sexta-feira, 12 de maio de 2017

O Grémio Artístico (3.ª exposição, 1893)

Fallemos de Silva Porto. Fallemos do mestre da actual geração de artistas, do regenerador da pintura portugueza, na sua feição moderna.

Conduzindo o rebanho (Arredores de Lisboa), Silva Porto, 1893.
Imagem: MNSR

"Os moinhos da confraria", não tem aquella tranquilidade de cores que distinguem as telas de Silva Porto, mas o assumpto é inquieto de si pela reproducção dos casebres que se espelham nas aguas verduengas do pégo, de modo que á primeira vista não se percebe bem o quadro, e só depois de alguns minutos de observação é que se principia a distinguir os casebres no meio da folhagem e das sebes que são quasi da mesma cor e a perceber aquelles reflectindo se nas aguas que estão em baixo.

Silva Porto triumphou até onde era possivel d'esta dificuldade, que afinal nem todos apreciam. Chamava muito mais a intenção o seu quadro "Conduzindo o rebanho". 

Neste quadro o assumpto está um tanto sacrificado ás dimensões da tela, e outro artista que não conhecesse a perspectiva como Silva Porto a sabe teria naufragado dentro dos estreitos limites em que a scena está disposta. 

Os outros quadros de Silva Porto "Levada de T?rrio", "Caminho da Egreja", "Moinhos do Arquinho", "Caminho de Perre", "Manhã" e "Na eira", são pequenas telas, em que se reconhece o pulso do mestre n'um ou outro pormenor, e que vem ali de parceria com os seus discipulos para os animar e como que para lhes dizer que nem só com os grandes quadros se afirmam os grandes artistas.

Veloso Salgado

Pela grandeza da tela, nenhuma outra, n'esta exposição, se impõe como a de "Jesus", quadro de Salgado. Tela, tela que nunca acaba, e que bem repartidinha poderia dar alguns pares de quadros mais apreciaveis do sr. Salgado.

Outros quadros apresenta o sr. Salgado, que justificam plenamente as esperanças que havia no seu talento, e dentre estes destacaremos o retrato do sr. Wenceslau de Lima; magistralmente pintado, e desenhado com una firmeza pouco vulgar. 

Wenceslau de Lima por Veloso Salgado.
Imagem: FCUP (fundo antigo)

Apenas notaremos qué o olhar do retrato é vago, o que sempre faz perder muito do efeito de um retrato, e não quadra a este o qüe vulgarmente se costuma dizer: parece que está a olhar para a gente. (1)

José Malhoa

Dissemos que o sr. Malhôa "prefere um colorido mais convencional e, portanto, menos verdadeiro" e de facto os quadros d'este pintor destacam-se vesivelmente do resto da exposição, por um tom mixto de vermelho e de azul que dá uma velatura violada quente, um tanto agradavel á vista, mas extremamente falso em relação á natureza.

Ao toque das trindades, José Malhoa, 1893.
Imagem: Nuno Saldanha, José Vital Branco Malhoa

Assim se observa nos seus quadros "O toque das Trindades" e "Os curiosos" a par de alguma incorrecção no desenho, incorrecção que avulta mais neste ultimo quadro, se procurarmos descobrir o nú da figura que se debruça sobre o muro do quintal. Ha ali um pe que não pertence á perna que se esconde debaixo da saia e joelha sobre o assento do muro. 

Os curiosos, José Malhoa, 1892.
Imagem: O Coelho a ver passar o combóio...

No quadro "A missa das seis" domina mais o tom azulado, frio, o que até certo ponto se justifica pela hora, mas o pintor abusou um pouco d'aquella, entuação, assim como da concorrencia á missa, dando-lhe pretexto para pintar uma "queue" como á porta de qualquer banco em dia de corrida. 

A Missa das Seis (Beira Baixa), José Malhoa, 1893.
Imagem: O Occidente N.º 519, 21 de maio de 1893

Muito pouco distincta aquella multidão que corre para o pobre ermiterio, confundindo-se em uma massa que tanto pode ser gente como outra qualquer coisa, o que não deixa de sentir-se mesmo na figura do pobre homem em moletas que fecha a "queue", cuja correcção do desenho não é irreprehensivel.

