quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Galeria de aclamação do rei D. Joao VI

Quando chegou ao Brasil, em 1808, d. João era príncipe regente, título que ostentava de fato desde 1792 e de direito desde 1799, em virtude do impedimento de sua mãe por problemas de saúde. Entre 1808 e 1818, o Brasil passara de colônia a Reino Unido de Portugal, elevado em 1815; a guerra que tomou a Europa e causou a vinda da família real paraa América havia acabado; em 1816 a rainha morreu e o príncipe d. João tornou-se d. João VI. Em 1817, sua autoridade real foi desafiada pelos patriotas pernambucanos e por militares liderados por Gomes Freire Andrade em Portugal.

Vista exterior da galeria de aclamação do rei D. Joao VI em 6 de fevereiro de 1818
(Rio de Janeiro)
Jean-Baptiste Debret (1768-1848)
Wikipédia

Não é fácil compreender como todos esses acontecimentos, e as pressões que d. João passou a sofrer desde 1812 para que voltasse a Portugal combinaram-se para retardar a cerimônia de aclamação que, conforme o uso antigo, disse o próprio rei no decreto, sempre se realizava em momentos de transferência de poder da monarquia.

... escudo Real Portuguez,
inscrito na dita Esféra Armillar de Ouro em campo azul, com uma Corôa sobreposta...
Carta de Lei, pela qual Vossa Magestade Ha por bem dar Armas ao seu Reino do Brasil

Tampouco é claro como, e por quê, depois de tanto tempo, d. João decidiu-se por uma festa tão grandiosa e cara para um temperamento sempre referido como discreto e introspectivo e para uma monarquia considerada das mais pobres da Europa... (1)

O Paço transformou-se em uma praça imperial, na qual Montigny ergueu um templo de Minerva, que além da estátua da deusa abrigava outra de d. João VI, e um arco do triunfo foi desenhado por Debret e projetado por Taunay. Cada lado do arco continha colunas da ordem coríntia com estátuas de Minerva e Ceres, representando a sabedoria e a prudência do rei, além da fartura da terra.

No arco estava encenado, à direita, o desembarque do rei, amparado pela América e recebendo as chaves da cidade. À esquerda, o soberano recebia as homenagens das Artes e Comércio, em reconhecimento pelos favorecimentos de d. João, intitulado Libertador do Comércio, no friso que encimava as armas do Reino Unido no centro do arco, gravado com J.VI.

No meio da praça, um obelisco de mais de cem palmos de altura e “à imitação das agulhetas do Egito” que “fingia ser de granito”... (2)


(1) Jacqueline Hermann, O rei da América...
(2) Idem

Artigos relacionados:
Museu da Restauração
Galeria de aclamação da rainha D. Maria I

domingo, 5 de outubro de 2025

Galeria de aclamação da rainha D. Maria I

Quando chegámos ao Terreiro do Paço já nele se comprimia uma multidão de gente das mais variadas condições, não só de Lisboa e arredores, mas vinda de terras mui distantes para presenciar a grande solenidade da Aclamação e as festas que se vão seguir. Quatro regimentos de infantaria se formaram em batalha, na dita real praça, fazendo frente para a varanda.

Cerimónia de Aclamação da rainha D. Maria I em 13 de maio de 1777
(Lisboa)
Joaquim Carneiro da Silva (1727-1818)
Wikipédia

Esta, onde teve lugar a cerimónia, é uma obra magnificente, erguida onde eram os antigos Paços da Ribeira. Delineou o seu risco felicíssimo o sargento-mor Mateus Vicente de Oliveira e compõe-se duma galeria com vinte e oito arcos, rematada ao norte e sul por dois corpos de nobre arqui­tectura com escadarias repartidas em tabuleiros por onde se sobe para a Varanda. 

Mede esta galeria 473 palmos de comprido por 45 de largo e está adornada exteriormente com figuras alegóricas, trofeus, medalhões e festões de seda de soberbo efeito, e interiormente com sanefas de veludo carmesim franjadas a oiro, alcatifas de França de riquíssima qualidade e painéis no tecto de surpreendente pintura.

