As Salas da Sociedade Histórica, e entre elas, designadamente: o Salão Nobre, principal do palácio, correspondente à varanda e janela central da frontaria, com teto apainelado, em carvalho, ombreiras de mármore, silhares de madeira, chão de "parque" de "damas" (destina-se a Museu da Restauração, em organização); por cedência da Direcção Geral da Fazenda Pública encontram-se já no depósito da Sociedade Histórica, dois curiosos quadros (vindos do Palácio da Ajuda), pintura da segunda metade do século XVII, de cenários sensivelmente idênticos, que representam o Terreiro do Paço da Ribeira, no momento da aclamação de D. João IV (1 de Dezembro), e juramento real e cortejo (15 de Dezembro), obra que se supõe da autoria de José Avelar Rebêlo, pintor muito da simpatia de D. João IV. (1)
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Chegou finalmente o sempre memoravel, e glorioso dia de sabbado, primeiro de Dezembro de mil seiscentos e quarenta.
Apenas amanheceo, todos os Fidalgos Confederados, e os seus adjuntos
se armarão, (dia feliz da acclamação) ajuntando-se huma grande parte
delles em casa de D. Miguel
de Almeida, d'onde partirão separados huns dos outros para o Paço, e
para outros lugares a occuparem os Postos, que lhes estavão já
destinados, D. Filippa de Vilhena, Condeça da Atouguia, heróica, e
varonilmente ajudou a armar com as suas próprias mãos a seus dois
Filhos, D. Jeronymo de Ataíde y e D. Francisco Coutinho exhortando-os
com todo o valor para a gloriosa empreza a que hião.
Conta-se que o mesmo fizera D. Marianna de Lencastre a seus Filhos, Fernão Telles, e Antonio Telles da Silva (...)
D. João da Costa, e João Rodrigues de Sá com outros Fidalgos, e
Pessoas Gonfidentes, forão a bordo dos dois Galeões de Hespanha que se
achavão surtos no Tejo, armados em guerra, que sem mais resistência se
renderão, a pezar de terem toda a guarnição de Infanteria Hespanhola, e
estarem promptos a a fazer-se á vela.
Forão outros ao Castello, e mandarão a D, Luiz del Campo a Ordem da
Duqueza, para que o entregasse; e duvidando este da Ordem, por não ir
com a formalidade que elle queria, Mathias de Albuquerque, que alli se
achava prezo, e que nada sabia com certeza da Acclamação, aconselhou ao
Governador, que ou sahisse com o presidio que guarnecia o Castello, ou
se puzesse em defensa, se o rumor que se ouvia pela Cidade passasse a
mais. Com effeito fechárão-se as portas, e prevenio-se a artilheria.
Requererão os Governadores á Duqueza segunda Ordem, para que se não
fortificasse o Castello, a que D. Luiz del Campo obedeceo, e já Mathias
de Albuquerque que nada lhe disse a este respeito, por ter noticias
certas da Acclamação; e como não houve tempo para se entregar com a solemnidade que o
Governador queria, ficou naquella noite rodeado o Castello de todas as
Companhias das Ordenaraças (...) (2)
ACLAMACAÕ DA MAGESTADE DELREI DOM JOAÕ O QUARTO EM O PRIMEIRO DE DEZEMBRO DE 1640 Paço Ducal de Vila Viçosa |
Em quanto fe acabavaõ de vencer tantas difficuldades, fendo as diligencias mays poderofas que as contradições, preparava Lisboa a solemnidade de Coroar ElRey , & darlhe em nome de todo o Reyno juramento de obediência , & fidelidade. Disposto tudo o que era necefsario para se celebrar este acto, se levantou a quinze de Dezembro noTerreyro do Paço hum theatro que igualava com as varandas do mefmo Anno Paço adornado magniíicamente.