Os retratos apresentados pelo sr. Malhôa n'esta exposição não nos agradaram tanto como os de outras exposições.

João Vaz

Um outro artista se apresenta n'esta exposição com uma respeitaval porção de quadros, nada menos de treze, numero fatidico para os supresticiosos de enguiços, é o sr. João Vaz, nome bem conhecido no nosso meio atistico e que desde as primeiras exposições do Grupo do Leão concorre a estes certamens com as suas marinhas do Sado.

É justamante por esta razão que as suas marinhas do Sado começam a fatigar o publico, porque, emfim apesar de todas as bellezas do Sado as marinhas do dito é que não podem já com tantas bellezas, e principiam a tornar-se monotonas, ao mesmo tempo que a tinta vae faltando n'um grande desconsolo de fadiga e aborrecimento por só pintar as taes bellezas.

Sr. Vaz, deixe o Sado em paz. Pinte outros motivos nas suas telas e reparta com as pobresinhas mais algumas migalhas de tinta e verá, que o seu talento ainda dá para mais alguma coisa que as querenas no Sado, que o desembarque do peixe no dito, que os patachos á carga no sobredito, e as praias, e as vesperas dos temporaes (era muito mais bonito o temporal desfeito), as baixa-mares, os estaleiros, que sei eu, que ha um bom par de annos anda a esgotar as bellezas do Sado e a paciencia dos admiradores dos seus quadros, quadros alguns, em verdade, de merecimento e que revelam aptidão para obras de mais valia, que estamos certos apresentará na futura exposição. (2)

Adolfo Rodrigues

Veem-se n'esta exposição uns cinco quadros de um artista novo, um discípulo da Academia de Bellas-Artes de Lisboa, o sr. Adolpho Rodrigues, que despertam certo interesse, principalmente dois d'elles, "Hero e Leandro" e "Esperando o peixe".

O primeiro destes quadros é o do concurso da Academia, que premiou o seu auctor com a medalha de prata, recompensa bem merecida, porque este quadro tem qualidades pouco vulgares, e se a sua entoação é um pouco convencional, nem por isso nos desagrada pela grande harmonia que tem a par de uma correcçao de desenho irreprehensivel, sendo o nu muito bem pintado, embora o seu tom cadaverico repugne um tanto á vista.

Mas d'isto não tem culpa o pintor, desde que o ponto do seu concurso lhe destinou reproduzir a historia d'aquelles infelizes amantes, na situação em que o Hellesponto arroja á praia o corpo do apaixonado mancebo de Abydos, afogado ao atravessar aquelle rio para vir encontrar-se com a sua querida Hero, a qual morre ali de dôr junto do cadaver do seu amante.

Hero e Leandro, Adolfo Rodrigues, c. 1892.
Imagem: O Occidente N.º 524, 11 de julho de 1893

É uma scena triste que não pode alegrar nos nem os olhos nem o coraçao, mas que nos alegra o espirito se ostentar-mos bem no modo porque o novel artista a interpretou e reproduziu na sua tela. É uma promessa este quadro, que oxalá não seja como tantas outras que ternos visto e que, infelizmente não tem passado alem, esterilisando-se ás vezes n'um desanimo antes mesmo da lucta.

Parece-nos que não succederá assim com o sr. Rodrigues, porque os quadros que apresenta, especialmente o segundo, que mencionámos "Esperando o peixe", sustenta bem os creditos adquiridos com o seu quadro do concurso. É de um efeito e assumpto inteiramente diferente do primeiro. Aqui affirma se mais o colorista; a correcção no desenho a mesma.

É talvez minucioso de mais em todos os promenores, salvando-se milagrosamente da dureza, pelo bem feito da pintura, de grande limpidez, conhecendo-se que está ali um miniaturista, se attentarmos na paciencia com que estão pintadas as florinhas dos lenços que as duas ovarinitas tem na cabeça, disputando primazias de nitidez ao proprio fabricante que os estampou.

Esperando o peixe, Adolfo Rodrigues, 1893.
Imagem: arquipélagos

No collorido observa-se ainda uma certa ingenuidade no novel pintor, nos valores das suas tintas, tratando mais de cada uma em especial do que da relação de umas com as outras. Mas se nos merecem reparo estas inexperiencias do artista, é porque, nos parece, valer a pena notal-as a quem tanto promette n'estes seus primeiros trabalhos. 

Os outros quadros são menos felizes, apezar de todo o acabamento.

Luciano Freire

Menos acabados são os quadros do sr. Luciano Freire, e, não obstante, resistem perfeitamente á critica pelo grande tom de verdade que possuem. Questão de temperamento, uma certa impaciencia de concluir a sua obra não o deixa assentar n'uns pequenos nadas que ás vezes prejudicam o todo.

É. o que notamos, por exemplo, no seu quadro "A venda do leite", uma tela cheia de verdade, de observação, bem desenhadas as vaccas e o vaqueiro, certo no tom, mas um tanto descurado no plano do fundo do quadro.

A venda do leite, Luciano Freire, c. 1892.
Imagem: O Occidente N.º 520, 1 de junho de 1893

Este artista já muito conhecido do publico pelos seus quadros historicos, de genero e de paizagem, alguns d'elles premiados, e todos vendidos, incluindo o seu quadro "D. Sebastião", adquirido pela câmara municipal de Lisboa, tem afirmado, nas ultimas exposições, notavel tendencia para um genero de pintura que poucos cultivam com distincção, e é apintura de amimaes, essa especialidade tão difficil de que raros pintores triumpham.

A prova d'isto é, alem de outros quadros do mesmo genero que tem exposto, o que apresentou agora, "A venda do leite".

Não se consegue dominar este genero sem uma natural disposição, secundada por grande estudo e trabalho, e o sr. Freire tem sido um luctador para triumphar de todas as dificuldades que se atravessam na carreira de um artista.

Mencionemos ainda um pequeno quadro d'este artista, "Um deita gatos", quadro cheio de observação, que desenha um d'esses typos importados dá Galliza, que hoje infestam Lisboa, concertando e partindo loiça, a troco de quaesquer vintens ou até de uma codea de pão, porque, o principal fim d'esses pobres artifices é matarem a fome, apesar das suas caras redondas, de certa apparencia sadia.


António Baeta 

Em paisagem, marinhas e figura, apresenta o sr. Baeta [António Francisco Baeta] cinco quadros apreciaveis. O sr. Baeta, um artista muito consciencioso, desenha com a elegancia de um decorador, muito cuidadoso no acabamento dos seus quadros, sem dureza e procurando bem a nota certa do tom.

A sua paisagem "Portello da Quinta Real de Queluz" é um motivo bem escolhido de que tem pintado varios quadros, pois já não é a primeira vez que o vimos em exposições. 

A "Praia do Caramujo", é bem pintado, ainda que não sympatisamos demasiadamente com o tom do quadro, em que encontramos uma certa secura.

A "Cabeça de velho" é muito bem pintada e reproduz admiravelmente o modelo que conhecemos. E' o velho Cõrvo que depois de ter feito a sua peregrinação por Lisboa destribuindo folhas de romances e jornaes, faz agora a sua peregrinação pélos ateliers distribuindo-se a si mesmo como um bello modelo de velho que os estudantes e artistas vão aproveitando com vantagem. 

Conceição Silva

É assim que vemos a cabeça do velho"Côrvo" reproduzida em varios quadros da exposição e já o podemos admirar no bello quadro "S. Jeronymo", do concurso do sr. Silva, o anno passado. E por tal signal, que este quadro era muito superior ao que o sr. Silva este anno expõe e que se intitula: "Na praça da Figueira".

Quem o anno passado apresentou o "S. Jeronymo" não era de esperar incorrecta este anno apresentasse uma collareja tão incorrecta nas formas e no desolado tom, incorrecção que não seria para estranhar no gesto e lingua da vendedeira descompondo o freguez que não chegue ao preço das suas laranjas, mas que não se justifica no phisico porque algumas d'estas collarejas não são nada mas de formas. (3)

José de Brito

Principiamos hoje pela apreciação de um quadro de que O Occidente publica a reprodueção em gravura, e que tem por titulo "Où es-tu Lili?" do sr. José de Brito, estudante em Paris.

Où es-tu Lili?, José de Brito, 1890.
Imagem: O Occidente N.º 524, 11 de julho de 1893

Um artista novo, pelo menos para nós, mas que disperta a attenção dos visitantes com este seu quadro de costumes da Bretanha que tambem um quadro de genero, especialidade pouco cultivada pelos nossos artistas, porque, emfim, sempre é um pouco mais difficil, que encher telas com paisagens banaes ou pintar panellas, cebolas e folhas de couve, como se vê n'esta exposição em sufficiente quantidade.

Effeclivamenie na exposição escasseiam os quadros de genero e entre os poucos que apparecem, alguns melhor feira que os deixassem no atelier. Este quadro do sr. Brito recommenda se principalmente por uma entoação extremamente suave, mesmo fria como o ar do paiz em que foi pintado, mas sem velatura.

A harmonia e completa e o desenho correcto, e só notamos que as figuras são um tanto grandes para o quadro e a perspectiva forçada. Apesar d'estes ligeiros defeitos as qualidades são superiores a elles e o quadro distingue-se vantajosamente tendo merecido uma 3.ª medalha, e sendo adquirido por Sua Magestade El-rei D. Carlos.

O sr. José de Brito apresenta ainda um retrato muito bem pintado, mas de que não podemos avaliar a parecenca.

João Carlos Galhardo

Um outro quadro "Carrada de pedra", que teve mensáo honrosa, é do sr. João Carlos Galhardo. Expõe ainda mais dois quadros o sr. Galhardo — "Rio de Lavadeiras" e "De manhã", mas o que fixámos mais detidamente foi o primeiro.

Ha n'este quadro qualidades de côr apreciaveis e que revelam boa interpretação do natural, fazendo esperar do sr. Galhardo, que é ainda um estudante, um pintor animalista quo reproduza nas suas télas essas scenas do campo com verdade, mas um pouco mais poeticas que as prosaicas carradas de pedra.

Antonio José da Costa

O sr. Antonio José da Costa, artista portuense, expõe oito quadros de paisagem que têem qualidades de côr atraiçoadas por incorrecções de desenho, que revelam pouca solidez no estudo d'este artista.

Console-se, porém, o sr. Costa com os muitos companheiros que tem, pois infelizmente não está só na exposição pela errada idéa de alguns que pensam poderem pintar sem desenfiarem sufficientemente. 

Até nos faz lembrar aquelle dito de um abalizado político, que ao visitar o atelier de um esculpiras e depois de ter visto as differentes esculpturas em que o artista trabalhava, perguntou:

— E para fazer estas obras é preciso saber desenho?

Arthur Vieira de Mello

São variados os quadros do sr. Arthur Vieira de Mello que cultiva varias especialidades desde o animalista ao retratista, desde as flôres até aos quadros de genero.

Se intentarmos nos seus carneirinhos do quadro "O Predilecto", temos e mais estranha impressão, por nos parecerem os pobres caprinos cozidos ou pelo menos escaldados, não tendo escapado do desastre nem o proprio predilecto, que o pastorsito afaga em seus braços com um amor que parece ter sido desprezado pela cachopa a que elle arrastava a aza, se é que é dado a essas inclinações naturaes.

O que diremos do quadro — "A mãe doente"? — Uma grande desgraça que vae n'aquella casa, porque, além da mãe estar doente, a filha, que dorme encostada á chaminé, tambem não deve ter muita saude, pois está sendo assada em vida, ao lume da fornalha que lhe serve de almofada. Da composição e perspectiva do quadro não fallemos para não insistirmos em coisas tristes.

Por esta mesma razão não fallaremos do quadro — "Adormecido", — em que ficamos admirados do prodigioso equilibrio que o rapazito faz para nao cahir d'aquelle plano inclinado em que o pintor o pós com o banco em que se senta e a mesa a que se encosta.

E além d'estes quadros, em que o artista parece ter posto os seus melhores cuidados, os outros são umas pequenas telas, mais modestas, mas em que se affirmam mais qualidades como no quadro — "Primeiro ninho".

Thomaz de Mello Junior

Proximo cucou tramosum quadro do sr. Thomaz de Mello Junior, Praia de Cas-eaes que é bem pintado, e d'este artista mais outros quadros de marinhas com. poem a sua exposição. To-dos menos felizes que o primeiro não deixam ainda assim de ter qualidades de boa escola. Do sr. Hygino Mendonça notamos dois quadros —Paisagem e Encosta de Pa-ço d• Anos. O primeiro é um estudo, e como tal se acceita. O segundo é pre-judicado por um excesso de amare% que se impõe des-esperadamente.

