terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Panorâmica de Almada na Restauração da Independência

A imagem recentemente disponibilizada pela Gallica BnF, Castel Dalmade devant Lisbonne, apresenta num desenho realista do século xvii, com admirável detalhe, o castelo de Almada com a torre junto à igreja em ruínas e as construções adjacentes ás muralhas. À direita do castelo, o largo Boca de Vento e o campo e o convento de São Paulo. À esquerda, a povoação de Cacilhas.

Castel Dalmade devant Lisbonne
Gallica


As embarcações, em primeiro plano, representam três pequenos galeões (navios de transporte e de combate), sendo que o da direita ostenta uma bandeira com uma cruz central. Embora por si insuficiente, o facto, de não aparecerem outro tipo de navios, como as naus da carreira das índias, pode remeter-nos para meados do xvii, para o período da Guerra da Restauração.

O castelo ocupava então uma extensão alargada para nascente e poente, com a generalidade dos panos de muralha encimados por ameias, excepto em algumas torres redondas, destinadas à artilharia. As arribas montanhosas apresentavam-se consistentes e encimadas por diversas construções.

Durante a Guerra da Restauração (1640-1668), não é clara a natureza dos trabalhos efectuados no castelo de Almada. Admitindo que a imagem corresponde a este período é admissível o acrescento (ou a transformação) das torres redondas.

Castel Dalmade devant Lisbonne (castelo de Almada)
Gallica

O historiador Rui Manuel Mesquita Mendes chama a atenção para "o cruzeiro no adro de São Paulo, que foi ali colocado certamente entre 1640 e 1712, datas em que se fazia a procissão dos Passos entre Cacilhas e São Paulo".

Castel Dalmade devant Lisbonne (Boca de Vento e convento de São Paulo)
Gallica

Na povoação de Cacilhas destaca-se o pormenor do casario, a praia e pequenas embarcações.

Castel Dalmade devant Lisbonne (Cacilhas)
Gallica

O ponto de observação da imagem, remete-nos para a legação francesa em Lisboa, o palácio do Marquês de Abrantes, então sobranceiro à praia de Santos.

Como autores da imagem, pela similaridade do grafismo e da técnica usadas no desenho da vista, teríamos como autores prováveis Alain Manesson Mallet e Pier Maria Baldi.

Pier Maria Baldi (c. 1630-1686) acompanhou Cosme (iii) de Medici, em Portugal de 9 de janeiro a 1 de março de 1669, produzindo aguarelas com vistas de cidades e lugares, tardiamente publicadas em 1933 pela Junta para Ampliación de Estudios é Investigaciones científicas (Madrid).

Alain Manesson Mallet (1630-1706), presente em Portugal entre 1663 e 1668 no reinado de D. Afonso VI, "atribuiu a si próprio a autoria de traçados de fortificações que não passam de cópias de projectos de outros engenheiros, na sua maioria projectos idealizados e nunca concretizados" (cf. Mário Jorge Barroca, Vila Viçosa, vila ducal renascentista vol. iii, 2018).

As imagens de Mallet. foram passadas a gravura em madeira e publicadas em "Les travaux de Mars ou l’art de la guerre" (1671 e 1684-1685) e "Description de l'univers" (1683). Algumas das imagens foram também, mais tarde, gravadas em cobre, como as usadas como complemento à cartografia de Nicholas de Fer (1646-1720), e fizeram parte de múltiplas reproduções em livros, mapas e impressões soltas.

Castelo de Almada em 1666 (segundo Alain Manesson Mallet), espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Entre essas imagens encontram-se uma vista com linhas de fortificação planeadas para Lisboa em que uma vista sul do castelo de Almada, parcial, aparece em primeiro plano.

Vista do castelo de Almada e de Lisboa (detalhe), 1663-1668
Alain Manesson Mallet, Les Travaux de Mars, ou l'art de la guerre

Outra das imagens de Mallet, publicada em 1671, apresenta uma vista geral do castelo de Almada tomada de um ponto baixo da arriba, que ilustra um plano de fortificação em hexágono e em que os diversos elementos se podem destacar do corpo principal.

Fort d'Almade
Alain Manesson Mallet, Les Travaux de Mars ou L'Art de la Guerre (ed. 1671)
Gallica

Ainda a concorrer para a autoria de Mallet, o erro ortográfico "Almade" em vez de "Almada", que ocorre tanto no desenho aqui descrito, como na primeira edição de "Les travaux de Mars ou l’art de la guerre" publicada em 1671 e na segunda, 1684-1685, em três volumes.

Fort d'Almade
Alain Manesson Mallet, Les Travaux de Mars ou L'Art de la Guerre (ed. 1684-1685)
Columbia University



Rui Granadeiro, 27 de fevereiro de 2024


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