quarta-feira, 25 de outubro de 2017

José Rodrigues (1828-1887), quadros diversos e retratos

Lista de quadros de diversos generos pintados a oleo por José Rodrigues (segundo apontamentos deixados por elle proprio na sua carteira)

Auto-retrato do pintor José Rodrigues aos 32 anos (detalhe).
Imagem: Wikipédia.

1 O pobre da púcara; meio corpo. Pertencia a el-Rei D. Fernando.
2 O pobre rabequista, composição de tres figuras do tamanho natural. Pertencia a el-Rei D. Fernando. Hoje ao snr. Conde do Ameal.

O pobre rabequista ou O cego rabequista, José Rodrigues, 1855.
Imagem: MNAC

3 O malmequer. Pertencia a D. Maria Rufina de Lima Iglesias.
4 Os peixes.
5 Penhascos da Mancha. Pertencia ao Marquez de Sousa Holstein.

Penhascos da Mancha, José Rodrigues.
Imagem: Wikipédia

6 O guarda da linha ferrea. Pertencia ao mesmo.
7 Scena oriental.
8 Dois marroquinos em repoiso.
9 O antigo vendedor de agriões em Cintra. Pertencia a el-Rei D. Luiz.
10 O rapaz pedinte. Pertencia ao mesmo senhor.
11 A sésta do porco.
12 Os patos na levada.
13 A recusa, quadro de costumes da edade média; pequenas dimensões.
14 A cosinha.
15 A camponeza. Pertencia a el-Rei D. Luiz.
16 O jantar do varredor.
17 O sapateiro.
18 Tarde de inverno.
19 O aguaceiro.
20 Os salteadores na caverna.
21 A ceia dos salteadores.
22 Os cisnes. Pertencia a F. Lourenço da Fonseca.
23 O pôr do sol. Pertence a Francisco Parente da Silva
24 A camponeza.
25 A criada. Pertencia a Carlos Relvas.
26 O cosinheiro. Pertencia ao mesmo.
27 Margens do Tejo, proximo de Santarém. Pertencia a el Rei D. Luiz.
28 Nossa Senhora da Conceição, para Guimarães.
29 Nossa Senhora das Felicidades. Pertencia a D. Maria Rufina de Lima Iglesias.
30 A Madre Theresa do Lado. Pertencia á mesma.
31 Flores e frutos; altura 1m,09, largura 1m,72. Pertencia a el-Rei D. Fernando.
32 As portas do Ceo, quadro do tecto da capella do cemiterio dos Praseres.

As portas do Céu, Capela do Cemitério dos Prazeres, José Rodrigues.
Imagem: Amélia Monteiro, VortexMag

33 Quadro do tecto da sala do Tribunal do Commercio de Lisboa.
34 A Cidade de Lisboa, quadro do tecto da sala grande das sessões da Camara Municipal de Lisboa 5.m de largo, por 4.m de alto. 1883.

Tecto do Salão Nobre da Câmara Municipal de Lisboa, José Rodrigues, 1883.
Imagem: Mundo Indefinido

35 A carta da namorada. Pertencia a Francisco Ricca.
36 A volta da cidade. Pertencia ao mesmo.

*
*     *

Lista dos retratos pintados a oleo por José Rodrigues (segundo apontamentos deixados por elle proprio no seu album) 

1847
1 D. Maria Rita de...
2 José de Sousa. 

1848
3 Pedro Rodrigues de Carvalho. 
4 Joaquim Bento Pereira (Barão do Rio Zêzere em 1851.) 
5 D. Joaquina Lucia de Brito Velloso Peixoto, (Baronesa do Rio Zêzere.) 
6 José Bernardino Frasâo. 
7 D. Henriqueta Mathilde Frasão. 
8 D. Marianna Victoria de...

1849
9 Francisco de Paula Cardoso. 
10 Roberto Cohen. 
11 Alfredo Fernandes Claro. 
12 Antonio de Almeida Didier (menino de 8 annos.)

1850
13 José Daniel Colaço, depois Cônsul Geral e Ministro em Tanger, e barão de Colaço de Macnamara. 14 ... Ferreira, Escrivão de Direito em Guimarães.
15 Luiz Pinto Tavares (residente em Castello Branco)
16 Cândido José de Oliveira.
17 Luiz Carlos Leão Trinité.
18 Visconde de Oçrar, Antonio Maria Pereira da Costa, General de Brigada.
19 Viscondessa de Ovar, D. Maria Rita de Oliveira Pinto da França.
20 José Firmo Ferreira dos Santos, Medico cirurgião.
21 Dr. Antonio Dias de Azevedo, irmão do Conde de Podentes.
22 D Emilia Brower, sua mulher
23 José Frederico Pereira da Costa (Ovar.)
24 D. Theresa Jacintha Maria Sanz Monteiro.

1851
25 Constantino Rodrigues Batalha.
26 ... de Andrade, Commundante de Artilharia 1.
27 João Firmino Ribeiro.
28 Francisco Rodrigues Batalha
29 D. Maria José Couceiro Stamp
30 D. Theresa Clara Cardoso de Faria e Maia.
31 Repetição do mesmo, para a Ilha de S. Miguel.
32 José Marcellino, Coronel de Artilharia.
33 Copia de um retrato a daguerreotypo para o Rio de Janeiro.
34 Conego Mendes.
35 Visconde do Pinheiro, D. Miguel Ximenez.

1852
36 José Avellino da Costa Amaral.
37 Joaquim Antonio dos Santos Teixeira, Cirurgião em chefe do Exercito.
38 D. Camilla Adelaide Stamp.
39 Joaquim Ignacio Ribeiro.
40 José Bernardo da Silva, Capitão de mar e guerra
41 Flammiano José Lopes Ferreira dos Anjos.
42 . .Juiz em Palmella (copia.)
43 Mr. John Stott Howorth.
44 José Vieira da Silva, para Loanda.
45 Mathias José Pereira, para o Maranhão.
46 D. Anna Clara Pereira, para o Maranhão.
47 e 48 Duque de Saldanha, e uma repetição para Coimbra.

1853
49 Duque de Palmella, D. Pedro, copia de um busto.
50 Joaquim Theotonio da Silva, Medico-cirurgião.
51 Antonio Lopes Ferreira dos Anjos.

1854
52 Ricardo Fernandes de Oliveira Duarte.
53 Julio Stamp.
54 Antonio Lopes Ferreira dos Anjos, para a Certan.
55 Barão de Almeida, Antonio Thomaz de Almeida e Silva.
56 Barão de Sarmento, General Ajudante de campo d’el-Rei D. Fernando.
57 D Leonor Magdalena Pecquet Ferreira dos Anjos.
58 José Pedro Henriques Barbosa.
59 D. Maria Guilhermina Marques dos Anjos.
60 D Maria do Ceo da Costa Guerreiro.
61 e 62 Duas meninas em grupo, para o Pará.

1855
63 José Maria do Couto.
64 e 65 Antonio Joaquim Luiz de Sequeira, e D. Gracinda de Jesus Alves de Sequeira, em grupo.
66 Antonio Augusto Martins Ludovice, de reminis- cência.
67 Salvador José Castanlio.
68 D. Carolina Amalia do Carmo Bastos Castanho.
69 Manuel Joaquim Barbosa.
70 D. Amalia Theodolinda Bastos
71 Joaquim Ignacio Ribeiro, repetição do retrato pintado em 1852, ut supra.
72 Sua Magestade el Rei D. Pedro V, do reminiscência, em transparente, para os festejos da Acclamação em Beja.
73 Conselheiro Francisco José Vieira, para o Porto.

1856
74 Antonio Rino Jordão, para Leiria.
75 João Affonso Henriques
76 Viscondessa de Benagazil, D. Catharina Rita Pereira Caldas, copia
77 Guilherme Ribeiro da Cunha
78 José Joaquim Vicente de San-Romão.
79 Sua Magestade el-Rei D. Pedro V, quadro de oito palmos.
80 João Paulo Cordeiro, copia.

1857
81 D. Maria Bernardina da Gama Salema.
82 Sua Alteza a Senhora Infanta D. Isabel Maria
83 Padre Beirão. 
84 Conselheiro José da Silva Carvalho, copia
85 Anonymo,
86 Repetição do dito.
87 D. Catharina Candida de Andrade Lima, copia para Portalegre.
88 João do Couto, para o Brazil.
89 e 90 As meninas Mayas, grupo de duas.
91 D. Rosinda Maria Maya.

1858
92 Sua Magestade el-Rei D. Fernando, para o Rio de Janeiro.
93 D. Gertrudes Magna da Silva Salles.
94 Barão de Almeida, Antonio Thomaz de Almeida e Silva Pertence a sua filha a senhora Baroneza de Almeida D. Anna de Menezes.
95 Sua excellencia o Arcebispo de Braga, D. José Joaquim de Azevedo e Moura, para Braga
96 João Luiz Gonçalves, de reminiscência.
97 Sua Eminência o Cardeal Patriarcha de Lisboa, D. Manuel B nto Rodrigues, para Braga.
98 José Maria Carvalho e Costa.

1859
99 Matteus José Baptista, Medico cirurgião.
100 Fernando Postscli, copia de daguerreotypo.
101 D. Maria Eugenia da Cunha Mattos de Mendia.
102 D. Maria Luisa Telles, para o Rio de Janeiro.
103 José Vieira da Silva Junior.
104 José Joaquim Vicente de San-Romão Junior.

1860
105 Sua Majestade el Rei D. Pedro V, para o salão da Praça do Commercio de Lisboa.
106 D. Maria Luisa de Araújo Telles.
107 D. Maria Candida de San Romão e seu filho, em grupo.
108 José Maria dos Santos.
109 D. Maria Rosa da Costa Lima, mãe do Visconde de Porto Côvo de Bandeira.

1861
110 Condessa de Farrobo, D. Maglalena Pinault, em trajo á Luiz XV, quadro de 2m,30. Pertence a sua filha D. M. Joaquina Quintella casada com Mendonça.
111 Francisco Lourenço da Fonseca.
112 D. Maria José Gaia da Fonseca
113 Joaquim Julio Rodrigues de Macedo.
114 Conde de Porto-Côvo de Bandeira, em trajo de ceremonia como Par do Reino, quadro de 2m, e 30, Pertence ao actual Conde.
115 Alexandre Herculano de Carvalho, para o Gabinete Portuguez de leitura do Rio de Janeiro.

1862
116 Sua Majestade el-Rei D. Luiz, para a sala dos capellos da Universidade de Coimbra, quadro de 3.m de altura.
117 Sua Majestade el-Rei D. Pedro V (de reminiscência) para a escola de Mafra, encommenda da Sociedade Madrépora do Rio de Janeiro.
118 Mademoiselle Cunha.
119 Sua Majestade el-Rei D. Luiz, encommenda do Ministério da Marinha para a sala do docel do palacio do Governo Geral em Moçambique, quadro de 2.m e 60, por 1.m e 70.
120 Sua Majestade el Rei D. Luiz, para Pernambuco, quadro de 3.m por 2.m.

1863
121 D. Maria do Resgate da Graça de Figueiredo.
122 Sua Magestade el Rei D. Luiz, para o Pará, quadro de 5.m.
123 Conde de Rilvas. 124 Joâo Pinto de Araújo, para o Pará.
125 Repetição do mesmo.
126 D. Jeronyma Candida Vieira, copia, para o Maranhão.
127 D. Clotilde da Cunha Ricca, de reminiscência, menina de dois annos de edade.
128 Joaquim Antonio da Silva, para o Pará.
129 Repetição do mesmo.
130 Sua Majestade el-Rei D. Luiz, para a Camara dos Senhores Deputados.
131 D. Cecilia Couceiro Caramaça (de memória.) Existe em poder do snr. Conselheiro Eduardo Pinto da Silva e Cunha na sua quinta do Campo Grande.