Isaías Newton

O Sado já muito sufficientemente explorado pela pintura encontrou agora um outro artista-a devassar-lhe as bellezas.

É o sr. Isaías Newton, um artista da velha guarda que se destaca fortemente da pintura moderna, mas que tem afeitos de perspectiva acrea como poucos. 

Tres quadros apresenta n'esta exposicão todos de motivos do Sado: "Setubal", "Castelo de S. Filippe", e "Rio Sado". 

Marques de Oliveira

Os nossos apontamentos indicam-as agora os quadros do sr. Marques d'Oliveira, professor na Academia Portuense de Bellas-Artes. 

Os quadros d'este artista destacam-se principalmente pelo tom frio com que vê tudo, quer nos apresente e paisagem como no seu quadro — "Pensativa", quer seja um interior como o seu quadro — "O tear". 

Irreprehensivel na correcção do desenho a sua pintura é pouco brilhante, é mesmo triste, não realisando bem a intenção das suas figuras, onde falta sentimento, como a "Pensativa", uma rapariga fiando linho no meio de um campo verde deslavado. Se o auctor não lhe chamasse "Pensativa" ninguem veria mais que uma fiandeira authomatica.

"O tear" participa das mesmas qualidades e dos mesmos defeitos. As mulheres não fazem nada. Pararam de trabalhar, mas quedaram-se na attitude, de forma que a scena não tem movimento, expressão.

Tudo muito correcto, o que já é bastante, mas sem vida, o que é pena. Questão de temperamento, contra o que a critica nada tem a oppôr, desde que a obra é correcta como todos os quadros que conhecemos d'este distincto professor. (5)

Josepha Greno

A sr.ª D. Josepha Garcia Greno é uma artista festejada, muito conhecida pelos seus bellos quadros de flôres, e se as suas paisagens que este anno expõe se podessem medir com as flores que sabe pintar, teria augmentado consideravelmente os seus creditos de pintora.

Infelizmente não acontece assim e os seus quadros de paizagem deixam tanto a desejar como os seus quadros de flores satisfazem perfeitamente.

Flôres, illustre artista, é que deve pintar; estas agradecem-lhe muito mais os seus cuidados, dando-lhe mais triumphos como os que tem tido em outras exposições, onde as suas flores tem sido devidamente apreciadas, ainda que n'esta não foi tão feliz, talvez porque descurasse um pouco os seus "Lilazes", "Malvaiscos e Rozas" preoccupada com as "Margens do Agueda" e as "Margens do Vouga" que afinal a não compensaram condignamente.

De todos os quadros o que mais nos agradou foi o "Rosas e malmequeres". (5).

[Outros expositores 
Adelaide Christina Camacho, discipula de Moura Gyrão: "Bric-á-brac"; Fanny Munró: "Estudo do mar (Estoril)"; Antonio Ezequiel Pereira, Silva Porto: "Logar de fornos de cal", "Inverno";  Arthur Prat: "Uma onda", "Pensando n'elle";  José Queiroz: "Pateo no Alemtejo",  "Panella de Folha" etc.]

Ernesto Condeixa

Occupemo nos agora das obras que o sr. Ernesto Condeixa apresenta n'esta exposição. São cinco os quadros que o sr. Condeixa expõe principiando pelo seu retrato, de um desenho e pintura bastante atormentado.


"O rio das Pontainhas", uma paizagem de Caneças já em tempo explorada pelo fenecido pintor Annunciação, é um quadro de vivo colorido á luz de pleno sol, que á primeira vista nos deslumbra, mas que analysado friamente se reconhecem algumas incorrecções na perspectiva, como a falta de relação prespectiva que ha entre as figuras do primeiro plano e os do ultimo, além do ponto de vista da paizagem ser bastante desfeitoravel para o bom effeito do quadro.

Ainda assim este quadro é bem melhor que os seus dois quadros "Jogando o diabrete" e "Uma tarefa", que á primeira vista duvidámos serem do sr. Condeixa, tal foi a deploravel impressão que nos fizeram.

