o tom vago e suave a que deve aspirar a tela de céo e mar, quando limpidos. 

Caes do Beato — Outra marinha luminosa, com um bote a tirar-lhe o valor.

Solar Aguilar — Força nos pedaes!... A galope...

Chalet Palmella — Pittoresco recanto da bahia de Cascaes. Aguas pintadas com sinceridade, especialmente junto á orla da praia. 

Chalet Queiroz — O mesmo com respeito a pittoresco. O contrario com respeito ás aguas...

No Aterro, ao pôr do sol — Decididamente, o auctor deve dedicar-se a este genero de pintura. 

S. Martinho de Bornes — Ingenuidade artistica com 25 de altura por 33 de largo. Etc. (11)

Luciano Freire

Os seus dois quadros chamam-se: Um salas (typo do carnaval de Lisboa) — Como idéa, está explorada. Como execução, é primitiva. O "salas" não tem vida, não tem relevo, nem graça.

Diario Illustrado, 30 de março de 1895 (Luciano Freire)

É um typo, é; mas um typo muito sensaborão. Typos d'aquelles não se pintam — dá-se-lhes uma pançada... Detalhando: a cara, o rabicho e a casaca são deploráveis. A rua de "mac adam" é pouco liaboeta, os prédios parecem de panno de fundo, e o estafermo que se vê em fralda de camisa foi completamente descurado. 

Emfim, um quadro carnavalesco em extremo para o pincel de Luciano Freire. 

Cabritos — Já aqui apparece um pouco o pintor que observa, no esboço dos dois animaes que constituem este estudo. Estão verdadeiros, desde o sedoso dos pêllos até ao relevo dos corpos. 
Apenas o verde do chão grita excesaivamente e a posição dos dois bichos nos fai adejar aos lábios a conhecida fabula de Lafontaine:

— Porque me turvas a agua que eatou bebendo?... (12)

Ferreira da Costa

Expõe este anno apenas um quadro: Retrato do ex.mo sr. Viçoso May — Trabalho de quem promette muito. (13)

João Vaz

Este anno trouxe oito quadros:

Diario Illustrado, 3 de abril de 1895 (João Vaz)

Fim da tarde — De uma melancholia propria a divagações, na hora em que Cesário Verde sentia ondas de pessimismo, esta marinha ao sol-posto tem a arte de nos fazer pensar, sem para isso buscar effeitos na extravagancia — é a tradueção fiel de um trecho da costa que vem de Peniche para o sul, illuminada pelo sol poente, que descahe lá adiante, sobre as Berlengas.

Esperando a maré — Muita tela e pouco assumpto. Um bote é o protogonista. Como scenario: uma praia immensa, o mar a perder de vista e o ceu em toda a sua plenitude — ceu nevoento, com manchas róseas sem dtfiniçâo. O resto está feito com a verdade que é timbre do pincel realista de J. Vaz. Apenss, pelo lado esthetico, nos parece estroinice estar uma companha inteira á espera da maré... que ainda vem em cascos de rolhas "A economia de tempo é capital que se amontoa" (Rodrigues de Freitas, a paginas tantas). 

O mar — Uma onda, debruada de espuma, rolando para o nosso lado. Apesar de explorado, este as sumpto é sempre sympathico. A onda de agora tem o dorso admiravelmente traduzido, o espraiar, do primeiro plano, magnifico de verdade, e a nuance uzul do ceu muito pura. Apenas á orla de espuma falta frescura, e aquelle tom leve, quasi fugitivo, que dá a idéa de que as ondas trazem suspensos frocos de arminho, ou aigrettes de prata, quando têm despedaçar-se pela areia. 

O carreiro da Joanna — Encantador recanto do nosso littoral, que J. Vaz soube reproduzir com tintas de mestre e alma de poeta. O terreno pedregoso do primeiro plano, os alcantis que se afunilam, o braço de mar que entra, a linha do horisonte, Tudo isso foi colhido n'um momento de inspiração que adivinhamos, tal é o en cantamento que esse poético local nos transmitte!

Uma velha. guarita — Outra impeccavel marinha, de Cascaes, apanhada em dia de calma, em que as aguas têm uma transparência divina e o sol bate de chapa no angulo de um forte já velhinho.

Apontamentos — Quatro preciosas telasinhas esguias, onde ha encantos de factura, de braço dado com bellesas de paysagem. 

