sábado, 21 de abril de 2018

Da Ponte do Rio Douro, que liga Villa Nova de Gaya com a Cidade do Porto

Outro quadro não menos jucundo, e digno de altenção do observador he a celebre Ponte de barcas, que une ambas as margens do Douro, e que se patenteou pela primeira vez no dia 14 de Agosto de 1806.


OPORTO WITH THE BRIDGE OF BOATS: To the most noble the Marquis Wellesley. The view of Oporto upon its evacuation by Marshal Soult, before Marquis Wellington, in the Campaign of 1809, Is, with permission, respectfully dedicated by his LORDSHIP'S most obedient humble Servant ROBERT DAUBENY KING, Late Lieutenant, Royal Fusileers. / Henry Smith Esq.r del.t; M. Dubourg sculp.t. (com. 1813).
Imagem: ParadeAntiques

Calculão-se em mais de 400 as pessoas d’ambos os sexos, que fugindo aos horrores do fatal dia 29 de Março de 1809, pereceram aqui com o seu precioso mizeravelmente atropelladas, ou submergidas.

O desastre da Ponte das Barcas em 1809.
Imagem: Porto, de Agostinho Rebelo da Costa aos nossos dias

Que pavoroza scena! que lamentável catastrophe! Na madrugada de 12 de Maio do dito anno de 1809 queimaram, os Francezes esta Ponte celebre para obstarem á passagem do Exercito Anglo-Luso, que a marchas forçadas caminhavão sobre elles, mas pela summa actividade do Grande Wellington, e mediante os generosos soccorros dos Villa-Novenses se restabeeceu interinamente dentro de poucas horas. 

Oporto (gravura de 1885).
Imagem: 123RF

Assim o expressa o Diário de Lisboa n.° 15 do mesmo anno por estas palavras: "Devemos lembrar o grande patriotismo dos habitantes de Villa Nova, os quaes se prestaram a tudo quanto foi preciso para a passagem do nosso Exercito, apresentando em menos de 2 horas toda a madeira e taboado, que foi necessário:" não fallando nos viveres, com que á profia concorreram apezar da penúria, a que estavão reduzidos, como refere o Leal Portuguez n.° 12 do mesmo anno.

Porto vista tomada do caes de Villa Nova, Henry L’Evêque, rep. 1817.
Imagem: Arquivo Municipal do Porto

Tracta-se actualmente de outra Ponte, que ficará muito melhor, e muito mais ampla, que a primeira.

Oporto From Fontainhas, Batty, Miller, 1829.
Imagem: Arquivo Municipal do Porto

Esta vistosa Ponte, unica no seu genero em Portugal, e que se compõem de trinta e tres barcas, tendo perto de mil palmos de extensão, he talvez a obra mais ulil de quantas se tem feito no Porto, tanto pelo prazer do passeio, que ella inspira, e commodidade, que presta aos viajantes, como porque a exemplo da de Ruão sóbe, e desce com as marés, abre-se, e fecha-se, para dar transito ás embarcaçoens maiores, e finalmente desmancha-se, e restabelece-se, quando as vicissitudes do rio o exigem.

Vista da invicta cidade do Porto, J. J. Forrester 1 de setembro de 1835.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

He incrível o concurso do povo, que diariamente passa por esta Ponte, sobre tudo ás terças, e sabbados de cada semana. Basta dizer, que sendo os preços da passagem os mais commodos e sendo isempla de paga a tropa, e pessoas, que vão a diligencias, assim mesmo regularmente fallando, rende por dia — 50$000 reis. (1)

Porto, Carlos van Zeller, View of the City of Oporto, 1833.
Esta vista da Cidade do Porto foi tomada do Convento da Serra durante as ocorrências de 1833 dedicada a S. M. I. o Senhor D. Pedro Duque de Bragança e mandada publicar por ordem do Mesmo Augusto Senhor...
Imagem: Arquivo Municipal do Porto

Esta Ponte de barcas, que só teve de duração 36 annos, tendo começado no de 1806, foi por muitas vezes mais ou menos destruida pelas innundações, que quasi todos os annos costumam sobrevir ao rio na estacão do inverno, e em alguns por mais de uma vez, quando se não tirava logo no principio do crescimento das aguas, e o grande pezo deltas, on a sua nimia corrente excediam a força dos duplicados e grossos cabos, que preventivamente se lhe applicavam nessas occasiões.

Oporto, The Custom-House quay, Batty, Miller, 1829.
Imagem: Arquivo Municipal do Porto

Esta circumslancia, bem como a falta de passagem prompta e segura durante o periodo das innundações deram motivo a que ella fosse declarada insuficiente e substituída pela actual ponte pênsil, collocada alli no anno, de 1842 [...] (2)

Porto, vista da serra do Pillar, da ponte Pensil e de parte da cidade J. P. Monteiro, c. 1850.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Esta Ponte não he collocada no sitio da antiga, mas sim mais ao Nascente, e nos pontos mais elevados das margens do rio — no sitio chamado do Penedo no lado Meridional, e no dos Guindaes no lado Septenlrional, que forão escolhidos pela grande altura que tem, para poder dar por debaixo della passagem livre a todas as embarcações, que girão conlinuamenle no serviço do rio, e que eslavão sugeilas a naufragar sobre as amarras da Ponte de barcas, como acconteceu muitas vezes; e por de cima transito continuo, e permanente, ainda nas occasioens da maior enchente das agoas na estação do Inverno.