As duas crianças que jogam o diabrete são de um desenho que deixa muito a desejar. Sem Intenção, sem vida, sem expressão, mal se ajeitando as figuras com os accessorios, todos em guerra com a prespectiva, estes quadros foram necessariamente pintados em hora infeliz, se attendermos a que o sr. Condeixa tem apresentado obras de merecimento real.

O melhor quadro que o sr. Condeixa expõe, no nosso entender, é "As Fonlainhas ao cahir da tarde". Achamos o tom muito justo realisando bem o effeito de luz, o que nos faz preferir os seus quadros de paisagem aos seus quadros de genero.

João Dantas

Apparece n'esta exposição um artista que melhor podemos considerar um amador, pela raridade com que vem a publico com as suas obras. É o sr. João Dantas, pintor de marinhas muito consciencioso e que nos poucos quadros que lhe conhecemos, em todos afirma estudo sério no rigorismo com que desenha as suas composições de navios.

O quadro que expõe é dos maiores que se vèem na exposição e representa uma reconstrucção historica de alto valor para os fastos da mari-nha portegueza como foi a "Batalha do Cabo Matapan".

A batalha do Cabo Matapan, João Dantas, c. 1892.
Imagem: Museu de Marinha

Mesmo lá fóra onde ha tantos artistas pintores de superior merecimento, são raros os quadros d'este genero que apparecem nas exposições, e por isso mais razões temos para applaudir o que apparece agora no nosso pequeno meio artístico.

Este quadro foi premiado com uma 3.ª medalha e adquirido por Sua Magestante El-Rei D. Carlos. Assim devia ser para estimulo de novos emprehendimentos, tanto mais em Portugal. cuja historia tanto abunda em factos gloriosos da sua marinha. (6)

António Ramalho

Ainda mais algumas palavras para concluirmos esta nossa notticia sobre a exposição do Gremio Artistico, e vamos a aviar antes que a 4.ª exposição se abra com a volta das andorinhas, que não vem longe, e a primavera florida com as suas cores brilhantes como "As flôres" quadro do sr. Antonio Ramalho que contemplamos agora.

No seu quadro "Serão", de um colorido brilhante e de bem achado etfeito de luz, poderemos notar cambem a ausencia de belleza naqueles rostos femeninos, talvez demasiado realistas pela trivialidade, o que não impede de apreciarmos o quadro como um dos melhores, senão o melhor de genero que se vê na exposição.

O serão, António Ramalho, 1892.
Imagem: Alexandra Reis Gomes Markl, António Ramalho, Pintores Portugueses, Lisboa, Edições Inapa, 2004

É tambem superiormente pintado e desenhado o seu quadro "Estudante". Uma bella cabeça que retrata um escriptor conhecido e que está fielmente reproduzida pelo pintor, com a vida e sentimento que faz o desespero da mechanica photographia.

Expõe ainda o sr. Ramalho mais alguns retratos de senhoras, de homens e de crianças, todos de boa factura, mas de que não podemos avaliar a semilhança por não conhecermos os originaes.

Ainda mais um quadro "Praia da Boa Nova", que nos pareceu fraco, recordando-nos de outros quadros d'este genero do sr. Ramalho muito melhores.

Praia da Boa Nova, António Ramalho, 1892.
Imagem: do Porto e não só...

Marques Guimarães

E, em retratos não deixaremos de notar um pintado pelo sr. Marques Guimarães, professor da Academia Portuense de Belas Artes e que o expõe com o titulo "Retrato de minha mãe". É de uma grande tranquilidade de tintas e suavidade de tons este belo retrato, que nos faz lembrar os. belos retratos de Coelho o celebre pintor portuguez do seculo XVI.

O sr. Marques Guimarães foi muito mais feliz neste retrato do que nos seus quadros "Campo 24 de Agosto" e "Feras portuguesas". A pobreza do assumpto e a frieza da céu, fazem lamenter que o ilustre professor empregasse tão mal o seu tempo em coisas tão vulgares, que não conseguiu salvar da banalidade.

