domingo, 2 de abril de 2023

Nau S. Sebastião ou Serpente (1767-1832)

O Arsenal Real da Marinha foi criado no Brasil em 1763, pelo vice-rei Antônio Álvares da Cunha, o conde da Cunha (v. António Álvares da Cunha (c. 1700-1791)), e situado na praia de São Bento, na cidade do Rio de Janeiro. A fundação de um arsenal para reparo e construção de navios de guerra foi resultado de uma conjuntura de fatores, como a descoberta de ouro e prata na região das Minas Gerais no final do século XVII e a transferência da sede de governo português de Salvador para o Rio de Janeiro, o que deslocou o eixo econômico da colônia para a região centro-sul e exigiu maior preocupação com a defesa militar (...)

Retrato de António Álvares da Cunha, Conde da Cunha (detalhe).
Hospital Frei Antônio do Desterro (lazareto)


Sob a administração do conde da Cunha, portanto, o arsenal do Rio de Janeiro construiu a nau São Sebastião, lançada ao mar em 1767. Após a construção deste navio de guerra, o arsenal do Rio de Janeiro não manteve a produção de embarcações de grande porte (...) (1)

A primeira e única embarcação de porte lançada no período de 1763 a 1822, foi a Nau São Sebastião, também apelidada de Nau Serpente devido a sua proa possuir a figura de um dragão.

Rio de Janeiro Nau São Sebastião (Nau Serpente) 1767.
Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro

“A construção teve início em 1764, antes, portanto, da resposta de Portugal aprovando o estabelecimento de um estaleiro no Rio de Janeiro e o lançamento ocorreu em 08 de fevereiro de 1767” (cf. Wallace Affonso Alves, 2006). Depois de pronta, a embarcação prestou serviço por vários anos a Armada Portuguesa.

Arsenal do Rio de Janeiro, no sopé do morro de São Bento.
Criado em 29 de dezembro de 1763 pelo Vice-rei Antônio Álvares da Cunha, 1° Conde da Cunha.
O Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro na História, 1763-1822

Deve-se destacar que essa embarcação comparada com as das Marinhas das potências navais de então, não apresentava os mesmos requisitos de qualidade além de ter consumido altos recursos financeiros para a sua edificação.

“houve iniciativas no sentido de se construírem outras embarcações nesse período, mas, por razões desconhecidas, não chegaram a ser concluídas” (idem).

Essas embarcações, de fato, nem chegaram a ser iniciadas, devido ao protecionismo determinado pelo Marquês de Pombal que em 1775 estabeleceu que os Navios a serem construídos no Arsenal “os fizessem, exclusivamente, pelos Riscos do Mestre Construtor do Real Arsenal de Marinha da cidade de Lisboa, Torcato José Clovino (v. Torquato José Clavina)” (idem). (2)


À NAU SERPENTE

Por ocasião de cair ao mar no Rio de Janeiro em 8 de fevereiro de 1767


Já do lenho as prisões se desataram
E assustada serpente as águas trilha,
Já ondeia no mar a instável ilha,
E já no fundo as âncoras pegaram.


Os ventos sobre as asas se firmaram
Por ver de perto a nova maravilha,
E ao vasto peso da disforme quilha,
Gemeu Netuno, e as ondas s’encurvaram.


Verdes Ninfas azuis do pego undoso,
Conduzi pelos úmidos lugares
Esse errante edifício majestoso:


E entre tantas empresas singulares,
Veja o mundo qual é mais glorioso,
Dar leis à terra, se pôr freio aos mares. (3)

S. Sebastião (1767-1832)

Nau construída no Rio de Janeiro por António da Silva e que armava com 66 peças de artilharia: primeira bateria (26 peças calibre 24), segunda bateria (26 peças calibre 12), tolda (6 peças calibre 9) e castelo (2 peças calibre 12 e 4 peças de calibre 9) Era navio de duas baterias e as respectivas cobertas tinham altura de 2,55 metros, nunca antes visto em navios de guerra.

Tinha como figura-de-proa um dragão, razão pela qual era conhecida como nau Serpente.

Guarnição – 574 homens (1767).
Comprimento (quilha) – 182 pés (55.47 m).
Boca – 44 pés (13.41 m).
Pontal – 34 pés e 6 polegadas (10.36 m, aproximadamente).


Relativamente à figura de proa dos navios da Coroa portuguesa, chegou até nós pouca informação, mas foram utilizadas várias figuras, nomeadamente a figura de um leão, com uma coroa. Mas, outros motivos também eram utilizados como figuras de proa, como foi um formidável dragão, que levou a crismar a nau S. Sebastião (1767-1832) com a designação de a «Serpente», ou «Le Gran Dragon», como foi apelidada pelos franceses de Junot.

Sala de estar da nau São Sebastião, Franz Josef Frühbeck.
Brasiliana iconográfica


Na nau S. Sebastião, os acabamentos eram riquíssimos e a madeira de grande qualidade, tendo esta decoração custado 500 contos. (4)

Em 1816 largou do Rio de Janeiro como navio-chefe da divisão naval com a missão de conduzir as Infantas a Espanha. Em Maio de 1817, incluíu a força naval que conduziu de Liorne ao Brasil a desposada de D. Pedro, arquiduquesa Maria Leopoldina Carolina.

A nau desempenhou ainda outras missão, nomeadamente, integrou a Esquadra do Estreito; participou na Campanha de Roussillon; escoltou um comboio destinado ao Brasil; integrou a esquadra de auxílio naval à Inglaterra no Mediterrâneo e desempenhou comisão a Liorne e Rio de Janeiro.

A nau "São Sebastião" não acompanhou a Família Real ao Brasil, em 1807. (5)

A Quinta de São Lourenço no Pragal (propriedade de Antônio Álvares da Cunha) perto de Lisboa, tem um programa decorativo interessante que consiste em cenas relacionadas com o mar e a navegação, que datam de 1742, baseadas em gravuras holandesas. 

Quinta de S. Lourenço, Painel de azulejos.
Museu de Marinha

Uma delas apresenta cenas de um estaleiro naval e mostra a construção de um grande navio à esquerda, quase completo, de acordo com a princípio de construção "o esqueleto primeiro". Um grupo de trabalhadores à esquerda do navio puxa um cabo enquanto que outros escolhem madeira para a estrutura do navio. Atrás deles está um pequeno grupo de nobres, olhando para os navios, provavelmente representando os donos do navio.

Uma vez que o navio não está completo não é possivel dizer que tipo de navio será. (6)



(1) Arsenal Real da Marinha
(2) Carlos Pinto Almeida, Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro... 2018
(3) Basílio da Gama, Academia brasileira
(4) José Manuel Malhão Pereira, António Costa Canas, António Gonçalves, Augusto Salgado, Inácio Guerreiro, Navios, Marinheiros e Arte de Navegar, 1669-1823
(5) Arquivo Histórico da Marinha
(6) The representation of vessels in early modern portuguese tile

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Torquato José Clavina

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