sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

A laguna do Vouga

dita Ria de Aveiro

Há três dias que ando metido na ria, com a barba por fazer, sujo como um ladrão de estrada e fora de toda a realidade. Afigura-se-me que vivo num país estranho — amplidão, água e sonho. Pelo areal os palheiros da Costa Nova, S. Jacinto e da Torreira... Que me importa! (1)

Companha da Costa Nova, ex-voto ao Senhor Jesus dos Navegantes, séc. xix
Offerecido ao Senr. Jesus, Por Jese Carlos Fernandes Parraxo
MMI/Centro de Religiosidade Marítima
Google Arts & Culture

A barra de Aveiro

A barra de Aveiro era extremamente móvel, tomando sempre o rumo do Sul; em apenas duas décadas, desde a tentativa da sua fixação perto da Vagueira por João Iseppi, arquitecto hidráulico italiano que dirigiu as obras no início dos anos oitenta (1780-1781), o cordão dunar tinha avançado mais de 4 km para Sul, estando a barra próxima de Mira e a cerca de 24 km da cidade de Aveiro (...)

Extracto do Mappa geral Hydrographico da embocadura do Vouga, e da Ria ou Lago do mesmo nome.
Copiado no Real, e Geral Depozito das cartas Marítimas, Militares, em 1802...
Planta do projecto que se esta executando para a nova abertura da Barra do Rio Vouga
por Ordem de SAR o Principe Regente Nosso Senhor

O Programa de Obras Públicas para o Território de Portugal Continental, 1789-1809, vol. I


Reinaldo Oudinot apresentou uma memória sobre as causas do assoreamento dos rios e da costa portuguesa e discutiu o modo de diminuir essas causas aplicadas aos portos, tendo abordado o caso mais grave de todos, o do porto e barra de Aveiro. 

António Rangel de Quadros, guarda-mor da Alfândega de Aveiro, embora não fosse membro da Sociedade, apresentou, em Março de 1801, um plano para a abertura da barra de Aveiro, ano em que D. Rodrigo de Sousa Coutinho iniciou o processo de projecto. (2)

A Costa Nova

A abertura da Barra Nova de Aveiro em 3 de Abril de 1808, barra artificial, foi, pela sua má localização, a causa do assoreamento da orla marítima da praia de São Jacinto, verdadeira calamidade que obrigou as Companhas de Ílhavo a transferir os seus assentos para as areias ao Sul do paredão da Barra, pois ali se tornava impraticável o exercício da pesca.

Mappa da Ria de Aveiro para intelligencia do plano da abertura da nova barra 
por Luiz Gomes de Carvalho, 1813
 
Biblioteca Nacional de Portugal

Desta emergência do abandono da Costa Velha pelas Companhas dos pescadores de Ílhavo surgiu, para estas, a imperiosa necessidade de procurarem sítio adequado onde pudessem trabalhar. 
ré.

Preparando as redes na Costa Nova ed. Faustino António Martins (F A Martins/FAM/Martins e Silva/MS), fotografia original de Paulo Guedes & Saraiva, Ílhavo n° 15, década de 1900.
Delcampe

O ilhavense Luís dos Santos Barreto foi o primeiro arrais a deixar a assoreada Costa do Norte e a estabelecer-se na Costa do Sul, assento da sua Companha, cujo local já tinha de antemão escolhido e que designou com o nome de Costa Nova, que, afinal, era um Enclave, pois esta zona não pertencia a Ílhavo.

Planta das Obras da Barra de Aveiro pelo Sarg.to Mor do R Corpo de Eng.os 
Luiz Gomes de Carvalho, 1876 
planta aguarelada realizada pelo engenheiro Silvério Augusto Pereira da Silva

A Barra da Laguna de Aveiro no Século XIX 
cf. AMORIM, I. (2008). Porto de Aveiro: entre a terra e o mar

Toda a orla marítima entre Ovar e Mira era pertença territorial e exclusiva do concelho de Ovar. Só em 1855, um decreto de 24 de Outubro, anexou ao domínio dos concelhos da Feira, Ovar, Estarreja, Aveiro, Ílhavo e Vagos, a faixa litoral marítima confinante com a terra firme pertencente a cada um destes seis concelhos. (3)

A Gafanha

O Padre João Vieira Rezende, na sua Monografia da Gafanha (1944), diz que Gafanha é "tôda a região arenosa dos concelhos de Ílhavo e Vagos com cêrca de 25 quilômetros de comprimento por 5 de largura, abracada do Norte ao Sul (lado poente) pelo rio Mira e do Norte ao Sul (lado nascente) pelo rio Boco, afluentes da Ria-de-Aveiro, e confinando pelo Sul com uma linha que, saindo dos Cardais de Vagos, vai fechar ao Norte do lugar do Pogo-da-Cruz, freguesia de Mira.

Aveiro.Vista da ria, tirada da ponte da Gafanha,
ed. Alberto Malva e Roque Sucessores (M&R/MIR) n° 764, c. 1905.
Delcampe

Pela identidade da sua origem, topografia, condigôes de vida, costumes, etc, consideramos como uma continuagão da Gafanha a duna situada naqueles dois concelhos, entre o Oceano e a Ria." (4)

A Vagueira

Em 1863 obstruiu-se a barra da (na) Vagueira, do que resultou grande vantagem para as condições do canal, deixando de haver, entre Aveiro e Mira, comunicação com o mar. Onde fôra out'rora a barra chamada da Vagueira, há hoje uma praia de banhos. (5)

Praia da Vagueira, Ponte sobre a Ria, ed. Supercor.
Aveiro e Cultura

Para o sul da Costa Nova, próximo da antiga barra da Vagueira, hoje totalmente obstruída, existe o porto de pesca do Arião (Areão) onde se exerce unicamente a pesca costeira (1886)... (6)


(1) Raul Brandão, Os Pescadores, Paris, Ailland e Bertrand, 1923
(2) O Programa de Obras Públicas para o Território de Portugal Continental, 1789-1809, vol. I
(3) Ramalheira, Como nasceu a praia da Costa Nova
(4) Henrique Souto, Comunidades de pesca artesanal na costa portuguesa... 1998
(5) Revista de Turismo n° 95 e 96, junho de 1920
(6) Arthur Baldaque da Silva, Estado actual das pescas em Portugal: comprehendendo a pesca maritima... 1886

Mais informação:
Cátia Martins, A Barra da Laguna de Aveiro no Século XIX Impactos da Ação Antrópica na Dinâmica Lagunar
Inês Amorim, Aveiro e sua provedoria no séc. xvii: 1690-1814i
Alfredo Pinheiro Marques, A arte-xávega da Beira Litoral e as suas embarcações, Revista da Armada n° 555, setembro-outubro de 2000

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