Ao fundo da galeria, o trono para Suas Majestades, ornado de seda e talha sobre-doirada, de tão primoroso artifício que não se torna possível descreve-lo. (1)


(1) Amador Patrício, Grandes Reportagens de outros tempos, Lisboa, E.N.P.,1938

Artigos relacionados:
Museu da Restauração
Galeria de aclamação do rei D. Joao VI

Leitura relacionada:
Maria Manuela Milheiro, Festa, Pompa e Ritual... aclamação de D. Maria I
Mónica R. M. R. Queiroz, O Arquitecto Mateus Vicente de Oliveira (1706-1785) uma práxis original na arquitectura portuguesa setecentista, 2013

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Efémeros e imaginários

José Caetano Cyriaco (1740?-1800?)

Vista do Terreiro do Paço da Praça do Comércio em Lisboa tirada de poente, idealmente figurada segundo o projecto de Carlos Mardel. O alçado oriental é dominado pelo torreão de planta quadrangular, junto ao rio, encimado por cúpula verde e zimbório. A meio do alçado norte, perspectivado, quatro imponentes colunas clássicas servem de pés-direitos ao arco de triunfo.

Desfile do Terreiro do Paço na Praça do Comércio, José Caetano Cyriaco, 1794(?)
Cortejo da entrada do embaixador conde de Fernán Núñez, por ocasião dos esponsais da Infanta D. Mariana Vitória com D. Gabriel de Bourbon em 11 de Abril de 1785*
Museu Nacional dos Coches/Raiz

Este, é coroado por dois corpos pétreos escalonados: no primeiro, destaca-se um frontão angular, e no segundo rasgam-se arcos de volta perfeita. Cinco estátuas de vulto perfeito interrompem a platibanda que unifica o conjunto arquitectónico.

A praça é dominada pela estátua equestre de D. José I, inaugurada em 1775, à frente da qual desfilam, no estuário do Tejo, inúmeras embarcações. Um cortejo de gala constituído por nove coches conduzidos por cocheiro e sota e puxados por duas parelhas, percorre a praça no sentido sul/norte.

O coche real, identificado pela coroa que o encima, é seguido pela Guarda real a cavalo, envergando librés verdes e vermelhas. Ao centro do terreiro, junto ao arco de triunfo, um pelotão aguarda a passagem do cortejo, ao qual assistem inúmeras personagens perfiladas em primeiro plano.

Com excepção do enquadramento arquitectónico, nesta composição predomina a mancha cromática sobre a linha de contorno, sendo aquela sugerida por pinceladas curtas e sobrepostas. Esta técnica, associada ao facto de o pintor trabalhar com pigmentos muito diluídos, confere à composição um aspecto fluido e "esfumado" que, de algum modo traduz a luminosidade tão características das zonas ribeirinhas da cidade... (1)


(1) Raiz

* Os dados referentes a esta imagem (na legenda) foram-nos gentilmente cedidos pela Professora Doutora Ana Maria S. A. Rodrigues (CHUL), que muito agradecemos. Foi capa de cartaz do Congresso Internacional Corte eDiplomacia na Pensínsula Ibérica (séculos XIII-XVIII), 13-14 Julho 2016, FLUL. Quanto à imagem, devemos um agradecimento à museóloga Graça Santa-Bárbara, do Museu Nacional dos Coches. Não podemos deixar de referir o facto, extraordinário, de a estátua de D. José I se apresentar, nesta pintura, quase junto ao rio, e não no sítio onde deveria estar, e onde ainda se conserva hoje em dia (...) 
cf. M. Rafaela Moreira, A iconografia olisiponense na pintura de autor no mercado de arte... 2016

Informação adicional:
Milton Pacheco, Ocupado para uma real festa. As festividades em torno dos matrimónios régios de 1785 oferecidas pelo embaixador extraordinário o VI conde de Fernán-Núñez no Palácio da Inquisição de Lisboa

Artigos relativos ao conde de conde de Fernán-Núñez:
Antigo surgidouro e Praia do Rastello
O naufrágio do San Pedro de Alcántara

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Antigo surgidouro e Praia do Rastello

A Torre de Belém (ou de S. Vicente em memória da chegada das relíquias deste Santo a Lisboa) ficou rodeada da água do Tejo pelas quatro faces, e entre ela e a margem do lado norte podiam navegar pequenas embarcações. Do lado sul formou-se um estrangulamento do rio, a que chamavam Barra do Rastello, entre a Torre de Belém, e a Torre Velha no Almaraz (nome da encosta que se eleva desde Cacilhas à Trataria)...

