domingo, 28 de junho de 2020

Fado VIII, Alfredo Marceneiro e outros (com o moinho por tema)

(quadras soltas)

Junto ao moinho cantando 
Lavam roupa as lavadeiras 
Os patos brincam nadando 
Arrulham pombos nas eiras

Às vezes contemplo o moinho 
Que além de velho, não cai 
Formado no casalinho 
Que era do pai do meu pai

Variações sobre o fado, Panorama n.° 25-26, 1945.
O natal do moleiro (Henrique Rego/Alfredo Marceneiro)

Que noite de Natal tristonha, agreste 
De neve amortalhava-se o caminho 
O vento sibilava do nordeste 
Nas frinchas das porta do moinho 

Sentada à velha mó já carcomida 
Onde incidia a luz duma candeia 
O moleiro de barba encanecida 
Com a mulher comia a parca ceia

Próximo do moinho, ouviu-se em breve 
Uma voz, e o moleiro abrindo a porta 
Viu um velhinho todo envolto em neve 
Vergado ao peso duma esperança morta

Entrai, meu peregrino da desgraça 
Disse o moleiro ao pálido ancião 
Aqui não há dinheiro, existe a graça 
De haver carinho, piedade e pão 

Vinde comer, agasalhar-se ao lume 
Festejar o nascer do Deus Menino 
Porque a vida somente se resume 
Na escravidão imposta pelo destino

E então o velhinho, numa voz sonora 
Pronunciou, levando as mãos ao peito 
Abençoado seja a toda a hora 
Este moinho que é por Deus eleito 

Moinho desmantelado (Henrique Rego/Alfredo Marceneiro)

Moinho desmantelado 
Pelo tempo derroído 
Tu representas a dor 
Deste meu peito dorido 

É grande a tua desgraça 
Ao dizê-lo sinto pejo 
Porque em ti apenas vejo 
A miseranda carcaça 
Perdeste de todo a graça 
Heróica do teu passado 
Hoje ao ver-te assim mudado 
Minh’alma cora e descrê 
Quem te viu, e quem te vê 
Moinho desmantelado 

Moinho pombo da serra
Que triste fim tu tiveste 
Alvas farinhas moeste 
Pró povo da tua terra 
Hoje a dor em ti se encerra F
oste votado ao olvido 
Foi-se o constante gemido 
Dessas mós trabalhadoras 
Doce amante das lavouras 
Pelo tempo derroído 

Finalizas tua vida 
Em fundas melancolias 
Às tristes aves sombrias 
Hoje serves de dormida 
No teu seio das guarida 
Ao horrendo malfeitor 
Tudo em ti causa pavor 
É bem triste a tua sorte 
Sombria estátua da morte 
Tu representas a dor

Junto de ti eu nasci 
Oh meu saudoso moinho 
E do meu terno avozinho 
Quantas histórias ouvi 
Agora tudo perdi 
Sou pela dor evadido 
Vivo no mundo esquecido 
Moinho que crueldade 
És o espelho da saudade 
Deste meu peito dorido. 

Lembro-me de ti (Joao Linhares Barbosa/Alfredo Marceneiro)

Eu lembro-me de ti 
Chamavas-te Saudade 
Vivias num moinho 
Tamanquinha no pé 
Lenço posto à vontade 
Nesse tempo eras tu 
A filha do moleiro. 

Eu lembro-me de ti 
Passavas para a fonte 
Pousando num quadril 
O cântaro de barro 
Imitavas em graça 
A cotovia insonte 
E mugias o gado 
Até encheres o tarro. 

Eu lembro-me de ti 
E às vezes a farinha 
Vestia-te de branco 
E parecias então 
Uma virgem gentil 
Que fosse à capelinha 
Um dia de manhã 
Fazer a comunhão. 

Eu lembro-me de ti 
E fico-me aturdido 
Ao ver-te pela rua 
Em gargalhadas francas 
Pretendo confundir 
A pele do teu vestido 
Com a sedosa lã 
Das ovelhinhas brancas. 

Eu lembro-me de ti 
Ao ver-te num casino 
Descarada a fumar 
Luxuoso cigarro 
Fecho os olhos e vejo 
O teu busto franzino 
Com o avental da cor 
Do cantaro de barro 

Eu lembro-me de ti 
Quando no torvelinho 
Da dança sensual 
Passas louca rolando 
Eu sonho eu fantazio 
E vejo o teu moinho 
Que bailava tambem 
Ao vento assobiando 

Eu lembro-me de ti 
E fico-me a cismar 
Que o nome de Lucy 
Que tens não é verdade 
Que saudades eu tenho 
E leio no teu olhar 
A saudade que tens 
De quando eras Saudade.


Outras referências:
Amaro de Almeida, Reflexões sobre a origem do fado, Olisipo n.° 25, 1944
Variações sobre o fado, Panorama n.° 25-26, 1945

O fado segundo Maurice Mariaud:
Instituto Camões, O Fado (1923)
CINEPT: O Fado (1923)



A Severa segundo Júlio Dantas:
Júlio Dantas, A Severa
Esperas de touros, Serões n.° 37, 1908
A Severa (peça teatral), Illustração Portugueza n.° 156, 1909
Restos de Colecção, A Severa, Primeiro Filme Sonoro-(Fonofilme)
A Severa da lenda... literatura... realidade, Reporter X n.° 95, 1932
Dina Teresa, Cine-Jornal n.° 16, 1936



Sem comentários: