quinta-feira, 2 de abril de 2020

Torquato José Clavina, constructor naval (I de II)

Foi discípulo de Manoel Vicente, e succedeo-lhe no lugar de 1.° Constructor. Era mais practico do que theórico; mas tinha singular gosto, e rara aptidão para as obras de architectura naval. Construio vários navios de differentes portes, a saber:

No ministério do Marquez de Angeja, a náo Meduza em 1780 [1786], as fragatas Tritão [1786], Golfinho [1786], Cisne [1777], e Minerva [1788], as charruas Príncipe da Beira [depois Príncipe do Brazil, 1775], e Aguia [1777], e o brigue Lebre [1788];

Lisboa Vista da praia dos Santos em 1788 feita por Alberto Dufourcq.
Em primeiro plano, sobre a praia, observam-se os estaleiros navais, com intensa actividade de reparação naval e estiva. Na linha do horizonte, toda a frente ribeirinha da zona de Santos, prolongando-se até ao Cais do Sodré. No topo do Alto de Santa Catarina destaca-se a desaparecida igreja da mesma denominação, demolida em 1833, seguida do casario do bairro da Bica que preenche o vale. No lado oposto observa-se a Ermida das Chagas. Sobressai ainda o grande edifício que foi o Palácio dos Duques de Valença.
cf. Museu de Lisboa

No ministério de Martinho de Mello e Castro, a náo Maria I [1789], — e a náo Rainha de Portugal [1790], a fragata Ulisses [1792], os brigues Gaivota [do mar, 1792], Serpente [do mar, 1791], e Palhaço [; Diligente, 1792], o cuter Balão [1792] y e o hyacht Anjo [anotações cf. O Recreio, jornal das familias vol. II, 1836].

Vista do Arsenal de Lisboa, Alexandre-Jean Noël, 1785.
Cabral Moncada Leilões

A náo Rainha de Portugal, fabricada ern 1790, foi huma das mais bellas obras deste Constructor, tanto pelo seu grande andamento, como por sua elegante fôrma, e por outras boas qualidades que muitas vezes attrahirão a admiração dos estrangeiros.

Almirante Napier a bordo da nau Rainha de Portugal no Tejo, depois da sua vitória sobre a esquadra de D. Miguel em 1833. Um dos dois quadros que representa a entrada da esquadra comandada por Napier após a Batalha do Cabo de São Vicente. Embora a legenda de ambas mencione o facto de Napier estar embarcado na nau Rainha de Portugal, na realidade ele estava na nau D. João VI. Ambos os navios integravam a esquadra miguelista antes da batalha. Tanto a nau D. João VI como a nau Rainha de Portugal, se renderam à fragata homónima desta última, na qual se encontrava Napier. Após a batalha, a fragata Rainha de Portugal ficou em Lagos a reparar os estragos sofridos na batalha e Napier dirigiu-se para Lisboa, comandando uma esquadra que incluía as duas naus acima referidas. Ele veio embarcado na D. João VI, que anteriormente era o navio chefe da esquadra miguelista.
cf. Museu de Marinha

Por duas vezes que esta náo foi aos portos da Grã-Bretanha, os constructores Inglezes lhe tiravão o risco, e as dimensões. 

Almirante Parker da Armada Real prestando honras ao Almirante Napier,
Comandante Chefe português, a bordo da Rainha de Portugal, no Tejo em 1833
Museu de Marinha

A Rainha Senhora D. Maria I attendeo o merecimento deste Artista, concedendo-lhe o lugar e ordenado do seu antecessor, e condecorando-o com o habito da Ordem de N. S. J. Christo, Falleceo pelos annos de 1800. (1)

História das naus, fragatas, bergantins (brigues), charruas etc.

"S. José, Príncipe da Beira" (1775-1795) — Charrua que em 1775 foi comprada para transporte de madeiras do Brasil. Naquela missão fez várias viagens ao Brasil.

