quarta-feira, 6 de maio de 2020

Fado I (recolha em Obras poéticas de Bocage)

Manuel Maria de Barbosa de Bocage (detalhe), Henrique Joze da Silva del. Francisco Bartolozzi R. A. sculp.
belas-artes ulisboa

A ESTANCIA DO FADO 

Para celebrar o dia uatalicio da Sereníssima Princeza D. Maria Theresa 
(Representado no Theatro de S. Carlos, em 29 de Abril de 1797)
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Actores : — O Fado — O Génio Lusitano — Lysia 

A scena se figura na estancia do Fado. 
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SCENA I 

O Fado e o Génio Lusitano 

Génio 

Oh tu, que já severo, e já benigno 
Ou prostras, ou manténs, ou dás, ou tiras, 
Despótico senhor da Natureza, 
Ente, de cujas leis é tudo escravo,
Hoje desenrugada a fronte augusta 
Affavel te promette ás preces minhas. 
Ministro pontual dos teus decretos. 
Eu, que ha tantas edades velo, oh Fado, 
Na gloria, no esplendor da egrégia Lysia, 
De brilhantes heróes origem pura, 
Eu por ella te invoco: ako interesse 
A dirige, a conduz ante o supremo 
Throno, onde reinas, adorável throno, 
Escorado na inimensa eternidade. 
Dá que a teu gran poder curvando a frente, 
Honrada ha muito de apoUinea rama, 
Lysia teus dons benéficos implore. 
De tudo quanto abrange a louga terra 
Nada tão digno de encarar seu sólio. 

Fado 

Magnânima, fiel, constante, invicta,
Lysia, qual a formei, dá lustre ao mundo;
Ante o seu gosto minlias leis se torcem:
Tens influxo, oh Virtude, até no Fado.
Venha, merece olhar-me, ouvir merece
A voz, que ao próprio Jove o throno abala;
Toque a vedada, sempiterna Estancia
Por onde em turbilhões mysterios fervem:
Gloria, aos mortaes defesa, a Lysia cabe [...] (1)



Que eu fosse em fim desgraçado
Escreveu do Fado a mão;
Lei do Fado não se muda;
Triste do meu coração!

Glosa

Tres vezes sobre mens lares
Vozeou, quando eu nascia.
Ave, que aborrece o dia,
Que prevê cruéis azares:
Amor dividira os ares
De seus tormentos cercado;
A funda estancia do Fado
O vôo havia abatido,
E ambos tinham resolvido
Que eu fosse em fim desgraçado.

— Esse, que os primeiros ai
Vai soltar triste^ e choroso,
Seja á Fortuna odioso,
Seja pezado aos inortaes:
Dos mimos de Amor jamais
Desfructe a consolação;
Ame, porém ame em vão,
Ferva-lhe n'alma o ciúme.
Isto no horrendo volume
Escreveu do Fado a mão.

Cresci, cresceram commigo 
Meus damnos, e n'um transporte 
Curva maga a ler-me a sorte 
Com roucas preces obrigo: 
Eis que toma um livro antigo, 
Abre, vê, folhôa, estuda, 
Té que me diz carrancuda: a 
"Nos caracteres que olhei 
Fim ao teu mal não achei; "
Lei do Fado não se muda.

Absorto, convulso, e frio.
Deixo de erriçada grenha
A Fúria em concava penha.
Seu lar medonho, e sombrio:
Debalde lucto, e porfio
Contra a Sorte desde então;
Céos! Não achar compaixão!

Céos! Amar sem ser amado!
Barbara lei do meu fado !
Triste do meu coração! (2)


(1) Vol 4-5: Obras poéticas de Bocage
(2) Vol 3: Obras poéticas de Bocage

Informação relacionada:
Vol 1: Obras poéticas de Bocage
Vol 2: Obras poéticas de Bocage
Vol 3: Obras poéticas de Bocage
Vol 4-5: Obras poéticas de Bocage
Vol 6: Obras poéticas de Bocage
Vol 7-8: Obras poéticas de Bocage

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