1864
132 Sua Majestade el-Rei D. Luiz, para o paço de S. Vicente.
133 Manuel José Dias Monteiro, e D. Anna Isabel Furtado Dias Monteiro, os dois em grupo-quadro de 1,46 por 1.10.
134 Manuel Joaquim de Oliveira.
135 D. Gracinda Alves de Oliveira.

1865
136 José Maria da Silveira Estrella, copia de photographia.
137 D. Anna Telles de Vasconcellos. 
138 Visconde de Porto-Côvo.
139 Joaquim Carlos de Champalimaud; copia de photographia.
140 Sua Majestade el-Rei D. Pedro V, de reminiscência, para a Sociedade de Beneficencia do Rio de Janeiro, quadro de 2.m e 50, por l.m e 50.

1866
141 Frederico Biester, copia de photographia.
142 D. Maria Emilia de Champalimaud Paes, copia de photographia.
143 Jacintho Paes de Mattos Moreira, copia de miniatura.
144 Sua Majestade el-Rei D. Luiz, para Benguella.
145 D. Maria do Carmo Ulrich.
146 Sua Majestade el Rei D. Luiz, para a Camara dos Dignos Pares.

1867
147 Marquez de Niza.
148 Copia de uma photographia, para Caxias (Brazil)
149 Manuel de Sampayo de Sousa Cirne, Junior, copia de daguerreotypo, para Santarém.
150 Joaquim Caetano Lopes da Silva.
151 José Iglesias, em grupo com sua mulher.
152 D. Maria Rufina de Lima Iglesias.
153 D. Maria Ignacia da Costa, da Bahia.
154 Duarte Fernandes, copia.
155 D. Maria Adelaide Baldaque da Silva, mulher de Pedro de Medeiros e Albuquerque, copia de photophia.

1868
156 Henrique Feijó da Costa, de reminiscência.
157 Sua Majestade el-Rei D. Pedro V, para o Asylo do Campo grande.
158 D. Maria Guilhermina da Silva.
159 José Relvas de Campos, de reminiscência.

1869
160 João Anastacio Dias Grande, para Portalegre. Pertence a D. Luisa Grande de Freitas Lomelino e Vasconcellos.
161 D. Anna Francisca dos Santos e Araújo, para o Porto.
162 Repetição do mesmo, para o Pará.

Retrato de Nuno de Freitas Lomelino, José Rodrigues 1869.
Imagem: Museu Quinta das Cruzes

1870
163 José Elias dos Santos Miranda.
164 Conego D. Francisco de Paula de Azevedo.
165 Agostinho Dias Lima, para a Bahia.
166 A mãe do Conego Manuel dos Santos Pereira, para a Bahia.
167 O menino Iglesias, copia.

1871
168 Visconde das Laranjeiras.
169 Manuel Luiz Ferreira dos Santos, para a Bahia.
170 Miguel Antonio Gonçalves da Costa e Amaral, para Mangualde.
171 D. Leonor Margarida de Carvalho da Fonseca e Amaral, para Mangualde.
172 Dr. Seabra, para o Pará.
173 Sogra do antecedente, para o Pará.
174 Jeronymo Mauricio dos Santos.
 
1872, 1873, 1874, 1875
175 D. Emilia Gomes dos Santos, para a Bahia.
176 Antonio Augusto Tarujo Formigai.
177 D. Cecilia Couceiro Caramassa, de reminiscência.
178 Marquez do Bomfim. para o Rio de Janeiro.
179 Flamíniano José Lopes Ferreira dos Anjos, repetição do retrato pintado em 1832.
180 D. Leonor Magdalena Pecquet Ferreira, dos Anjos, repetição do retrato pintado em 1854.
181 Sua Majestade el-Rei D. Luiz, para o Tribunal do Commercio de Lisboa.
183 Jacinto Paes de Mattos Falcão, Conde do Bracial,
184 A mulher do antecedente, D. Emilia.