Porto, O Douro Portuguez e Paiz Adjacente com tanto do Rio quanto se pode tornar navegável em Espanha,
Joseph James Forrester, c. 1848.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

He chamada Pênsil, e lambem de Ferro; porque está suspensa de oito grossas correntes, feitas de fios d’arame de ferro, queimado, e coberlo de uma espessa crusta de verniz, que o preserva da corrupção; as quaes devididas 4 de cada lado passão por sobre qualro eleganles obliscos, ou columnas de granito, atravessando por uma abertura, que estas tem junto ao capitel, e estão collocadas nos dous extremos da Ponte, duas em cada um delles, e são também ligadas — 2 a 2 na parte inferior do mesmo capitel por uns tirantes de ferro, sobre os quaes se vê a legenda: D. Maria 2.a 1842.

Ponte pênsil do Porto, Charles Legrand, c. 1850.
Imagem: Arquivo Municipal do Porto

As ditas correntes, descendo do alto das columnas para baixo, são chumbadas com a maior solidez em rocha viva, e a uma grande profundidade do solo, com chumbadouros grandemente dentados, que agarrão por mui largo espaço a enormidade da rocha. 

Margens do Douro,Serra do Pilar, Cesário Augusto Pinto, 1848.
Imagem: Arquivo Municipal do Porto

Destas correntes pendem perpendicularmenle outras da mesma especie, mas muito mais delegadas em numero de 211, sendo 108 da banda do Nascente, e 103 da banda do Poente, as quaes devididas com perfeita igualdade de espaços segurão pela extremidade inferior as vigas, sobre que assenta o pavimento da Ponte, que he construído de madeira.

Porto, Cais da Alfândega, Cais da Ribeira, Rua de Cima do Muro, Ponte Pênsil, Louis Lebreton, c. 1850.
Imagem: Arquivo Municipal do Porto

Estas correntes perpendiculares varião de comprimento na razão da curva, que as grossas correntes apresentão do centro para os extremos. 

As columnas tem a forma quadrangular; vão diminuindo de diâmetro da baze para o capitel; e são coroadas por um globo metálico, que assenta sobre um baixo pedestal da mesma especie em forma pyramidal, e também proporcionada, que faz realçar notavelmente a elegância das columnas, e de toda esta obra grande, e magestosa.

Oporto, veduta della citá presa dalla Serra do Pilar, Enrico Gonin,  1851.
Imagem: Arquivo Municipal do Porto

A Ponte tem varandas, feitas lambem de madeira, e passeios lateraes para o transito da gente, afim de não ser incommodada pelos vehiculos, ou animaes, que passão por ella diariamente. 

Porto, vista da ponte pênsil, c. 1850, Isidore-Laurent Deroy , Paris, Editor L. Turgis.
Imagem: Arquivo Municipal do Porto

No centro das duas columnas do lado da Cidade ha uma casa, cujo pavimento inferior serve de quartel para a guarda militar, que vigia pela policia, bôa ordem, e observância do regulamenlo da Ponte; e no superior acha-se estabelecida uma especie de Salva-Vidas, que está permanentemenle provido de uma maca, uma cama guarnecida de roupas, e outros aviamentos uteis, e necessários para soccorrer qualquer naufrago, ou victima d’algum sinistro, que acconteça nas proximidades da Ponte — providencias muito louváveis, e que recommendão grandemente o zelo do Administrador.

Vista da cidade do Porto tirada Quinta de Campo Bello, António Joaquim de Sousa Vasconcelos, c. 1850.
Imagem: Arquivo Municipal do Porto

Deste lado ha outra casa, correspondente áquella, e em tudo perfeitamente igual, que serve para habitação d’alguns empregados, e de armazém d’utensilios: estas duas casas pela sua collocaçâo offerecem mais a vantagem de gravitar sobre os chumbadouros das correntes, de que depende essencialmente toda a segurança, e conservação da Ponte.

O transito não he livre, mas onerado com um imposto muito modico, e as casinhas para a arrecadação delle são situadas uma em cada entrada da Ponle, e ambas da parte do Nascente, feitas, como toda a mais obra, de pedra com muito aceio, e elegancia: e como accessorio destas circunstancias ha na entrada do lado Meridional um terreno ajardinado, fechado por um gradeamento de ferro, que serve de muito recreio á vista, e de belleza a esta magnifica obra; o qual fica paralello com a casinha d’arrecadação, e da banda do Poente. 