The Mouth of the River Tagus
Jean Pillement, óleo sobre tela, 1785
Art & the Country House

Podemos fazer uma ideia do que restava da Praia do Rastello 200 anos depois de concluída a Torre de Belém, examinando um quadro pintado em 1786 pelo francês Jean Pillement, quando nesse ano veio a Peniche ver o local onde, em 2 de Fevereiro do mesmo ano, naufragára o galeão espanhol "São Pedro de Alcântara" (v. artigo relacionado), que vinha do Callao (Perú) para Cadiz, com 470 pessoas a bordo, das quais pereceram 300... Esse quadro ofereceu o seu autor ao conde Fernán Núñez, que foi Embaixador de Espanha em Lisboa no reinado dc Carlos III, sucessor da coroa de Castela por morte de seu irmão, Fernando VI, em 1759.

Embocadura do Tejo
Jean Pillement, 1785
MIDAS Open Edition

O assoreamento, que com o decurso dos anos, ligou a Torre de Belém à terra firme, deve ter começado nos meados do século xviii, tanto a jusante, corno a montante, da face norte da Torre, porque o convento das dominicanas irlandesas no Bom Sucesso, a pouca distância da Torre, edificado em 1638 e concluído em 1638, era banhado pela água do Rio Tejo (v. artigo relacionado), assim como as muralhas dos terraços da casa, comprada por D. João V em 1745, onde viveu o último Duque de Loulé (D. Pedro), situada perto daquele convento. Do referido assoreamento resultou a formação da Praia do Bom Sucesso a leste da Torre, e a construção do forte do Bom Sucesso, a oeste... (1)

O lugar de Belém tinha em 1712 duzentos e dez "vizinhos" (moradores); e o bairro de Belém foi criado no reinado de D. José I, depois do terramoto de 1 de Novembro de 1755. Assim na Portaria de 29 de Julho de 1864 se diz que o Médico efectivo das "visitas de saúde" aos navios no Bom Sucesso, devia residir no Bairro de Belém. Este Bairro pertencia ao Concelho de Lisboa, donde foi desanexado e elevado a Concelho pelo Decreto de 11 de Setembro de 1852, e voltou a pertencer ao de Lisboa por Decreto de 22 de Julho de 1886, para se aumentar a área da cobrança do imposto de consumo, o qual foi abolido pelo artigo 69.° da Lei n.. 1.868 de 22 de Setembro de 1922... A freguesia de Santa Maria de Belém formou-se em 1834, (desanexada da de Ajuda) com sede na igreja dos Jerónimos.

Vista do Tejo e de Belém
Jean Pillement
MNAA/Palacio Nacional de Queluz

Da antiga Praia do Restello poucos vestígios restavam antes da rectificação (ou alinhamento) da margem direita do Tejo desde a Ribeira de Alcântara (transformada em Caneiro) até à Torre de Belém, porque grande porção dela foi incluída, talvez, em 1880, no largo em frente do templo dos Jerónimos, limitado ao norte por uma alameda arborizada com amoreiras (onde os rapazes das escolas iam colher folhas para alimentar bichos da seda), e ao sul por una muralha com duas rampas, o Cais dos Jerónimos. (2)


(1) Revista Municipal n° 53, 1952
(2) Idem

Informação relacionada:
O naufrágio do San Pedro de Alcántara
O Tejo de Jean-Baptiste Pillement
Praia do Bom Sucesso por Tony de Bergue
Typos e costumes populares
etc.

A view of Castle of Belem at the entrance of the Port of Lisbon
Alexandre Jean Noel, 1793
Museu de Lisboa

sábado, 20 de setembro de 2025

Alegoria da esperança

José Júlio de Souza Pinto (1856-1939)

Na Bretanha, a mulher, uma âncora por perto, a esperança. A jovem com os olhos cobertos, justiça, talvez.

Barco desaparecido, José Júlio de Souza Pinto, 1890 
MNAC

Na Póvoa, as ondas do oceano não me perseguem, se bem que os fascínios de outrora se tenham transformado em paixão.