Bayxou ElRey a elle com todas as infignias Reaes acompanhado da Nobreza, & pessoas principaes da Corte na fórma dos Reys de Portugal vinhaõ exercitando os officios da Cafa Real todos aquelles q por privilégios antigos tinhão occupação nella, conciliando ElRey os ânimos de feusVassallos na observação da justiça que guardava aquelles, em que primeyro se exercitava o feu poder.
Era Mordomo Mor D. Manrique da Silva Marquez de Gouvea, Camareyro Mòr joaõ Rodrigues de Sá Conde de Penaguiaõ, Estribeyro Mòr Luis de Miranda Henriques, & Veador D. Pedro Mascarenhas filho mays velho do Marquez de Montalvaõ. Servia de Meyrinho Mòr D. Joaõ de Castelbranco por seu irmaõ que havia ficado em Madrid, de Guarda Mòr Pedro de Mendoça, de Alferes Mòr Fernaõ Telles de Menezes.
Vinha o Marquez de Ferreyra com o estoque defembainhado exercitando o officio de Condestavel.
Elegeu ElRey por Secretario de Estado Francisco de Lucena, merecida occupaçaõ da sua grande capacidade. Sahiu El Rey vestido de riço pardo bordado de ouro com botões, & cadea de diamantes, trazia opa de tela brancasemeada de ramos de ouro, sustentavalhe a fralda, que largamentese estendia, o Camareyro Mòr.
Sentou-se debayxo de hum docel em lugar alto adornado das insignias Reaes, & depoys de tomarem os que lhe assistiaõ os lugares q lhe tocavaõ, fez húa oraçaõ muyto eloquente o Doutor Francisco de Andrade Leytao Dezembargador dos aggravos.
Mostrou nella com prudentes razões a Justiça com que os Tres Estados do Reyno restituhiaõ a ElRey q estava presente a Coroa usurpada á Duqueza D. Catharina sua Avò por Filippe II, Rey de Castella; fez prefente a ElRey a vontade com que os Povos offereciaõ pelo defender, & perpetuar na Coroa as vidas, & as fazendas aos Povos a resoluçaõ com que ElRey determinava expor-se aos mayores perigos pela conseryaçaõ da sua liberdade.
Acabada a Oraçaõ, se seguiu o juramento, a que deu principio D. Miguel de Noronha Duque de Caminha.
A 15 DE DEZEMBRO DE 1640 SE JUROU REI DE PORTUGAL, A ELREi DOM JOAÕ O QUARTO DESTE NOME N. SENHOR Paço Ducal de Vila Viçosa |
Foy ElRey D. Joaõ jurado por legitimo successor dos Reynos, & Senhorios de Portugal para si, & seus deseendentes, & prometteu a seus Vassallos de lhes guardar todas as isenções, franquezas que lhes foraõ concedidas pelos Reys seus antecessores. Rematou-se o Acto desenrolando o Alferes Mòr a Bandeyra, & dizendo tres vezes : ( Real por ElRey D. Joaõ o Quarto Rey de Portugal ) a que com repetidos vivas respondeu todo o Povo.
Feyta esta ultima ceremonia deceu El-Rey ao Terreyro, montou a cavallo, debayxo de hum Palio acompanhado a pè de toda a Nobreza descuberta, levando o de redea D. Pedro Fernandes de Castro em ausencia do Conde de Monfanto, Alcayde Mòr de Lisboa. (3)
(1) Norberto de Araújo, Inventário de Lisboa, fasc. IV, 1946
(2) Roque Ferreira Lobo, Historia da feliz acclamação do Senhor Rei D. João o Quarto... Lisboa, na Officina de Simão Taddeo Ferreira, 1803
(3) D. Luiz de Menezes, Conde de Ericeira, História de Portugal Restaurado (livro terceyro)
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2 comentários:
Caro Rui Granadeiro,
Mais um belíssimo artigo, e bem ilustrado, como vem sendo hábito.
Cumprimentos
José Leite
Obrigado caro José Leite,
O hábito vai-se esbatendo por conta de outros compromissos...
Cumprimentos
Rui Granadeiro
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