sábado, 22 de dezembro de 2018

A Lisboa de Rosa Araújo e Ressano Garcia (Avenida da Liberdade)

Lisboa, a nossa formosa capital, assento duma posição que invejam grande numero das principaes cidades da Europa, recostando-se por uma área extensa de terreno que se desdobra em valles fundos, e cabeços elevados, donde se gozam panoramas magníficos de variados aspectos; Lisboa, a cidade "que no mundo facilmente das outras é princeza", como diz o nosso Camões, debruçada sobre as aguas pujantes do formoso Tejo, onde se espelha garrida e descuidada, deve toda a sua belleza e importancia, antes á sua admiravel posição no ponto mais occidental da Europa e n'um dos melhoras portas do mundo, do que no trabalho dos seus naturaes.

Lisboa vista da Quinta da Torrinha Val Pereiro, gravura de William James Bennett sobre desenho de L. B. Parlgns.
Museu de Lisboa

Ha poucos annos ainda a desigualdade e descommodo das suas ruas, era proverbial na Europa, e as novas idades, nada mais tinham corrigido á sua antiga irregularidade, senão os grandes melhoramentos e reformas que o terremoto de 1755 fez romper do genio poderoso do Marquez de Pombal. 

Desde o grande homem para cá, em cem annos apenas ao fez o aterro da Boavista, importante melhoramento mas incompleto o acanhado e uma ou outro rua ou largo.

Em 1870, sendo ministro das obras publicas o sr. Joaquim Thomaz Lobo d'Avilla (conde do Valbom) foi por elle iniciado um projecto grandioso de um boulevard do Passeio Publico do Rocio ao Campo Grande, o que determinaria outras obras importantes aos lados d'aquella grande arteria.

D. Fernando II, Uma vista do Passeio Público, Leonel Marques Pereira, 1856.

Infelizmente as alteraçõea políticas quo promoveram a queda do gabinete do que fazia parte aquelle estadista, impediram a realisaçao d'aquelle projecto. 

Pede porém a Justiça que se faça remontar áquelle ministro a idéa inicial deste melhoramento.

Tudo ficou em projecto e ninguem mais tivera o arrojo de dar á execução aquelle plano, quando em 1879 o sr. José Gregorio da Rosa Araujo, presidente da Camara Municipal, propoz á municipalidado a abertura de uma via pouco mais ou menos na direcção indicada no plano d'aquelle estadista, mas em menores proporções.

Feito o projecto e aprovado o plano. foram inaugurados os trabalhou a 24 de agosto d'aquelle anno, pela demolição do antigo theatro do Salitre (Variedades), como ao pode ver a pag. 138 e 140 do nosso 2.° volume, começando os trabalhos de movimentos de terra a 22 de outubro immediato.

Teatro do Salitre (Variedades), 1879.
O Occidente n° 99, 15 de setembro de 1879

Deu-se a essa nova via, que como se ver da planta a pag. 216 começa no antigo passeio do Rocio, o nome de Avenida da Liberdade. Com de largura 89m,50 terminando numa rotunda de 100m de raio, junto ao quartel de Valle do Pereiro. 

Planta da futura Avenida da Liberdade sobre o traçado de aguns arruamentos existentes,1881.
O Occidente n° 99, 21 de setembro de 1881

D'essa rotunda partem symetricamente quatro ruas, sendo uma d'ellas a Avenida do Campo Grande.

Varias outras ruas preiteias ou perpendicular« á avenida completarão essa rede de communicações como a planta indica. 

As linhas ponteadas mostram as antigas ruas e travessas, que hão de deaapparecer quando as construcções estiverem concluidas. Como ainda o não estão, não deixaremos de dizer com Victor Rogo alguma cousa contra os angulos rectos. 

Estes são muito convenientes para a construcção e belleza das obras, mas para as comunicações mais rapidas o perfeitas não se devem desprezar as diagonaes, o que lembramos, porque só quem anda muito a pé sabe dar o valor a essa necessidade.

A obra da Avenida foi orçada em 475 contos de réis, excluidas as expropriações. D'estas, as que se acham já contractadas o realisadas, todas amigavelmente, importaram em 101 contos do réis, e as que devem realizar-se importarão em 200 contos, pouco mais ou menos.

Entre as obras complementares d'esse novo bairro avulta um mercado vasto e proprio de urna grande capitai, o qual embora hoje fique fóra do fóco da povoação mais densa, deve em futuro pouco remoto assumir toda a sua importancia, attenta a sua posição no ponto mais central da cidade, e em terreno onde se lhe podem dar á vontade todas as condições o vantagens quo a moderna scioncia exige. 