A volta dos barcos, José Júlio de Souza Pinto, 1891.
Douta melancolia

E a arte, essa sim, não tem fim...


Tema:
Póvoa do Varzim

Mais informação:
Occidente n° 469, 1892
Octávio Lixa Filgueiras, O barco poveiro, Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, 1995
Carlos Carreto, Imaginários do mar, antologia crítica, 3
Francisco da Fonseca Benevides, Escola Industrial Pedro Nunes em Faro, Museu Industrial Maritimo, catalogo illustrado das collecções, 1891

Raul Brandão:
Raul Brandão, Os Pescadores, Paris, Ailland, 1923, 326 págs, 127,7 MB
Raul Brandão: Um percurso
Evocação de Raul Brandão (Vitorino Nemésio recorda a figura de Raul Brandão)
Inauguração do monumento a Raul Brandão

Archivo pittoresco:
Póvoa do Varzim n° 9, 1868 (I e II)
Póvoa do Varzim n° 22, 1868 (III e IV)
Póvoa do Varzim n° 22, 1868 (V e VI)
Póvoa do Varzim n° 25, 1868 (VII)
Póvoa do Varzim n° 29, 1868(VIII)
Póvoa do Varzim n° 30, 1868 (IX)
Póvoa do Varzim n° 33, 1868 (X)
Póvoa do Varzim n° 37, 1868 (XI)
Póvoa do Varzim n° 38, 1868 (XII e XIII)
Póvoa do Varzim n° 46, 1868 (XIV e XV)

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

A parada militar de 18 de dezembro de 1815

A Brilhante parada que hontem, por motivo do anniversario da nossa Augusta Soberana, fizerão as Tropas de Linha e Milicias desta Capital, ás quaes se veio reunir a nova Divisão dos Voluntarios Reaes do Principe, commandada em Chefe pelo Tenente General Carlos Frederico Lecor, apresentou ao numeroso concurso dos habitadores desta Cidade que a vêlla se apinhou, hum dos mais pomposos espectaculos pelo aceio e garbo marcial de todos os Corpos. 

Formatura dos Regimentos de Voluntários Reais do Comércio, no Rossio
Nicolas Delerive, 1815
Arquivo Municipal de Lisboa/
MNAA(?)

Entre os de linha se não podia facilmente designar a algum delles a palma da primazia; pois se notava em todos o particular esmero dos seus respectivos Chefes em apresentarem as tropas do seu commando dignas do sempre iliustre nome de Guerreiros Portuguezes. 

Ao vêr estes aguerridos Soldados, desperta vão-se em nossa imaginação as victorias que coroárão de louros os guerreiros Portuguezes no Douro, no Bussaco, em Albuera, em Ciudad-Rodrigo, em Badajoz, em Arapiles, em Victoria, nos Pyrenéos, em S. Sebastião, no Nivelle, Nive, e Adour, em Orthez, e nas margens do Ers e Garona, em toda a parte em fim onde na ultima gloriosa luta lhes foi preciso combater, devendo-lhes em grande parte Portugal a independencia, a Hespanha a liberdade, a França o paternal Governo dos Bourbons, a Inglaterra e o seu Grande Wellington trofeos e gloria immortal pela invencivel força com que, unidos os Portuguezes e Bretões debaixo do commando de Arthur, contrastáráo intrepidos os bellicosos Exercitos e os mais habeis Generaes do inimigo commum da Europa.

Entrárão pois successivamente as Tropas de Linha e Milicias na espaçosa Praça do Terreiro do Paço, e ruas immediatas, depois das 11 horas, e ficou reservada a Praça do Rocio para os quatro Batalhões de Caçadores, que formão as duas Brigadas do Corpo de Voluntarios Reaes do Principe, que perto do meio-dia entrarão e se formárão na dita Praça, attrahindo particular attenção dos espectadores a firmeza, continencia marcial, e alto grao de disciplina a que este Corpo tem sido elevado pelo seu illustre Commandante em Chefe, e pelos Brigadeiros Avellez, e Pizarro, que vinhão á frente das suas respectivas Brigadas.