A ribeira de Peniche — Uma tela branca, desde a athmosphera até ás aguas espelhadas, representando a naturesa n'um travesti pouco vulgar. Parece uma aguarella, pela finura do esboço e pallidez do ambiente. 

Ao sol — Tela em que J. Vaz imprime tanta verdade, que a gente se absorve na contemplação d'essa rua de areia, coberta de sol, em que os botes descançam e os pescadoras cabem na somnolencia da sesta, e nos vemos transportados por completo ás nossas praias, a S. Martinho, á Foz, a Mattosinhos, e nos parece estar olhando ainda aquella acena, através a janella aberta de uma casita alegre — que saudades!...  E como tudo aquillo é profundamente natural! (14)

Arthur V. May

Este anno trouxe uma paysagem vulgariisima e um quadro com o titulo: Café de "lepes" — quadro colhido em frente do kiosque da praça Camões, quando um garoto de jornaes assoprava um café que comprou na occasião. (15)

oooOooo

Estas linhas só serão lidas depois de encerrada a exposição de arte que as motiva. As minhas notas não terão por isso o caracter de uma apreciação eia das diversas obras de que se compõe. Não as disporei tambem por forma a constituirem uma serie de perfis dos artistas que hajam assignalado, mais forte e inconfundivelmente, a sua individualidade, porque esta quinta exposição do Gremio não é decerto, — por ausencia ou desvalia de documentos, — a mais propria para nos dar a justa medida do valor dos nossos homens de arte. 

Imagem: Arte Portugueza N.º 4, abril de 1895

Limitar-me-hei, portanto, a consignar, muito simples e despreoccupadamente, as considerações geraes que ella me suscitou,— a tirar, por assim dizer, a moralidade do caso.

Quem comparar a nossa arte de hoje, não direi, com a d'aquella celebre exposição de 1843, a que ha referencias, entre animadoras e ironicas, nos livros de Raczynski (leilões recentes têem trazido a lume algumas obras d'esses tempos), mas, com a maioria dos trabalhos que figuravam nas exposições portuguesas de ha quinze annos, reconhece logo que se tem progredido bastante sob o ponto de vista da "factura", dos processos technicos [v. Dictionnaire historico-artistique du Portugal pour faire suite à l'ouvrage ayant pour titre : Les arts en Portugal]. 

É elfectivamente innegavel que, por exemplo, se desenha e pinta melhor. E note-se que o progresso não é evidente unicamente nos artistas que foram completar a sua educação no estrangeiro, mas tambem n'aquelles que não poderem até agora sahir do paiz, ou que poucos dias estiveram lá fóra. 

Este facto, bem como a segurança e rapidez com que os nossos pensionistas avançam geralmente em Paris, prova que o ensino artistico entre nós, se tem por enquanto imperfeições e lacunas, todavia não é tão deficiente e improductivo que se deva dar por mal empregado o dinheiro que nos custa, como se tem já dito e escripto, leviana ou apaixonadamente. 

Ha quem pense que os progressos technicos não constituem motivo para nos felicitarmos, e que a parte pratica é bem secundaria, a ponto de nem sempre os grandes artistas serem irreprehensiveis no tocante ao oficio. A verdade, porém, — se me não engano muito, — é que, em todas as formas da arte, o conhecimento pleno dos meios de execução é essencial para o artista se fazer entender, para nos commover como elle se commoveu, para nos interessar pela revelação clara do estado da sua alma perante os aspectos da natureza ou pe-rante os phenomenos do mundo moral, para nos dar a perceber os mais delicados e subtis cambiantes da sua emoção. 

Mas, por outra parte, é necessario que o artista não sacrifique jámais o sentimento á forma, não se preoccupe exclusivamente com a perfeição technica, não procure apenas mostrar que sabe vencer todas as difficuldades do officio; porque, — não o esqueçam os artistas, — verdadeira obra de arte, pura, dominadora, eterna, só será a que fôr sentida e vivida.

Portanto, certo, como estou, de que os nossos pintores querem ser alguma cousa mais do que simples copistas habeis da natureza; de que não substituirão ao sentimento a habilidade, e de que não farão da sua pericia, em muitos casos notarei, um fim mas um meio, — registo com satisfação os considerareis progressos technicos evidenciados nos seus ultimos trabalhos.

O Micróbio n.° 35, 21 de março de 1895.