"Príncipe do Brasil" (1775) — Charrua que em 1775 foi construída em Lisboa. Possivelmente é a nau de viagem do mesmo nome que em 1780 seguia para a Índia.

"N.a S.ra do Monte do Carmo, a Medusa" (1786-1822) — Nau de 74 peças que foi lançada à água em Lisboa em 24 de Agosto de 1786. Empregou-se no serviço de guarda-costa. Tomou parte como navio-chefe na expedição a Roussillon. Era navio da esquadra que transportou em 1807 a família real ao Brasil. Ficou no Brasil depois da independência, em 1823.

Departure of H.R.H. the Prince Regent of Portugal for the Brazils, Henry L Evêque, F. Bartollozzi.
(Campaigns of the British Army in Portugal, London, 1812)
Imagem: Wikipédia

"N.a S.ra do Bom Despacho, Cisne" (1779-1802) — Fragata de 36 peças que foi lançada à água em Lisboa em 25 de Setembro de 1779. Empregou-se principalmente no serviço de guarda-costa. Em 1802 foi capturada por uma fragata argelina no Mediterrâneo.

"Santíssimo Sacramento, Coração de Jesus e Águia" (1779-1808) — Charrua que foi lançada à água em Lisboa com a fragata Cisne em 25 de Setembro de 1779. Em 1780 largou para o Pará. Fez várias viagens ao Pará. Em 1800 naufragou na altura da ilha de Santa Maria quando seguia na frota do Brasil.

"Golfinho e N.a S.ra do Livramento" (1782-1814) — Fragata de 40 peças que foi lançada à água em Lisboa em 27 de Janeiro de 1782. Em 1784 entrou na expedição combinada contra Argel e em 1807 seguiu na armada que levou a família real ao Brasil. Em 1816 foi desmanchada por inútil.

"N.a S.a das Necessidades, Tritão" (1783-1819) — Fragata de 44 peças que foi lançada à água em Lisboa em 30 de Junho de 1783. Em 1784 entrou na expedição combinada contra Argel. Em 1797 assistiu ao combate do cabo de S. Vicente entre ingleses e espanhóis. Em 1819 foi mandada desmanchar em Lisboa.

"N.a S.a da Vitória, a Minerva" (1788-1809) — Fragata de 48 peças que foi lançada à água em Lisboa em 19 de Julho de 1788. Empregou-se no serviço de guarda-costa. Em 1807 largou incluída na esquadra que levou ao Brasil a família real. Em 1809, depois de combate, foi tomada pela fragata francesa Bellone, na Índia.

"Lebre" (1788-1821) — Bergantim de 24 peças que foi lançado à água em Lisboa em 16 de Outubro de 1788. Era cúter no estaleiro, mas foi botado ao mar já como bergantim. Devido às suas grandes dimensões, era conhecido por Lebre Grande, para o distinguir de outro do mesmo nome de 1798. Empregou-se principalmente na guarda-costa. Em 1816 tomou parte na campanha do sul do Brasil. Em 1821 foi desmanchado no Rio de Janeiro.

"Coração de Jesus, Maria I" (1789-1810) — Nau de 74 peças que foi lançada à água em Lisboa em 18 de Dezembro de 1798. Entrou nas esquadras de socorro à Inglaterra na Mancha em 1793 e 1794. Em 1801 fazia parte da Esquadra do Sul. Perdeu-se por encalhe no porto de Cádis, em 1810.

Lançamento à água da nau Maria I, da fragata Príncipe do Brasil e do bergantim Serpente do Mar na Ribeira das Naus, Alexandre-Jean Noël, 1789.
Arquivo Histórico da Marinha

"Rainha de Portugal" (1791-1848) — Nau de 74 peças que foi lançada à água em Lisboa em 28 de Setembro de 1791. Entrou nas esquadras de socorro à Inglaterra em 1793,1794 e 1798-1800. Pertenceu a várias esquadras de guarda-costa. Era navio da esquadra que transportou ao Brasil a família real em 1807. Entrou no combate do cabo de S. Vicente em 5 de Julho de 1833, depois do que mudou o nome para Cabo de S. Vicente. Em 1848 foi mandada desmanchar por inútil.

