quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

José de Lemos

Foi um ser humano extraordinário, o maior desenhador do segundo modernismo, um invulgar contador de histórias para crianças, um infatigável trabalhador e, também, um pintor de mão feliz. Foi, com o meu pai e outros mais, fundador do «Diário Popular», e criador da admirável Página Infantil daquele vespertino, onde, por sua estima, comecei a escrever, com 14 anos.

Hoje há palhaços, José de Lemos, Diário Popular (página infantil), 31 de março de 1956
Hemeroteca Digital de Lisboa

Devo, ao Zé de Lemos, a ternura, o afecto, a amizade sem mácula, a bonomia, a solidariedade e a grandeza humana. Logo pela manhã, 7 horas, sentava-se ao estirador, colocado na Redacção, e desenhava e ilustrava todos os textos que lhe entregavam (...) (1)

José Neves de Lemos (1910-1995) foi um desenhador, ilustrador e escritor.

Nasceu em Lisboa, e cursou a Escola Preparatória Rodrigues Sampaio. Muito cedo revelou a sua vocação para o desenho. Inconformista por natureza, considerava-se um autodidacta perante a arte que escolheu.

José Neves de Lemos, 1980
MutualArt

Adolescente ainda começo a colaborar em diversas publicações, como o «Rebate», jornal republicano, um dos primeiros onde viu desenhos seus publicados. Mais assiduamente, o seu traço apareceria nas páginas de «O Papagaio», «Sempre Fixe» e «Diário de Lisboa». Ao ingressar no quadro de fundadores do «Diário Popular», José de Lemos passou a desenhar quase exclusivamente para aquele jornal.

Riso amarelo, Diário Popular, José de Lemos, 1974
José de Lemos, Riso amarelo e outros cartoons

Como "cartoonista", notabilizou-se com o "Riso Amarelo", uma rubrica com desenhos e comentários assertivos sobre a realidade que marcou a sociedade através das páginas do antigo conhecido vespertino. (2)

José de Lemos (Lisboa, 1910-1995) iniciou sua carreira na imprensa em 1927. Destacou-se pelas suas ilustrações em textos de ficção e no suplemento Acção Infantil. A partir de 1942, ilustrou generosamente o Diário Popular, especialmente nos suplementos Volta ao Mundo e Sábado Popular.

O seu trabalho na Página Infantil foi uma exceção na literatura infantil da época, chocando o público pela ausência de lições de moral e de elegias à História Pátria.

Histórias malucas, José de Lemos, 1947
Almanak Silva

José de Lemos também ficou conhecido pelas suas crónicas mordazes, incluindo a famosa rubrica «Riso Amarelo», que retratava a vida em Lisboa durante a ditadura salazarista. José de Lemos faleceu em 1995, quatro anos após a última edição do Diário Popular, o jornal que foi a razão e o legado da sua vida. (3)

Desce a Calçada da Estrela e sobe a do Combro. Todos os dias. Da casa em Campo de Ourique para o Diário Popular, na Rua Luz Soriano, ao Bairro Alto. No jornal, acende o candeeiro, senta-se ao estirador, afia o lápis, limpa o aparo, inteira-se das notícias do dia.

Por dezenas de anos, será esta a rotina de José de Lemos, um caso à parte na multidão de génios da ilustração portuguesa do século XX. O seu traço modernista, de altos contrastes, não terá mestre nem discípulos. A literatura para crianças e o vespertino Diário Popular marcarão a sua vida e obra.

José de Lemos
José de Lemos, Riso amarelo e outros cartoons

Lemos (Lisboa, 1910-1995) inicia-se na imprensa no satírico Sempre Fixe. Brilhará também n’O Papagaio, revista infantojuvenil católica, e no suplemento Acção Infantil, ensaio das futuras páginas dedicadas aos miúdos no Diário Popular. (4)

José de Lemos por Osvaldo Macedo de Sousa, in JL – Jornal de Artes e Letras de 19/3/1985

Quem é José de Lemos? Antes do mais, um «histórico» do humor português, um sobrevivente daquela plêiade de humoristas que teimaram fazer humor durante o salazarismo, um companheiro de Stuart Carvalhais, Francisco Valença, Carlos Botelho, Teixeira Cabral… trabalhando no «Sempre Fixe». No «Diário de Lisboa» e finalmente no «Diário Popular», onde ainda hoje se mantém. Do trabalho realizado neste periódico publicou há tempos um álbum de «Riso Amarelo e outros cartoons».

Riso amarelo, Diário Popular, José de Lemos, 1979
Fidalgo O Gosto do Vinho-Restaurante, Wine Bar & Tapas (fb)

Como segundo traço para o seu retrato, temos que o encarar, não como um cartoonista, mas como um jornalista, um redactor de jornal que optou pela grafia do desenho em vez da escrita. Uma opção que pode paradoxa, num escritor reconhecido de sensibilidade e talento.

Esse será o terceiro traço e, talvez, aquele que mais lhe agrada – o de escritor de contos infantis. Foi também este que mais satisfações lhe deu. José de Lemos tem vários livros de contos publicados, vários prémios e está representado em Antologias Internacionais de Contos Infantis. Esta carreira literária começou-a no «Diário Popular»: «Comecei a fazer a página infantil do “Diário Popular” e António Pedro (que dirigia então o jornal) é que me incentivou nos contos; moralista é aquele que aconselha a não fazer aquelas coisas que ninguém pensou fazer. Eu, pelo contrário, fazia crítica e até nestas histórias infantis fazia crítica política.»

