(...) muitas vezes de malinha na mão e dizia com um ar muito natural: — Venho cá passar uns dias. (1)
Autorretrato (detalhe), Sarah Affonso, 1927. MNAC |
Sarah Affonso, embora ao primeiro golpe de vista nos recorde imediatamente a pintura mole de Columbano, possui, entretanto, qualidades suas que deve lutar por conservar ou desenvolver. Os retratos que apresenta são tecnicamente bem feitos — academicamente falando.
Possuem, entretanto, um quê de impalpável que só consegue fixar nas obras de arte quem tem alma para sentir. Desses retratos ressalta ainda uma qualidade que não se assimila: o carácter. Há um certo à-vontade que só obtêm aqueles que têm um pensamento superior a nortear-lhes o pincel (...)
D. Sarah Affonso devia — que nos seja permitido dar conselhos — fazer as malas, meter-se no Sud-Express e desembarcar em Paris (Sarah Affonso esteve em Paris, em 1923-1924 e em 1928-1929).
Nessa cidade entregar-se-ia ao estudo dos pintores modernos e antigos, clássicos e bizarros. Veria tudo com olhos de ver, examinaria sem parti-pris, abriria a sua alma às mil almas de artista que, por intermédio da arte, pudesse conhecer (...) (2)
Retrato de Manuel Mendes por Sarah Affonso, 1930. MNAC/Casa Comum |
Uma exposição de quinze quadros pequenos (de Matisse), com aquelas flores da Primavera, que são brancas, azuis e encarnadas, que se chamam anémonas. Vi essa exposição e fiquei tão maravilhada que, como havia na rua umas barraquinhas com essas flores, comprei um ramo e fui para casa fazer um quadro.
Meninas, Sarah Affonso, 1928. MNAC |
A pintura dele era uma pintura por camadas, para tirar um tom, por exemplo roxo, ele dava uma camada de encarnado transparente e depois por cima uma camada de azul, mas de um azul flou.
Uma técnica criada por ele. Com duas cores, dava uma terceira. O que se aprende a ver um quadro! O que eu aprendi com Matisse! Aquela liberdade de construção, sem parar nas coisas. Eu não tinha era cultura para ir mais longe. (3)
Fernanda de Castro e Antoninho Gabriel por Sarah Affonso, 1928. MNAC/Flickr |
Havia a Brasileira do Chiado, onde os artistas se juntavam e nunca entrava uma mulher. Um dia entrou uma, uma moça nova, desempoeirada, era a Sarah Affonso. Foi a primeira mulher que entrou na Brasileira, que teve essa coragem (...) (4)
Autorretrato, Sarah Affonso, 1927. MNAC |
— Era eu sozinha. Fazia aquilo por desafio, tinha vindo de Paris de forma que trazia um encanto dentro de mim, uma certeza de certas coisas, e porque é que eu não hei-de entrar na "Brasileira"? (...) Como as mulheres não entravam, eu entrei. (5)
(1) Ao fim da memória, Memórias (1906-1939), Porto, Verbo, 1986, p. 200
(2) Mario Domingues, Os trabalhos dos alunos da Academia de Belas Artes, Revista Portugueza, 1923 cit. em Emília Ferreira, Forte, para resistir, Sarah Affonso, um percurso ímpar no modernismo português, 1999
(3) Mário Domingues cit. em Emília Ferreira, idem
(4) Ana Rita Luís Henriques, Fred Kradolfer (1903-1968), cit. em A. Santos Silva, Ofélia Marques (1902-1952)...
(5) Maria José Almada Negreiros, Conversas com Sarah Affonso, cit. em A. Santos Silva, idem
Artigos relacionados:
Sarah Affonso, postais da Costa a Manuel Mendes (1930-1931)
Sarah Affonso por Mário Domingues e com Fernanda de Castro
RTP Arquivos:
Sarah Afonso: Biografia do Centenário 1899-1999
Mais informação:
Arte e Género, Mulheres e Criação Artística, Faculdade de Belas-Artes
Emília Ferreira, Forte, para resistir, Sarah Affonso, um percurso ímpar no modernismo português, 1999
Maria João Gomes Pedro, Sarah Affonso, vida e obra, 2004 (3 vols.)
Sarah Affonso (Google Arts & Culture)
Sarah Affonso (MNAC)
Sarah Affonso (Centro de Arte Moderna Gulbenkian)
Sarah Affonso (Fundação Mário Soares e Maria Barroso/Casa Comum)
Almanak Silva: Mariazinha africanista
Sobre o percurso de Sarah Affonso, ver (cf. A. Santos Silva, Ofélia Marques (1902-1952)...);
CONDE, Idalina, «Sarah Affonso, mulher (de) artista», in Análise Social, vol. XXX (131-132. 2º-3º), p. 459-487;
CONDE, Idalina, «Reencontro com Sarah Affonso», in LEANDRO, Sandra, SILVA, Raquel Henriques da (coord.), Mulheres Pintoras em Portugal: de Josefa d’Óbidos a Paula Rego, p.129-161;
NEGREIROS, José de Almada, «Sarah Affonso», in CASTRO, Zília Osório de, ESTEVES, João Gomes (dir.), Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), p. 850-851;
PEDRO, Maria João Gomes, Sarah Affonso – vida e obra, vol. I.
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