Chegou pouco depois á Praça do Rocio o Illustrissimo e Excellentissimo Tenente General Francisco de Paula Leite, Governador das Armas desta Capital e Provincia, e cumprimentado o Illustrissimo e Excellentissimo Tenente General Lecor, feitas as continencias pela tropa, e passada revista aos quatro Batalhões, se encaminhárão ambos os Generaes ao Terreiro do Paço, d'onde voltárão a postar-se, com os seus luzidos Estados Maiores, (unindo-se-lhes o Illustrissimo e Excellentissimo Tenente General, d'Artilleria, José Antonio da Rosa), junto do Portão do Palacio do Governo. 

– Tinha dado o Castello de S. Jorge e as Fortalezas a costumada salva ao meio-dia; e á huma hora em ponto começarão no Terreiro do Paço as tropas as descargas, principiando cada huma das tres pelos Parques de Artilheria, seguida immediatamente em toda a linha da Infanteria.

Acabadas as descargas passarão os Generaes Leite e Lecor ao meio da Praça, onde o primeiro entoou por tres vezes o Viva á nossa Augusta Soberana " a que em toda a linha as tropas e o povo correspondêrão com enthusiasmo; acção que depois repetio o General Lecor, com as mesmas circumstancias. 

Passou depois o Governador das Armas, ao lugar que anteriormente occupava, e principia rão as tropas a desfilar pela sua frente na ordem seguinte: Rompião a marcha dois Esquadrões de Cavallaria dos Regimentos N.º 1 e 4, e após elles a Cavallaria dos Voluntarios Reaes do Commercio; vinha depois hum Parque de Artilheria Montada, do Regimento de Artilheria N.° 1, de 3 peças e 1 obuz; e,  formados em columna, começárão então a marchar os Voluntarios Reaes do Principe a cuja frente se pozera o seu Commandante em Chefe, que, conduzindo a Divisão até principiar a desfilar pela frente do Governador das Armas, passou a tomar lugar ao lado deste, (ao qual estava tambem unido o Tenente General Rosa), o que igualmente forão fazendo os dois Commandantes das Brigadas desta Divisão. 

– Marchárão em seguimento della os dois Batalhões de Artilheiros Nacionaes Oriental e Occidental, e atraz delles hum Parque de 5 peças e 1 obuz, do sobredito Regimento de Artilheria N.° 1. 

– Forão avançando immediatamente a Brigada de Infanteria N.° 1 e 16, outro Parque de 3 peças e hum obuz, e a Brigada N.° 4 e 13, o Regimento da Guarda Real da Policia, e o ultimo Parque de Artilheria Montada de 5 peças e 1 obuz.

– Desfilárão consecutivamente os dois Regimentos de Milicias Oriental e Occidental, o de Infanteria do Commercio, e fechárão a marcha os dois Batalhões de Atiradores Oriental e Occidental, finda a passagem dos quaes se retirárão o Governador das Armas, e os Tenentes Generaes Lecor e Rosa, ficando o innumeravel concurso regosiado de vêr este esplendido apparato militar, que no seio da doce paz se não mistura com funestas recordações. (1)


(1) Gazeta de Lisboa, 19 de dezembro de 1815

O mesmo quadro foi referenciado em 1947, por ocasião das Comemorações do VIII centenário da tomada de Lisboa, com o número 438, "Junot passando revista às tropas no Rossio", no "Catálogo da exposição de documentos e obras de arte relativos à história de Lisboa, MNAA".

Junot passando revista às tropas no Rossio, anónimo.
Pertence ao Ex.mo Senhor Eduardo Mendia.
Catálogo da exposição de documentos e obras de arte relativos à história de Lisboa, MNAA, 1947


Informação relacionada:
Nicolas Delerive (1755-1818)
Para defender a Vossa Alteza!

Mais informação (cf. Os voluntário reais, O jovem marquês de Fronteira e o desfile...):

Numa das memórias mais conhecidas referentes a este momento histórico, D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto, 7.º marquês de Fronteira (1802-1881), relembra em 1861 as emoções invocadas pelo desfile de 18 de dezembro de 1815, 46 anos antes, com que a Divisão de Voluntários Reais se despedia de Lisboa, e a que assistiu com a tenra idade de 13 anos. 