Os preços da passagem são os mesmos, que se exigião na antiga Ponte de barcas; porém o seu providente Administrador, para chamar a concurrencia, reduzio alguns, que parecião excessivos, como por exemplo: o preço de carroagens, que pela tabella devem pagar — dous tostoens de dia, e um cruzado de noite, baixou a seis vinténs tanto de dia, como de noite; o preço dalguns semoventes, principalmente gado lanígero também foi reduzido, assim como doutros objectos mais, verificando-se aqui o principio economico — de que as tarifas baixas dão sempre melhor resultado — , como se vê neste caso, que augmenta os rendimentos da Ponte pela maior concurrencia, e o publico utiliza muito.

Porto, ponte pênsil, 1864.
Imagem: Hemeroteca Digital

De noite o imposto he recebido só na casinha da banda da Cidade, tanto dos que entrão, como dos que sahem; e isto produz á Empreza uma boa economia nos gastos de luz, e pessoal. 

A Ponte he illuminada a gaz nas noites, em que não ha luar, com seis candieiros devididos alternadamente nas duas varandas além de um na frente do jardim e os das casinhas. 

Para se poder fazer uma ideia mais exacta da grandeza desta obra, e da extensão da Ponte, passo a fazer lambem a exposição das suas dimensoens [...]



Porto, vista do Douro e da ponte pênsil (quando da abertura da Rua Nova da Alfândega, 1869-1871).
Imagem: Arquivo Municipal do Porto

Deu-se principio a esta obra grande, e magestosa no dia 2 de Maio de 1841, anniversario da coroação da Senhora D. Maria 2.a e assistiram a este acto os Governadores Civil, e Militar, e as Camaras Municipaes desta Villa, e da Cidade do Porto. 

Porto, ponte pênsil D. Maria II, c. 1870.
Imagem: Imagem: Porto, de Agostinho Rebelo da Costa aos nossos dias

Desde aquelle dia forão proseguindo os trabalhos; e no principio de Fevereiro de 1843 tinhão-se completado as construcçoens indispensáveis, e já a Ponte podia ser aberta á circulação; esperava-se comtudo ordem do Governo para esse fim, a qual devia chegar no dia 10, ou 12 do mesmo. 

O Representante da Companhia dos Àccionislas tinha concebido o projecto de solemnizar esta abertura com a assistência de todas as Auctoridades, e tropas da guarnição; mas uma cheia repentina, que sobreveio no dia 17 de Fevereiro, e que obrigou a tirar a Ponte de barcas, fez também entregar esta ao transito publico, o que se verificou no dia 18 de Fevereiro de 1843, tendo-se consumido no principal da sua construcção 1 anno, 9 mezes, e 15 dias.

Oporto, drawn by Catenacci engraved by Thérond, 1882 (cf. Trousset encyclopedia).
Le tour du monde : nouveau journal des voyages
Imagem: Anrtique Prints/Stockfreh

Foi feita esta Ponte pela direcção do Engenheiro de Claranges Luccolle, e por conla de uma Companhia de Accionislas, que a hade fruir por espaço de trinta annos, entregando-a no fim delles ao Estado, de quem he propriedade.

Ponte pênsil entre a cidade do Porto e Villa Nova de Gaya, que vai ser demolida, 1887.
Imagem: Hemeroteca Digital

Foi construída na Praia de Miragaya — no mesmo local, aonde se está edificando actualmente a nova casa d’Alfandega; e para aquelle effeito os Emprezarios fizerão levantar alli um extenso abarracamento para estabelecer as forjas, e officinas necessárias, precedendo licença da Camara Municipal da Cidade do Porto, e assignando termo de fazer demulir tudo, e repor o terreno no estado anterior, logo que a obra fosse concluída; no que se não portaram, como lhes cumpria; porque a Camara pela demora, que havia na execução d’aquelle preceito, teve de recorrer ao Poder Judicial, e officiou ao Juiz Eleito da freguezia de S. Pedro de Miragaya, para que fizesse demulir violentamente toda a innovação, que alli havia; o que elle fez cumprir, repondo o terreno no estado anterior. (3)


(1) TOPOGRAPHIA E HISTORIA DE VILLA NOVA DE GAYA [...]
OFFERECIDA A S. A. REAL O PRÍNCIPE REGENTE N. S. POR
João Antonio Monteiro d'Azevedo
[...] agora grandemente accrescentada com extensos additamentos [...] que foi até o anno do 1832,
e o que he actualmente POR
Manoel Rodrigues dos Santos
Natural da mesma Villa
PORTO - 1861

(2) Idem
(3) Idem, ibidem

Mais informação:
Arquivo Municipal do Porto: ponte de barcas
Arquivo Municipal do Porto: ponte pênsil
Ponte pênsil no Porto, Archivo Pittoresco, 1864
A ponte pênsil do Porto, O Occidente,1887
Porto desaparecido: a ponte pênsil
Ponte D. Maria II ou Ponte Pênsil
Ponte Pênsil - Curiosidades

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