O que sempre se nota nas exposições portuguesas, — e esta não faz excepção, nem era de esperar que fizesse, — é a falta de composições de certa importancia. Paisagens, marinhas, quadros de flores, reproducções de velhos edificios pittorescos, algumas cabeças de estudo, um ou outro retrato, — eis o que sempre constitue os nossos concursos de pintura.

O Micróbio n.° 36, 26 de março de 1895.

O facto não é difficil de explicar, e já aqui me precedeu na enunciação das suas determinantes, um escriptor que desde muito vem seguindo com interesse o nosso movimento artistico. Mas, se não póde razoavelmente exigir-se que nas exposições de Lisboa e Porto figurem sempre obras d'esses que demandam tempo, despesa e preparação intellectual acima d'aquelles de que os nossos artistas podem de ordinario dispôr, — quer-me parecer que não será impertinencia pedir-lhes que variem um tanto a gamma dos seus assumptos, interpretando alguns trechos bem suggestivos e typicos da nossa paizagem, deante dos quaes ainda nenhum pintor se lembrou de armar o cavallete; fazendo-nos aperceber alguma cousa do genio e do viver das populações contemplativas da beira-mar, assim como da nossa vida rural, tão diversa segundo o caracter da paizagem e as variantes ethnicas; dando-nos mesmo, de quando a quando, alguma tentativa de reconstrucção historica, — em esboço a lapis ou a carvão que seja.

O Micróbio n.° 37, 4 de abril de 1895.

Em todo o caso, a exposição tem este anno um certo ar portuguez, que me captiva e enternece. Os artistas deram decididamente preferencia aos nossos campos, ás nossas praias, aos velhos solares meio derruidos que ainda se encontram por essas provincias fora, aos recantos mais deliciosamente cheios de pittoresco e de caracter das nossas antigas povoações historicas, aos claustros abandonados dos conventos extintos, ás figuras mais ou menos typicas de diversos pontos da nossa terra.

É preciso, porém, que não se limitem a pintar em Portugal, mas que se esforcem por pintar em portuguez; isto é, por nos darem conta, com verdade e sentimento, de quanto no paiz tenha uma accentuação nacional mais profunda e evidente, de modo que, se porventura um de nós alguma hora visse em terra estranha um quadro portuguez, logo sentisse mais intensa e pungitiva a saudade do pais natal, subito evocado pela realisação artistica, flagrantemente verdadeira e delicadamente sentida, de um dos aspectos mais caracteristicos e inconfun-diveis da sua vida ou da sua paizagem. 

Na secção de "esculptura", é que nos apparece uma composição figurativa de um successo da nossa historia: — um baixo-relevo de Motta, para o monumento a Affonso de Albuquerque. 

O moço esculptor compenetrou-se bem da situação, estudou intelligentemente o effeito d'ella nos diversos personagens, e conseguiu dar-nos uma composição que impressiona e domina, que tem, sem duvida, alguma cousa do caracter synthetico das verdadeiras resurreições artisticas do passado.

Na secção de "architectura", figuram vantajosamente o sr. Adães Bermudes, que completou ha pouco o seu curso na escola de Paris, e o sr. J. A. Soares, que foi alumno muito distincto da de Lisboa. 

Não occultarei uma observação que me occorreu ao examinar os trabalhos dos dois intelligentes artistas: 

Ao passo que os architectos se occupam em regra no estudo de grandes edificios monumentaes, inspirados geralmente n'algum dos estylos antigos, e destinados, na maior parte dos casos, a não passarem do papel, — o problema da construcção da casa moderna, tão difficil, tão complexo, de tão largo alcance, está quasi exclusivamente confiado a operarios, que um acaso da fortuna elevou á categoria de mestres de obras, e a quem falta absolutamente a forte educação especial que o mistér de construir exige. Calcule-se o que seria actualmente Lisboa, se em todas as numerosissimas edificações que nos ultimos dez annos se têem levantado, houvesse influido, de modo decisivo, a alta competencia scientifica e esthetica, que simples praticos não podem evidentemente possuir!

Importa que os architectos se esforcem por eliminar a opinião corrente, de que só servem para traçar no papel complicados e dispendiosos planos. 