1876, 1877
185 Antonio Marcellino Facco.
186 D. Ermelinda Mauricia dos Santos Facco.
187 Dr. Josè Maria Borges, Juiz da Relação
188 Um menino, (corpo inteiro) da familia Faria e Maia, da ilha de S. Miguel.
189 D. Guilhermina Godinho de Andrade
190 Fammiano José Lopes Ferreira dos Anjos, nova repetição do retrato de 1852.
191 D. Leonor Magdalena Pecqnet Ferreira dos Anjos, nova repetição do retrato de 1854.

1878
192 A menina Aragao Moraes, de reminiscência.

Photographia [de José Rodrigues]
tirada na Golegan pelo seu amigo Carlos Relvas.
Imagem: Wikipédia

(Por falta de saude e outros motivos particulares, estive dois annos sem pegar em pincéis, e os retratos que fiz depois deixei de aqui os indicar, por falta de animo ou desleixo. Hoje 21 de Abril de l883, querendo continuar esta relação do que me recordo, sem ordem ter assignado, são os seguintes.) Nota autographa do Autor no seu referido Album. 

193 Alberto Neves de Carvalho, para Caxias (Brasil)
194 Antonio João Alves da Cunha e Silva, para o Rio de Janeiro.
195 D. Marianna Alves da Cunha e Silva, para o Rio de Janeiro.
196 Visconde de Castilho, Antonio Feliciano de Castilho, de reminiscência e por photographias: encommenda da Camara municipal de Lisboa para uma das suas escolas [escola municipal de S. Vicente].

Retrato de António Feliciano de Castilho, José Rodrigues, 1883.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

197 Conselheiro Antonio Rodrigues Sampaio, idem.
198 Barão de S. João d'Areias, Manuel de Serpa Pimentel.
199 Dr. Carlos Zephyrino Pinto Coelho.
200 Um Americano, para Liverpool.
201 Antonio Rodrigues Sampaio, repetição.
202 Sebastião José de Freitas.
203 ... Freitas Rego.(1)


(1) Júlio de Castilho, José Rodrigues, pintor portuguez..., Lisboa, Livraria Moderna, 1909

Informação relacionada:
Com Jeito e Arte

Outras referências:
Academia das Bellas Artes de Lisboa, Quinta Exposição, 1862

terça-feira, 24 de outubro de 2017

José Rodrigues (1828-1887), notas biográficas

A José Arthur Bárcia, sobrinho neto do notavel pintor portuguez José Rodrigues, offerece como prova de muita consideração moral, sincero agradecimento e amisade
J. de C.


Auto-retrato do pintor José Rodrigues aos 32 anos (detalhe).
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

A Academia Real das Bellas-Artes nenhumas obras possue d’elle; os duzentos e tantos retratos que pintou, alguns admiráveis, acham- se dispersos, em Portugal e no Brazil ; e os seus quarenta e tantos quadros de cavallete, alguns de merecimento elevadissimo, jazem escondidos em poder de particulares ciosos de tamanhas opulências.

Largo de S Raphael na freguesia de S. João da Praça (detalhe), fotografia de J. A. L. Bárcia.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

A própria reputação de José Rodrigues, tâo intensa outr’ora, esmoreceu e descorou; injustiça inconsciente, que é necessário reparar; e uma das mais efficazes e urgentes compensações cabe á Camara Municipal, zeladora nata dos interesses moraes e materiaes da Cidade: compete-lhe assignalar desde já o prédio, onde este eminente pintor viu a luz no pequenino largo de S. Rapliael, freguezia de S. Joâo da praça, e o outro onde veio a fallecer [...] ()

Rua dos Bacalhoeiros (detalhe), fotografia de J. A. L. Bárcia.
A habitação do pintor José Rodrigues é o terceiro andar da segunda casa a contar da direita.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Na Academia encontramos o mocinho, como alumno voluntário no anno lectivo de 1841 para 12 com doze annos, apenas, e admittido a provas em 9 de Outubro de 1841. Dá-se aqui uma circumstancia curiosa: este alumno tinha por condiscipulo um homónymo, nada parente, José Rodrigues de Carvalho, como elle, como elle lisboeta, e como elle aspirante a pintor.

