domingo, 15 de maio de 2016

Iconografia de Lisboa (2.ª parte)

Desde que se começaram a desenhar e a publicar vistas panorâmicas de Lisboa, e até ao terremoto de 1755, a cidade manteve um aspecto estacionário, e essas vistas foram tomadas quase todas do Tejo, isto é, do sul para o norte, supondo o observador colocado ora num banco fundeado no Tejo, perspectiva rasante, ora num ponto alto acima do rio, perspectiva aérea ou "vôo de pássaro".

Lisboa, iluminura do frontispício da primeira parte da Crónica de D. João I, Fernão Lopes, 1513 (?).
Imagem: A Iluminura

As primeiras tiveram manifestamente por base ou original as iluminuras em pergaminho já citadas, dos princípios do século XVI, ou qualquer desenho ou quadro, que se perdeu ou se desconhece.

Lisboa vista rasante, desenho aguarelado de Simão de Miranda (de Távora), 14 de Maio de 1575.
Imagem: Lisboa do século XVII "a mais deliciosa terra do mundo"

Como o ponto de vista fica situado um pouco acima do Tejo, não é fácil distinguir as ruas, mas somente o Rossio e o Terreiro do Paço, no meio da aglomeração de casas e dos edifícios principais da cidade ali representados, e que é possível identificar com segurança.

As segundas vistas, em perspectiva aérea, foram evidentemente compostas originalmente sobre uma planta topográfica da cidade, que se desconhece, e nelas acham-se figurados os edifícios em perspectiva nas ruas e praças da cidade, facilmente identificáveis.

Teve porém necessidade o desenhador, para esse efeito, de deformar consideravelmente a planta, a fim de poder mostrar visíveis vias publicas e edifícios, que, para o observador, estavam inicialmente ocultos pelas dobras do terreno. Não pode, contudo, deixar de reconhecer-se que o seu primeiro autor era um esplêndido artista.

Não existe, anteriormente aos fins do século XVIII, vista alguma panorâmica de Lisboa tomada, nem do Castelo de S. Jorge, que tanto atrai hoje os amadores fotográficos, nem do sitio de S. Pedro de Alcântara ou do monte de S. Francisco, que são também pontos de observação muitíssimo pitorescos, nem de qualquer outro sitio donde então se podiam disfrutar as belezas panorâmicas da capital.

As duas vistas publicadas mais antigas que se conhecem, dos dois tipos mencionados, foram gravadas em cobre, na obra que o colonense Jorge Bráunio [Georgio Braúnio Agrippinate], primeiro só, e depois associado com outros, editou em latim e noutras línguas com as vistas e descrições das cidades do mundo, em 6 volumes, publicados de 1572 a 1618, tendo os primeiros sido reimpressos varias vezes.

A vista rasante "Lisbona" foi publicada no 1.° volume da obra, o qual tem por título "Civitates orbis Terrarum — Liber primvs — Georgivs Braun Agrippinensis MDLXXII", e à estampa de Lisboa, que é a 1.a do album, deve atribuir-se portanto a data 1572.

Lisboa, Civitates Orbis Terrarum, Georg Braun [Georgio Braúnio], Frans Hogenberg, 1572.
Imagem: Prosimetron

A vista em perspectiva aérea, Olissippo aparece no 5.° volume da mesma obra, que tem por título "Vrbivm praecipvarvm mundi theatrvm qvintvm — auctore Georgio Braunio, Agrippinate".

Lisboa, Vrbivm praecipvarvm mundi theatrvm qvintvm Georg Braun  [Georgio Braúnio Agrippinate], Franz Hogenberg, 1598.
Imagem: Wikipedia

A esta vista, que é a 2.ª do livro, deve atribuir-se a data 1598 em que, segundo consta, este volume foi pela primeira vez publicado.

É possível que a planta topográfica da cidade sobre que esta vista foi delineada, como dissemos, tivesse sido levantada pelos emissários de Bráunio, que aqui teriam vindo, como a outras terras, encarregados da missão especial de coligirem os elementos topográficos das povoações e as vistas dos edifícios, e de os combinarem para obterem os efeitos perspcctivos que procuravam alcançar.

O facto é que o desaparecimento ou desconhecimento de tal planta original do século XVI, faz com que' se atribua a prioridade das plantas de Lisboa à "Planta Topographica da Cidade de Lisboa", levantada em 1650 pelo arquitecto João Nunes Tinoco, cujo paradeiro também se desconhece, mas de que existem cópias litografadas, mandadas tirar em 1853 e em 1884 pelo general Eusébio C. Cordeiro Pinheiro Furtado, que foi um dos seus possuidores no meados do século passado [XX].

Planta da Cidade de Lisboa, João Nunes Tinoco, 1650 (litogafia de 1853).
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Além dos dois tipos de vistas panorâmicas rasantes e em perspectiva aérea, originais de Jorge Bráunio, como mencionámos, um outro tipo, derivado do rasante, foi fantasiado por um gravador francês Antoine Aveline (1681-1743), no qual os montes das Chagas e de Santa Catarina se acham separados, com a forma de dois montículos piramidais, e onde se vê uma larga rua com dois lanços angulares, morrendo no Tejo, e ladeada por muros de suporte que nunca existiram.

Lisbone, Ville capitale du Royaume du Portugal... Pierre Aveline (1656-1722) entre 1680 e 1720.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Por ter servido de original para várias vistas panorâmicas, por sinal bastante incorrectas, que em Lisboa se publicaram durante século XIX, mencionaremos uma vista perspectiva rasante da cidade, gravada em 1756 por Friedrich Schönemann, que, conquanto com data posterior ao terremoto, representa, de maneira fantasiosa, uma nova variante dos panoramas da cidade anteriores àquele cataclismo.

Lisbone, Ville capitale du Royaume du Portugal... François-Philippe Charpentier (1734-1817),
baseada em gravura precedente de Pierre Aveline (1656-1722).

Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Poucos anos depois do aparecimento do 5.º volume da obra de Jorge Bráunio, acima mencionada, foi publicada em 1578, cm Basileia, uma "Cosmographey", por Seb. Munster [Sebastian Münster], em que aparece pela primeira vez uma vista rasante da cidade, gravada em madeira.

Lisbona, Cosmographia, Sebastian Münster, 1544.
Imagem: AVM

É esta a única vista de Lisboa que, com tal particularidade, sabemos haver sido publicada até ao terremoto de 1755.

Todas as restantes estampas panorâmicas de Lisboa, e de seus edifícios, publicadas até aos fins do século XVIII são gravadas em cobre, a buril ou a água-forte, ou também na sua variante de água-tinta, estas nos fins daquele século. (1)


(1) Vieira da Siva, Augusto, Iconografia de Lisboa, Revista Municipal n.° 32, Câmara Municipal de Lisboa, 1947

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Leitura adicional:
Lisboa do século XVII "a mais deliciosa terra do mundo"

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