Este anno, como nos passados, ha entre os concorrentes muitos professores de escolas industriaes, — portugueses e extrangeiros; — e uma das secções da exposição é a de arte applicada. Pois bem: todos esses professores assignam quadros; nem um só apresenta qualquer composição de natureza decorativa, e na secção de arte applicada, vê-se apenas um simples trabalho de paciencia, que revela certamente um executante habilissimo, mas que é destituido por completo de significação artistica.

Pinturas de António Ramalho na Tabacaria Monaco (Rossio 21 em Lisboa), inaugurada em 1894.
Imagem: a Arqueolojista

É necessario combater a todo o transe as preoccupaçóes acedemicas, que tendem a encerrar o artista na esphera da denominada arte pura; é necessario fazer passar pela industria uma forte corrente de arte, que a transforme e eleve; é necessario descobrir formulas decorativas, que originalisem os productos das nossas industrias, e os façam triumphar na concorrencia dos mercados.

Pinturas de António Ramalho na Tabacaria Monaco (Rossio 21 em Lisboa), inaugurada em 1894.
Imagem: Câmara Municipal de Lisboa

Como seria para desejar que a secção de arte applicada fosse de anno para anno denunciando uma convergencia cada vez mais poderosa de esforços dedicados e intelligentes, para a obra da renovação das nossas industrias de arte, mas renovação bem entendida, subordinada aos principios geraes, inilludiveis, da arte decorativa, inspirada n'aquelle alto exemplo de concordancia da fórma com a materia e destino do objecto, é da decoração com a forma, que nos offerece, luminosamente, a arte purissima dos gregos!

Quer-me parecer que só n'uma exposição official seria possivel reunir todos os artistas. Ainda assim, o Gremio tem já podido organisar concursos muito mais completos e significativos do que este. Deus me livre, pois, de proclamar, á vista d'elle, que a nossa arte decáe, esmorece, como se a exposição d'esta primavera acaso encerrasse os mais concludentes e decisivos depoimentos de todos os nossos artistas, como se dia porventura fosse absolutamente representativa da nossa hodierna, actividade artistica! 

A verdade, é que podemos neste momento contar com alguns trabalhadores da forma e da cor, que provadamente reunem á mais fina susceptibilidade do sentimento uma poderosa educação technica, e que têem por vezes conseguido distinguir-se e triumphar, nos centros artisticos mais concorridos e mais cultos. Assim o meio lhes não seja contrario!

Assim. o governo mostre comprehender que são verdadeiras medidas de salvação publica, do mais profundo alcance, da mais absoluta urgencia, e inteiramente compensadoras dos sacrificios que, porventura, de começo exijam, todas aquellas que tendam aos progressos artisticos; e assim a sociedade portuguesa, — onde as, cousas de arte vão felizmente suscitando algum interesse, — reconheça que, no meio das duvidas e incertezas que atormentam o espirito moderno, da fria aridez da vida contemporanea, da anarchia dos sentimentos e do conflicto das opiniões, a arte é o mais seguro refugio, a mais doce consolação, o mais poderoso elemento de concordia! 

Abril de 1895.
José Pessanha. (16)



(1) Diario Illustrado, 16 de março de 1895 (Abertura da Exposição)
(2) Diario Illustrado, 17 de março de 1895 (António Ramalho)
(3) Diario Illustrado, 18 de março de 1895 (José Malhoa)
(4) Diario Illustrado, 19 de março de 1895 (Christino da Silva)
(5) Diario Illustrado, 20 de março de 1895 (Manuel Henrique Pinto)
(6) Diario Illustrado, 21 de março de 1895 (António Francisco Baeta)
(7) Diario Illustrado, 24 de março de 1895 (João Cabral; A. Machado)
(8) Diario Illustrado, 26 de março de 1895 (Arthur Vieira de Mello; Adolpho Benarus)
(9) Diario Illustrado, 27 de março de 1895 (Roque Gameiro)
(10) Diario Illustrado, 28 de março de 1895 (Velloso Salgado)
(11) Diario Illustrado, 29 de março de 1895 (Conde de Almedina)
(12) Diario Illustrado, 30 de março de 1895 (Luciano Freire)
(13) Diario Illustrado, 2 de abril de 1895 (Ferreira da Costa)
(14) Diario Illustrado, 3 de abril de 1895 (João Vaz)
(15) Diario Illustrado, 6 de abril de 1895 (Arthur V. May)
(16) Arte Portugueza N.º 4, abril de 1895

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