As confusões que necessariamente occorriam a cada passo, incommodavam-n-os; pelo que, requereu oíhcialmente o meu biographado licença para encurtar o nome, chamando-se apenas José Rodrigues, e deixando o Carvalho, apesar de ser já de pae e avô.

Funccionavam na Academia, aquartelada, como Deus era servido, na espelunca de S. Francisco, várias aulas nocturnas, além das diurnas. Das primeiras sei isto:

a aula de Desenho de ornato era regida pelo septuagenário André Monteiro da Cruz, pintor de paizagem e natureza morta;  a de Desenho historico, pelo Professor substituto Francisco Vasques Martins;  a de Geometria e Architectura civil, pelo hábil Professor substituto José da Costa Sequeira, que ainda conheci, parente proximo do grande Sequeira;  a de Modelo vivo, regia-a no 1.° mez Antonio Manuel da Fonseca, Professor eminente de Pintura histórica; no 2.°, o bom Francisco de Assis Rodrigues, Professor de Fscultura ; no 3.°, Domingos José da Silva, discipulo de Bartolozzi, e tratado com consideração pelo áspero Raczynski. Era entre nós Professor de Gravura, e eximio desenhador á penna.

Geniozinhos brincando num regato (gravura em cobre), José Rodrigues.
Imagem: Júlio de Castilho, José Rodrigues, pintor portuguez...

Foram deveras aproveitados os estudos do nosso José Rodrigues, visto como no concurso de Desenho historico do anno lectivo de 42 a 48 obteve, com quatorze annos, um partido de 30S000 reis na copia de baixo-relevo, passando a alumno ordinário em 17 de Outubro de 1842.

Na Exposição de obras dos alumnos, em 22 de Dezembro de 1848, figurou o alumno premiado José Rodrigues, com. o dito baixo relevo desenhado a dois lapis em papel de cor; representava um grupo de meninos, e foi executado em imensões menores que o gesso.

GRUPO DE ARTISTAS
No l.° plano sentados, da esquerda para a direita:
José Rodrigues, Antonio Manuel da Fonseca, Francisco Augusto Metrass.
No 2.° plano: João Christino da Silva, F..., Antonio Victor de Figueiredo Bastos.
(Photographia de J. A. Bárcia).
Imagem: Júlio de Castilho, José Rodrigues, pintor portuguez...
cf. Arquivo Municipal de Lisboa

Outra gloria e outro incitamento foram para José Rodrigues os condiscipulos que o acaso lhe deu:

João Pedro Monteiro, conhecido pelo "Monteirinho", que em 1843 tinha vinte annos, e cujo lapis, tratado benevolamente pelo severo Raczynski, tâo notável se tornou pela graça e firmeza de toque das suas vistas architectonicas e pittorescas de egrejas e monumentos; Metrass, o perito, o sentimental, o mallogrado Metrass, tão fino no trato, moço então de dezanove annos; o meditativo Annunciaçâo, que orçava já pelos vinte e quatro, e em quem ninguém rastrearia ainda, talvez, o paizagista e animalista que veio a ser; Joaquim Pedro de Sousa, uma esperança para a arte da Gravura, que estudou em Paris com Henriquel Dupont; Antonio José Patricio, infelicissima criatura, a cujo incontestável talento dedicou o snr. Rangel de Lima, que o conheceu, um sentido artigo biographico publicado nas Artes e Letras: e outros, emfim, que deixo de enumerar.

Por este tempo, verdade seja, desenvolvera-se o estro e o saber do nosso Rodrigues. Os applausos dos condiscipulos, os prêmios pecuniários nos concursos, e a medalha de oiro no certame triennal de 1849, tudo isso o animou, o incitou, e deu azas ao seu talento. 

