Retrato da Viscondessa de Sacavém (detalhe), Columbano, 1890. Imagem: Memórias e Imagens |
A coincidencia da inauguração com um dia de tourada veiu roubar-lhe os "admiradores mais dilectos" e d'entre os que estavam, houve quem interrogasse o artista sobre o numero e dimensões das suas telas. quem sabe se para poder calcular as dimensões do seu talento.
Suas Magestades El-Rei e a Rainha, sempre solícitos e apreciadores do bello, alli estiveram a abrilhantar o acto, raros pintores, alguns litteratos, o sr. Marianno Pina, e limitado numero de admiradores de Columbano.
Retrato de Mariano Pina, Columbano, c. 1882. Imagem: MNAC |
Columbano é já um pintor extraordinario, um dos raros que comprehendeu a grandiosidade da arte. O que elle pinta não é abstracto, é profundo, vivo, sentido e individual. Ha na sua alma alguma cousa acima do vulgar, um ideal soberbo, e um orgulho de raça e de caracter que fazem d'elle um dos mais notaveis pintores peninsulares. A sua maneira de desenhar, por manchas largas, sem dureza nos contornos, comparal a ha, talvez, o sr. Marianno Pina á de Deschamps.
Atelier de Columbano, c. 1890. Imagem: Margarida Elias, Columbano e as Caldas da Rainha |
Columbano faz a sua arte com uncção, religiozaente, como o sacerdote erguendo a patena que cobre o calix sagrado. É altivo e independente; passa affectuoso por entre os applausos dos que o comprehendem, e indifferente e arrogante pela chusma dos ignorantes e invejosos.
Porque não? Que lhe importa a critica malevola, ou que lhe importa a apreciação dos estupidos? Elle alma nobre e concentrada, que reflecte, cerebro pujante que indaga e cogita.
A exposição compõe-se de retratos, da grande téla "Camões evocando as tagides" e do delicioso esboceto "A Virgem da Conceição".
Os retratos não são "fac similis" de anonymos burguezes, mas uma colleção de verdadeiros retratos d'alguns dos homens notaveis da nossa actual geração. Em todos elles o que Columbano procura reproduzir com maior intensidade é a expressão moral e realisa-o assombrosamente.
São tão suggestivas que ao vér a atormentada fronte de Anthero do Quental, a expressão dolorida e suave do pensador poeta, parece que assistimos ao drama, cujos primeiros capitulos estão na sua marcha immortal, e termina com a morte tragica
Retrato de Antero de Quental, Columbano, 1889. Imagem: MNAC |
Da esphera do invisível do intangível
Sobre desertos, vacuos, soledade
Vôa e paira o espirito impossível
Esse espirito imposivel. ansioso por alcança! o intangível ideal sobrehumano, está ali na téla, figura eburnea d'um Christo de marfim, fitando-nos e parecendo que vae revelar-nos alguma cousa do inefavel grandioso que o assoberba.
Ao lado, Guerra Junqueiro [1889], sorri-nos, cravando o seu olhar penetrante que nos analysa, deixando entrever ao mesmo tempo as meiguices extraordinarias da sua alma de athleta.
Retrato de Guerra Junqueiro, Columbano, 1889. Imagem: flickr |
O perfil grave de Oliveira Martins defronta com o ar expamivo do artista Leandro Braga.
Retrato de Oliveira Martins, Columbano, 1891. Imagem: MNAC |
A fina cabeça de Batalha Reis, a extraordhiaria fronte de Silva Pinto, a justa expressão de concentrada energia de Fialho de Almeida, o vago olhar scismador de Eugenio de Castro, tudo o pincel de Columbano nos apresenta d'uma maneira original, grande. A modelação das cabeças é d'um rigor unico, parece querer desvendar-nos o eu que cada uma encerra.
Retrato de Jaime Batalha Reis,, Columbano, 1892. Imagem: MNAC |
Retrato de Silva Pinto, Columbano, 1891. Imagem: Wikipédia |
Retrato de Fialho de Almeida, Columbano, 1891. Imagem: MNAC |
O retrato em corpo inteiro de Taborda, soberbo, faz "pendant" ao de João Rosa, desenhado com primor inexcedível.
Retrato do actor João Rosa, Columbano. Imagem: Ruas de Lisboa... |
O retrato da viscondessa de Sacavam, que tem a frescura e o avelludado d'um pastel; é adoravel; o busto delicado e gentil destaca finamente da tela, e a cabeça sob o grande chapeu, tem uma expressão animada, encantadora.
Retrato da Viscondessa de Sacavém, Columbano, 1890. Imagem: Memórias e Imagens |
É um retrato de superior elegancia com a sobria correcção d'uma obra de arte que mais tarde deve ser guardado, joia preciosa, n'um museu.
Os retratos de D. João da Camara, de Lopes de Mendonça. Antonio Feijó, Lino d'Assumpção, Coelho de Carvalho, completam esta correcção soberba e se algum como o de Antonio Feijó, é menos vigorosamente expressivo, outros como o de Coelho de Carvalho empolgam-nos com a attracção irresistivel d'uma téla de Zurbaram.
Retrato de António Feijó, Columbano 1893. Imagem: Biblioteca Municipal de Ponte de Lima |
O Camões é obra d'um artista d'alma profunda que sente a aspiração ideal que fazia levantar o peito do grande poeta portuguez. As nymphas que o poeta evoca escutam n'o, maravilha-as a voz inspirada, que n'um canto sublime e supremo, vae immortalisal-as.
Camões invocando as Tágides, Columbano, 1894. Imagem: Poet'anarquista |
O mar é bem "salso mar" de infinita volupia, de brumas que acariciam os sentidos como um beijo d'ondina, é o vasto lençol d'agua espumante e glauco em que brincam as nymphas e que embala os sonhos do poeta. Diurna singular belleza o dorso de mulher que está no primeiro plano, e a figura de Camões, numa altitude largo e inspirada domina todo o quadro e desperta no espectador uma commoção vibrante.
Não acho, porém, isenta d'algum defeito esta bella obra; devia ser mais formosa a nympha que está de perfil; faz lembrar umas figuras de Goya, que decerto não representam as gentis habitantes das aguas. Um tanto pesadas lambem me parecem as nuvens que pairam na atmosphera.
Camões invocando as Tágides (detalhe), Columbano, 1894. Imagem: Poet'anarquista |
A "Virgem da Conceição" é um esboceto feito com largueza e simplicidade, e tão idealmente tocado que desejaria vêl-a aproveitado pelo pintor para um grande retabulo.
Quando se entra na exposição Columbano sente-se uma impressão profunda, é um delicioso sentimento, mimo de respeito, de orgulho e de alegria. Sae-se com pezar do pequeno recintho.
Retrato do Coronel Ribeiro Arthur, Columbano, 1890. Imagem: Cabral Moncada Leilões |
É que na obra de Columbano ha uma porção tão grande de arte, de ideal e de alma, que só um espirito em demasia frivolo se não apaixona por ella. Saudemos o illustre artista não esperando por que o futuro tenha de fazer justiça a um talento que é uma gloria para a nossa pobre arte nacional.
B. Sesinando Ribeiro Arthur. (1)
(1) O Occidente N.º 557, 11 de junho de 1894
Informação adicional:
O sítio onde Columbano retratou Antero
Margarida Elias, Columbano e as Caldas da Rainha
Columbano, Un réaliste portugais (1880 - 1900)
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