quarta-feira, 15 de maio de 2019

Um pequeno quadro no Museu de Lisboa

Foi no Campo Grande em Casa de Madre Paula que a partir de 1979 se instalou o então Museu da Cidade. Algo inacabado, pensamos tê-lo visitado nesse mesmo ano.

Um pequeno quadro...
Museu de Lisboa

Cremos que já então o quadro lá estaria, ou vindo da Mitra, ou do palácio Galveias, ou de uma qualquer outra dependência da Câmara Municipal.

Navios de guerra de propulsão mista e casco reforçado saindo do Tejo de madrugada junto à Torre do Bugio.
Museu de Lisboa

Trata-se de uma marinha com pouco detalhade, mas explícita, que representa uma madrugada em que três couraçados, pelo grande canal junto à Torre de S. Lourenço do Bugio, saem do Tejo.

Museu de Lisboa

Em total desacordo com a descrição apensa ao quadro, "A esquadra francesa comandada pelo almirante Roussin força a entrada do Tejo em 11 de julho de 1831", de autor não identificado.


A frota francesa comandada por Roussin força a entrada do Tejo, Pierre-Julien Gilbert, 1837.
Fortificações da foz do Tejo

Seria muito diferente a esquadra de Roussin enviada a Lisboa.

Os navios intervenientes e a acção, são por nós referenciados em O forçamento da barra do Tejo.

O mesmo acontecimento de 1831 descreve-se em La France maritime, Volume 3.

La flotte française force l'entrée du Tage, Horace Vernet, c. 1840.
Joconde

Quanto ao quadro no Museu de Lisboa, ficamos com várias perguntas por responder. Quais os navios representados?  Qual acontecimento ou em que data? Quem foi o autor? Como chegou ao Museu de Lisboa? 

Quanto aos navios, como a imagem mostra, tratam-se de navios com o casco reforçado, com rostro (o esporão na prôa), propulsão mista (vento e vapor) e sem pás laterais, portanto movidos a hélice.

A estas características, aos navios da frente, acresce o facto único de se disporem as batarias em duas cobertas sobrepostas.

Vaisseau Cuirassé de 1000 Chevaux Le Solférino.
Plan of the hull (Wayback machine)

Tratam-se, portanto, das fragatas couraçadas mandadas contruir por Napoleão III, sobre um projecto de Henri Dupuy de Lôme. A Magenta lançada em 1861 em Brest, navio almirante da frota do Mediterrâneo. A Solférino, navio igual, construído em Lorient e lançado também no mesmo ano. O navio mais atrás parece-nos um couraçado da classe Gloire.

Remetidos então para a década de 1860, ou data posterior, procuremos um acontecimento que durante o reinado de D. Luís que tenha ocasionado a presença desses navios no Tejo.

No Palácio Nacional da Ajuda espera-nos um quadro de grandes dimensões de João Pedroso, Partida para França da Família Real em 1865, em que, para além das corvetas Bartolomeu Dias, Estefânia e Sagres, aparecem os mesmos couraçados.

Partida para França da Família Real em 1865, João Pedroso.
Revista da Armada, abril de 2014

Deve o pequeno quadro no Museu de Lisboa representar a saída do Tejo dos couraçados franceses em 1865 e ser da autoria de João Pedroso.

João Pedroso Gomes da Silva (1825-1890), gravador e pintor de marinhas,  mostrava a sua obra nas exposições da Sociedade Promotora das Bellas-Artes, tendo sido aí o artista mais representado, 163 quadros, o único presente nas catorze edições.

Na biblioteca da Universidade de Coimbra, onde se encontram os catálogos dessas exposições, poderíamos, talvez, encontrar nos relativos a 1865, ou 1866, ou 1867, quarta, quinta e sexta exposições uma referência a João Pedroso com o descritivo "A esquadra francesa junto à Torre do Bugio em 1865". Talvez.

Torre do Bugio na Barra de Lisboa, João Pedroso, gravura
Biblioteca Nacional de Portugal

Rui Granadeiro, 15 de maio de 2019

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Recentemente numa passagem pela Galeria de Pintura do Real Paço da Ajuda redescobrimos a pintura "Partida para França da Família Real em 1865", de João Pedroso, e a referência aos navios representados como consta em   Galeria de Pintura do Real Paço da Ajuda, Lisboa, Typographia Univeral, 1869.

A Família Real portugueza saindo do Tejo,
acompanhada pelos navios de guerra francezes "Magenta", "Flandre" e "Heroine"
Partida para França da Família Real em 1865, João Pedroso, Revista da Armada, abril de 2014

São eles: "Magenta", "Flandre" e "Heroine".

Rui Granadeiro, 9 de fevereiro de 2020


Plans of the Solférino (large TIF files) from the Atlas du génie maritime of the Service historique de la Défense" ("Historical services of the ministry of Defence"):
Plan of the hull
Cargo bay and machinery
2nd battery and castle
1st battery
Riggings

Alguns artigos relacionados:
O Bugio
John Cleveley Junior e o Tejo, 1775
Foz do rio Tejo em 1800
O forçamento da barra do Tejo
Trafaria em 1865
A falua do Bugio
Uma arribada em calma branca
Os Faroleiros, filme de Raul de Caldevilla, 1922
Furiosa batalha
Mar da Calha

Informação relacionada:
Ironclad warship
MS Achilles (1863)
Hector class ironclad
Defence class ironclad
Audacious class ironclad
Our iron-clad ships; their qualities, performances, and cost.
Herbert Wrigley Wilson (1866-1940)
Google Image Search: HMS Achilles
Cuirassé à coque en fer
A revolução industrial, Lisboa marítima e Marinha de Guerra, na obra de João Pedroso (1825-1890)

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