A nossa opinião é que em projectos trama ordem se deve olhar ao futuro e não ao presente.

Os trabalhos já hoje executados em demolições, atterros, muros de supporte e de vedação, tem importado em 30 contos de réis, e estão sendo dirigidos pelo engenheiro o sr. Antonio Maria d'Avellar.

Obras da Avenida da Liberdade, António Ramalho, 1881.
O Occidente n° 99, 21 de setembro de 1881

Deve-se pois ao sr. Rosa Araujo, e ás municipalidades que tem gerido os negocios municipaes desde 1879, uma das obras mais importantes da capital que ao completará com o Bairro Camões anexo, inaugurado a 11 de junho do 1880 por occasião dos festejos do centenário do nosso épico e a que nos referimos no nosso n.° 62 d'esse anno [v. O Occidente n° 62, 15 de julho de 1880]. (1)

Obras da Avenida da Liberdade, António Ramalho, 1881.
O Occidente n° 99, 21 de setembro de 1881

Quando em 1879 a camara municipal de Lisboa inaugurava as obras da avenida da Liberdade pela demolição do velho theatro e praça do Salitre, houve muito quem duvidasse que essa obra se tornasse uma realidade e que tivesse um andamento regular, intendendo as grandes despezas que demandava, pelas expropriações que era preciso fazer-se e pelo grande numero de braços que era mister empregar-se, para a terraplanagem d'aquella enorme estrada.

Effectivamente a obra era tão arrojada para os recursos relativamente escassos do municipio, que se receiava muito pelo seu andamento e, ainda mais, pela sua conclusão.

Lissabon von der Quinta da Torrinha - Val de Pereiro. Umgebunge von Lissabon.
Aus der Geographischen Graviranstalt des Bibliographischen Instituts zu Hildburghausen, Amsterdam, Paris u. Philadelphia.
Author: Meyer, Joseph (1796-1856) Society for the Diffusion of Useful Knowledge (Great Britain), 1844.
  Cabral Moncada Leilões

Uma grande vontade estava, porem, empenhada n'esta empreza, e é de justiça que se diga que essa vontade de ferro, que vencia todas as ditliculdades, com uma idea fixa: a de promover todos os melhoramentos da capital tanto quanto fosse possível, era a do sr. Rosa Araujo, presidente da camara municipal, a quem Lisboa muito deve pelos melhoramentos que sob a sua administração licita se tem realisado.

A avenida da Liberdade, que assustava toda a gente, é já hoje um facto consummado, apesar de ainda não estar concluida.

As expropriações mais importantes já de ha muito se fizeram, e o grande quarteirão de predios que formava a praça da Alegria de baixo e o principio da rua do Salitre e a travessa das Vaccas, lai desappareceram, deixando em seu logar uma ampla arca, por onde já proseguem os trabalhos de terraplanagem, como se pode ver no primeiro plano da nossa gravura.

Vale do Pereiro), estado actual das obras na Avenida da Liberdade, Ribeiro Cristino em O Occidente, julho de 1885.
O Occidente nº 235, 1 de julho de 1885

O Passeio Publico do Rocio, que por tanto tempo resistiu ao cammartelo municipal, tambem desappareceu, deixando lugar á entrada triumphante da avenida com toda a sua amplidão, onde ha ar e luz e onde a população dc Lisboa já principia a gosar os seus belos effeitos.

As obras alli por conta da camara estão tomando mais desenvolvimento e a iniciativa particular vai completando o resto, com a construcção de grande numero de predios, alguns dos quaes já esperam pela avenida nas proximidades de Val-do-Pereiro.

A gravura que publicamos dá uma idea do estado das obras, mostrando a grande perspectiva que a avenida já apresenta olhando do norte para o sul. (2)


(1) O Occidente n° 99, 21 de setembro de 1881
(2) O Occidente nº 235, 1 de julho de 1885

Artigo relacionado:
Val de Pereira

Informação relacionada:
Frederico Ressano Gaecia (Lisboa, 1847-1911), biografia
Ressano Garcia (1847-1911): no Centenário da sua Morte
Ressano Garcia na colecção da Hemeroteca de Lisboa
Avenida da Liberdad'e, O António Maria, 28 de agosto de 1879
Uma grande figura desaparecida, Illustração Portugueza n.º 292, 25 de Setembro de 1911
Ruas de Lisboa com alguma história

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