Carlos Frederico Lecor, comandante da Divisão destinada ao Brasil, havia sido não só o ajudante de ordens do Marquez de Alorna, entre 1805 e 1808, mas era um amigo devotado da família e da inteira confiança de D. Leonor, a 4.ª marquesa de Alorna, especialmente durante o seu exílio em Londres, por ordem da Regência.

ooOoo

«A Divisão de Voluntários de El-Rei, antes de embarcar para o Brazil, formou em grande parada na praça do Rocio, debaixo do commando do seu General em chefe, [Carlos Frederico] Lecor. Os Governadores do Reino assistiram à parada na varanda do palacio da Regencia. A Divisão era o corpo mais brilhante que tem sahido das fileiras do Exercito portuguez. Tanto os officiaes, como os soldados, eram jovens, mas aguerridos, tendo feito todas ou parte das campanhas da Guerra Peninsular. O uniforme era dos mais elegantes que havia nos exercitos da Europa: o antigo uniforme dos nossos caçadores, que tinha reputação de elegância, entre os entendedores.

O General Lecor era o typo dum verdadeiro soldado e seguia-o um brilhante Estado Maior.

As duas Brigadas de Caçadores eram commandadas por dois jovens Generaes que fizeram a Campanha Peninsular com grande distincção, os Brigadeiros [Jorge de] Avillez [Zuzarte Ferreira de Sousa] e [Francisco Homem de Magalhães Quevedo] Pizarro.


Minha avó [D. Leonor de Almeida Portugal, 4.ª marquesa de Alorna (1750-1839)] estava comnosco, nas minhas casas do Rocio, onde foi visitada pelo antigo Ajudante de campo de seu irmão, General Lecor, accompanhado de muitos officiaes que tinham servido com meu tio, entre elles o General [Francisco de Paula] Azeredo [Teixeira de Carvalho] que ha pouco morreu. Tristes recordações seriam as de minha Avó, ao despedir-se d’aquelles officiaes, lembrando-se de que, poucos annos antes, os tinha visto naquella mesma praça, fazendo parte da Divisão de Alorna, do commando de seu irmão e meu tio, o Marquez de Alorna.

Foi a ultima vez que vimos o General Lecor.

A partida para o Brazil d’esta bella Divisão produziu no publico um triste effeito. Antes d’isto, havia partido um quadro consideravel de officiaes debaixo das ordens do Coronel de cavallaria, Visconde de Barbacena, indo nelle meu cunhado D. Gastão da Camara, hoje Conde da Taipa.

A Divisão de Voluntários de El-Rei levava um numero consideravel de officiaes distinctos e pretencentes à primeira sociedade do paiz. O Coronel João Carlos de Saldanha, hoje Duque de Saldanha, fazia parte do Estado Maior do General.

O povo, impressionado pelas repetidas requisições de gente e de dinheiro para o Brazil, principiou a murmurar seriamente e a agitar-se.» (*)


(*) Memórias do Marquês de Fronteira e Alorna D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto... Coimbra, Imprensa da Universidade, 1926, pp. 152-153 (cf. Os voluntário reais, O jovem marquês de Fronteira e o desfile...)

sábado, 30 de agosto de 2025

Laboratorio Chimico na Margueira

Deste Laboratório-Fábrica sito na Margueira, temos notícia desde 1825, quando surgiu, pela mão de João Paulino Vergolino de Almeida, que se preparara no Curso de Física e de Química do Laboratório de Química da Casa da Moeda, trabalhando durante dois anos «debaixo das vistas e direcções do hábil Professor Luís da Silva Mousinho de Albuquerque», que pretendia avançar, nesse estabelecimento, com a obtenção em grande do óleo de vitríolo (ácido sulfúrico) que era, na altura, importado na totalidade.

Esboços de Paizages d'Mediterraneo e Lisboa, 29.
Laboratorio de Chimica no Citio da Margueira, Luiz Gonzaga Pereira, 1809.
Museu de Lisboa


Os obstáculos encontrados no respeitante à isenção de direitos das matérias-primas – condição necessária para viabilizar economicamente essa produção – que nem mesmo as vantagens da substituição de importações pareciam ter o efeito de afastar, foram atrasando o processo de concretização desta indústria no dito estabelecimento, que entretanto foi tratando de vender outras coisas (algumas produzidos localmente, outras adquiridas no estrangeiro), como preparados de chumbo, de marfim, de mercúrio, cremor tártaro, etc.