Almeida e Silva

Mas se o sr. Marques Guimarães se ocupou com estes modestos assuntos, tendo folgo para mais arrojadas obras. não faltou arrojo ao sr. Almeida e Silva [v. Catálogo da Coleção de José de Almeida e Silva, Museu de Grão Vasco], ex-alumno da Academia Portuense de Belas Artes, para se abalançar a pintar uma "Mater Dolorosa", que effectivamente faz dó vel-a tão rebaixada á triste condição de uma cosinheira a que se lhe queimou o refogado.

Não valeu á Virgem toda a poesia da lenda que a envolve, para ser assim tratada tão prosaicamente. Que a Virgem como mãe de misericordia, lhe perdoo-o amimando, pela ingenuidade da intenção com que foi commettido, porque, em fim, é de supor que alli não houvesse maldade.

E se fossemos a desfiar os quadros que o sr. Almeida e Silva mandou a esta exposição, teriamos de quebrar o proposito que fizemos no principio d'esta noticia, de que deixariamos em silencio as obras que seus auctores fora melhor não terem exposto a publico.

Pouco mais temos a dizer da exposição de pintura.

Emília Santos Braga

Não terminaremos, porém. sem notarmos os quadros de uma senhora, discipula do sr. Malhoa, que se distingue muito vantajosamente entre o grande numero de amadores e estudantes de pintura que concorreram a esta exposição. E' a ex.ª sr.ª D. Emilia Santos Braga que expõe quatro quadros intuindo um "Estudo".

"Affinando" é um dos quadros que mais sc distingue; pintado com largueza e certa correcção, é sobrio de cores, sem fraqueza nem monotonia. Menos empastado de tinta seria talvez mais limpido no tom que é um tudo nada sujo.

Este abuso de tinta assentua-se mais ainda no seu quadro "Margarida", em que pertende á força de tinta conseguir uns reflexos de setim branco ou coisa parecida na vestido da sua "Margarida", e o que notamos no setim do vestido notamos tambem no setim da pele, que não alcança a finura d'aquelle typo ideal que a auctora quis criar na sua tela.

O seu quadro "Boas Novas" resgata-se um pouco do defeito qne acabamos de apontar, porque é muito mais fresco nas carnações, muito menos maceradas, sendo o tom geral do quadro de grande harmonia. (7)

oooOooo

Abrindo o catalogo da exposição encontramos, em primeiro logar os nomes de Suas Magestades El-rei D. Carlos e D. Maria Amelia, como auctores de tres obras que expõem com o mais louvavel proposito de honrarem a exposição e animarem a arte nacional.

É uma fineza para agradecer e que mostra o grande interesse que os monarchas tornam pela arte. Um esboço a pastel, de um "Combate naval" e uma "Paizagem do Ribatejo", tambem a pastel, são os quadros de El-rei, despertenciosamente feitos, nalgumas horas d'ocio, bem aproveitadas cultivando a arte.

Uma pequena tela, "Pescador" [v. O Occidente N.º 516, 21 de abril de 1893], é o quadro com que a Rainha a Senhora D. Maria Amelia honra a exposição. Deste quadro e da "Paizagem do Ribatejo" [v. O Occidente N.º 516, 21 de abril de 1893] esperamos publicar as reproduções em gravura, dum dos próximos n.os d'O Occidente, pondo assim ante os olhos dos nossos leitores estas duas obras d'arte a que basta o prestigio dos nomes que as firmam. (8)


(1) O Occidente N.º 517, 1 de maio de 1893
(2) O Occidente N.º 519, 21 de maio de 1893
(3) O Occidente N.º 520, 1 de junho de 1893
(4) O Occidente N.º 524, 11 de julho de 1893
(5) O Occidente N.º 526, 1 de agosto de 1893
(6) O Occidente N.º 527, 11 de agosto de 1893
(7) O Occidente N.º 530, 11 de setembro de 1893
(8) O Occidente N.º 515, 11 de abril de 1893

Leitura relacionada:
O Coelho a ver passar o combóio...

Leitura adicional:
Ribeiro Arthur, Arte e artistas contemporaneos (I), 1896
Zacharias d'Aça, Lisboa moderna, Lisboa, Viuva Tavares Cardoso, 1907
Nuno Saldanha, José Vital Branco MALHOA (1855-1933): o pintor, o mestre e a obra
M. A. O. Costa Mendes, O pintor Marques de Oliveira (1853-1927), Lisboa, ACD, 2015

Temas: Pintura, Grupo do Leão

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