OMS – José de Lemos é um contista, um redactor e perante isto não é necessária a seguinte pergunta, mas o esquema proposto no início desta série de entrevistas assim o impõe. Considera-se humorista, cartoonista ou caricaturista?

José de Lemos – Não me considero nada. Eu sou é pintor, apesar de não gostarem do que eu faço. Humorista? Humor é dizer algo com uma certa crítica, uma certa ironia. Eu não desenho para fazer humor, mas para fazer crítica e, criticando-se com ironia, é-se muito mais incisivo.

José Neves de Lemos, 1974
MutualArt

Desta forma, o muito sério pode vir a ser cómico, e o cómico vir a ser sério. O humorismo é uma coisa muito séria e deve fazer pensar, mais do que rir. No meu trabalho, faço tudo para ser um jornalista, porque a pintura é uma reportagem, o desenho é reportagem… a crítica são artigos. O cartoonista é um redactor, um trabalhador de jornal igual aos outros.

OMS – Apesar do desprezo intelectual pela comicidade, consideras o humorismo gráfico dentro das artes?

José de Lemos – O mais importante que o artista faz, é aquilo que está a fazer no momento. A arte é arte, é tudo. A dança – o bailado nasce logo nos primeiros gestos das crianças. Picasso dizia: “Arte é o homem que entra nu na floresta e sai de lá vestido”. Todas as profissões devem ser uma arte, e todas devem servir umas às outras. Arte é aquilo que fazemos com amor, respeito, ambição.

A grande maravilha (folheto publicitario Gazcidla), José de Lemos, 1958
Garfadas on line

OMS – Neste campo quem são os teus artistas preferidos? Algum deles o influenciou?

José de Lemos – Não tive influencias. Tenho respeito por todos. Fui amigo de todos os grandes, do Stuart…. Admiro o João Abel Manta porque para mim, ele é o “operário”, trabalha tudo com profundidade.

OMS – Achas que trouxeste alguma coisa de novo ao humor gráfico português?

José de Lemos – O que eu trouxe foi mais para as crianças com o “dr. Sabichão”, “Hoje há palhaços”… fazia historias e bonecos, mas o meu maior orgulho é a secção de “Palmo e meio”. Nada há mais bonito do que a criança a sorrir, mesmo que tenha os dentes podres.

OMS – A existência da censura até 1974 influenciou a tua obra? Tens algum desenho censurado?

José de Lemos – Alguma coisa, mas havia sempre maneira de dizer e fazer as coisas de forma que a censura não compreendesse. O pior era o chefe de redacção, que não só censurava, como nos criticava em público.

OMS – Eça de Queiroz dizia que o humor no constitucionalismo é pelo menos uma opinião. Para ti é uma opinião, ou uma forma de manipulação?

José de Lemos – Acho que deve ser uma opinião sobre a vida cara, os impostos… Devemos tentar ser justos, em vez de servir os clubes, os partidos…. O humor deve ser elevado e não ordinário. Gostava que o humor fosse feito por «gentlemans»

Riso amarelo, Diário Popular, José de Lemos, 1974
Exposição Riso amarelo, Kuentro 2

OMS – O humor gráfico português tem actualmente alguma característica específica, que o distinga do que se realiza no resto do mundo?

José de Lemos – Acho que sim, apesar de ser um pouco «saloio», do ponto de vista estético. Os públicos são quase todos iguais, dependendo os matizes unicamente do civismo de cada um. Tudo depende do grau de educação. O humor do povo é um pouco cruel, pois o nosso homem do povo crê saber tudo e ter solução para tudo. O humor em Portugal é a discussão entre uma pessoa mal educada e outra bem educada.

OMS – Hoje pode-se dizer tudo o que se quer através do desenho?

José de Lemos – Hoje pode-se e não se deve dizer. Eu sou a favor da autocensura, e que não seja preciso censuras estranhas, o que não impede a crítica ou a irreverência- Eu sou irreverente, mas peço licença, desculpa.

José de Lemos, Riso amarelo e outros cartoons
Humor fabricado em Portugal
Estaminé, Estúdio de Arte Comercial, Lda. s/d (197?)

Acabada a entrevista lá o deixamos entregue ao seu humor amarelo, triste; deixamo-lo com os seus belos contos e um grande sorriso para as crianças; deixamo-lo resmungando contra a roupa molhada que pinga sobre os transeuntes, contra a má educação das pessoas. (5)


(1) Baptista Bastos in José de Lemos, Riso amarelo e outros cartoons, Humor fabricado em Portugal, Estaminé - Estúdio de Arte Comercial, Lda. s/d (197?), cf. artelection
(2) José de Lemos, Riso amarelo e outros cartoons, idem (fb)
(3) Exposição José de Lemos em Matosinhos, clube da criatividade portugal
(4) José de Lemos, idem
(5) humorgrafe

Mais informação:
Fidalgo O Gosto do Vinho-Restaurante, Wine Bar & Tapas (fb)
O Compadre Simplório tem os pés tortos, Almanak Silva
Histórias malucas, idem
José de Lemos na Casa do Design, TVsenhoradahora
Exposição Riso amarelo, Kuentro 2
José de Lemos, Abysmo
A grande maravilha, segundo José de Lemos, Garfadas on line
José Neves de Lemos, MutualArt
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