Scale: 1:48. Plan showing the body plan, stern board outline, sheer lines with inboard detail, and longitudinal half-breadth for 'Rainha de Portugal' (circa 1791), a Portuguese 74-gun Third Rate, two-decker, as taken off at Portsmouth Dockyard. Note that this ship was one of the Portuguese warships to escort the Portuguese Royal Family and Government to Brazil in 1807. Signed by Henry Canham [Assistant to the Master Shipwright, Portsmouth Dockyard, 1801-1813].
cf. Royal Museums Greenwich

"Ulisses" (1792-1807) — Fragata de 36 peças que foi lançada à água em Lisboa em 15 de Dezembro de 1792. Em 1804 passou a chamar-se Urânia. Empregou-se na guarda-costa e no serviço de comboios.

Fragata da Esquadra que transportou em 1807 a Família Real para o Brasil Possivelmente a Fragata Ulisses.
Arquivo Histórico da Marinha

"Gaivota do Mar" (1792-1822) — Bergantim de 24 peças que foi lançado à água em Lisboa em 1792. Empregou-se principalmente na guarda-costa, quer em esquadra, quer escoteiro. Em 1817, nas águas do Uruguai, tomou por abordagem o corsário de Artigas, chamado Atrevido do Sul. Em 1822 passou à Marinha do Brasil como corveta Liberal.

"Serpente do Mar" (1791-1816) — Bergantim que em 1816 passou a classificar-se como corveta Calipso (1791-1831).

"Calipso" (1791-1831) — Bergantim Serpente do Mar, lançado à água em Lisboa em 28 de Setembro de 1791 e que em 1816 passou a corveta Calipso. Empregou-se nos serviços de guarda-costa e de comboios. Em 1816 largou para a campanha do rio da Prata. Em 1823, incluída na esquadra da Baía, bateu-se nas águas brasileiras com as forças de Cochrane. Em 1834 foi vendida por inútil.

"Diligente" (1792-1810) — Bergantim de 24 peças que foi lançado à água em Lisboa em 15 de Dezembro de 1792. A princípio era conhecido por Sem Nome, Palhaço e Novo. Em 1796 passou a chamar-se Diligente. Empregou-se no serviço de guarda-costa. Em 1807 consta ter sido vendido, sendo desmanchado em 1810.

"Balao" (1792-1822) — Cúter [chalupa] de 20 peças que em 1792 foi lançado à água em Lisboa. Em 1797 já aparece como bergantim. Em 1798 juntou-se em Nápoles à esquadra do marquês de Nisa que cooperava com a esquadra inglesa de Nelson. Em 1816 tomou parte na expedição Lecor ao Brasil. Em 1822 achava-se condenado na Baía. (2)


(1) Bispo Conde D. Francisco, Lista de alguns artistas portuguezes..., Lisboa, 1839
(2) Cmdt. António Marques Esparteiro, Catálogo dos navios brigantinos (1640 - 1910)


Leitura relacionada:
Os navios da Armada Real portuguesa em 1807, Revista da Armada n.° 413, novembro de 2007

Informação relacionada:
Modelos de navios existentes na Escola naval que pertenceram ao Museu de marinha, Lisboa, 1896
Cmdt. António Marques Esparteiro, Catálogo dos navios brigantinos (1640 - 1910)
O Recreio, jornal das familias vol. II, 1836
Royal Museums Greenwich: Rainha de Portugal' (circa 1791)
Nau "Rainha de Portugal", Revista da Armada n.° 14, novembro de 1972
Arquivo Histórico de Marinha: Nau Rainha de Portugal
Arquivo Histórico da Marinha: (pesquisa) Torcato José Clavina
A revolução industrial, Lisboa marítima e Marinha de Guerra, na obra de João Pedroso (1825-1890)
A marinha de guerra portuguesa desde o regresso de D. João VI a Portugal...

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