O estabelecimento de produtos químicos da Margueira só obteve a isenção desejada em 1834, porém, na falta de elementos, não podemos precisar se a ela se seguiu, ou não, o início da produção de ácido sulfúrico - certo é, porém, que a fábrica da Verdelha do Conde do Farrobo já o produzia em 1838, e em 1849 dizia-se que era o único produtor deste género a nível nacional.

O laboratório químico da Margueira foi vendido à família Serzedello, em 1844, e a sua exploração ganhou um considerável desenvolvimento a partir de 1848, altura em que – necessariamente – se deverá ter procedido a reformas tecnológicas no referido estabelecimento.

Laboratorio Chimico de Serzedello & Ca., década de 1840.
(documento do acervo de Carlos António Serzedelo Palhares, Lisboa)

É lógico pensarmos então, que o contra-mestre do estabelecimento da Margueira premiado em 1855 (premiado, portanto com competências notórias para ser distinguido), na Exposição Universal de Paris, poderá muito bem ter sido quem orientou e supervisionou as tais reformas efectuadas em finais da década de 40. Isto significa que José Alexandre Rodrigues, contra-mestre da fábrica de produtos químicos dos irmãos Serzedello já estava ao serviço da dita casa por essa altura. Como se apetrechou este homem com técnicas, conhecimentos e o know-how suficiente para o efectuar?

Serzedello & Ca., década de 1840.
Documento do acervo de Carlos António Serzedelo Palhares, Lisboa

Em 1855 o laboratório da Margueira produzia ácido clorídrico e nítrico, diversos sais de chumbo e de mercúrio, dissoluções de sais (de nitrato de cobre e de cloreto de antimónio) e nitratos (de potássio, de bismuto, de prata, entre outros), os “tártaros”, a potassa cáustica (hidróxido de potássio), etc. (1)

No dia 17 de de Março de 1883, pelas 10 horas e meia, o fogo destruía uma das maiores fabricas do Reino (fábrica de cortiça Henry Bucknall & Sons.), dando trabalho a cerca de 400 pessoas. Ocupando uma grande área, sendo a parte devorada pelo fogo aproximadamente de três mil metros. Quando chegou os socorros a bomba do navio Vasco da Gama, foi impotente para controlar o fogo que consumia um grande número de pilhas de cortiça e pondo em risco a própria fábrica.

Incendio na fábrica Henry Bucknall & Sons na Margueira
Diário Illustrado, 31 de Março 1883

Desenvolveu-se um forte ataque com todas as bombas e pessoal à medida que iam chegando, com o objectivo de salvar a fabrica, todas as atenções eram para a rua principal de Cacilhas, cujos prédios do lado do nascente se encontravam em grande risco, ao ponto da igreja chegar a ser atingida pelo fogo.

Foi através dos esforços do pessoal na defesa dessas propriedades, e principalmente dos marinheiros da armada, em preservar as ruas Direita de Cacilhas e Oliveira, cujos telhados das casas foram fustigados pela força destruidora do fogo. Ás 2 horas da tarde ardiam os moinhos, vinhas, matos, arvoredo, num cenário horroroso. Pelas 4 horas da manhã a preocupação era as casas próximas do laboratório químico da Serzedello & Cia. que sofreu bastantes danos nas estruturas de madeira. (2)


(1) Isabel Cruz, Preparadores de química da Escoma Politécnica (1837-1856)
(2) Diário Illustrado, 31 de Março 1883

Artigos relacionados:
Laboratorio de Chimica no Citio da Margueira
A casa da Quinta da Oliveira
Serzedello & Ca., Laboratorio Chimico na Margueira
O laboratório químico da Margueira
Indústria química

Leitura relacionada:
RELATORIO GERAL DA EXPOSIÇÃO DE PRODUCTOS DE INDUSTRIA PORTUGUEZA, SOCIEDADE PROMOTORA DA INDUSTRIA NACIONAL, EM 22 DE JULHO DE 1838

International exhibition, 1876 at Philadelphia, Diário Illustrado

Mais informação:
"Janêllos" da História: Os Serzedello