Essa medalha, que as mâos da Rainha, a senhora D. Maria II, lhe lançaram ao pescoço, commoveu-o de tal modo, que ao voltar a casa, depois da sessão solemne, vinha n'um estado de perturbação nervosa indefinivel. 

Fechou-se no seu quarto, recusou todo o alimento, chorou, chorou, e quando tornou a apparecer aos seus vinha pallido e desfeito como um cadaver. Entre as suas tentativas primarias figura um bello desenho a dois lápis, retrato d’elle proprio aos dezanove: rosto juvenil e imberbe, olhos brilhantes de mocidade, e, como signal de acriançada extravagancia, uma especie de turbante com pluma. É óptima a execução d'esta cabeça copiada ao espelho, e bem tratada até nos últimos pormenores.

O pintor José Rodrigues, com 19 anos.
Imagem: Júlio de Castilho, José Rodrigues, pintor portuguez...

Outro retrato deixou de si o artista; é um vigoroso quadro a oleo, que parece querer lembrar algum collega seu do século xvi.°: pescoço á vela emmoldurado em collarinhos desabotoados e descabidos, capa negra, e gorro.

Auto-retrato do pintor José Rodrigues aos 20 anos.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Que difterença d’esses devaneios cheios de pujança, para a physionomia cançada e triste do bom José Rodrigues nos derradeiros annos. Não se limitou porém a retratar-se a si mesmo: são dos seus dezoito os primeiros dois retratos pintados já como technico, e por encommenda, em 1847 ; nâo os conheço; sei apenas que representavam D. Maria Rita de ... e José do Sousa, nomes que nada nos dizem hoje [...]

Na lista do proprio autor veem referidos a esse anno [1842] os do General José Frederico Pereira da Costa e de sua mulher, os de seu irmão e sua cunhada o Visconde e Viscondessa de Ovar, o do Dr. Dias de Oliveira, irmão do Conde de Podentes, e o do engraçado artista e bom companheiro de artistas, José Daniel Colaço, depois Barão de Macnamára, Cônsul geral e Ministro de Portugal em Tanger; retrato, que me dizem estar hoje em poder do snr. Francisco de Araújo e Couto.

Bastou o nome de Colaço para me lembrar o rancho alegre e bohemio de artistas, pintores, escultores, caricaturistas, e até amadores sem cotação, que se reunia por esses descuidosos annos, ora n'um café, ora n'um restaurante, ora no saudoso Passeio publico do Rocio, ora n'algurna excursão ruidosa a Queluz ou Cintra: academia de românticos exaltados (como então eram todos os rapazes), bons amigos, namorados lieis, optimos companheiros, para quem um dia bem passado entre sombras era a delicia innocente que melhor os satisfazia.

Cinco artistas em Sintra, João Cristino da Silva, 1855.
Imagem: MNAC

Todos com pouco dinheiro, mas todos com muito talento e muita pilhéria. Cada um, no fim de uma d'essas passeatas á Pimenteira ou a Algés, em cavalgadas de burrinhos, ou francamente a pé, trazia mais oxygenio nos pulmões, e mais alguns esbocetos no album.

Não frequentei o grupo: era novo de mais; nem conheci então estes bons artistas; falo por informações colhidas por 1874 no trato de Christino. 

Eram elles: Metrass, fino, débil, sentimental, com seus quês de aristocráta nos usos e nas tendências; Christino, o pujante Christino, talvez a vocação artistica mais exuberante de todo o grupo (segundo pensava Prieto), mas em parte inutilisado pelo excesso mesmo das suas qualidades; Victor Bastos, um tanto altivo, com o seu perfil de antigo cavalleiro das cruzadas, e a justa confiança n’um porvir de gloria;

Cinco artistas em Sintra (detalhe: Victor Bastos, Christino e José Rodrigues), João Cristino da Silva, 1855.
Imagem: MNAC

Annunciaçâo, o Virgilio bucolico da palheta portugueza, o sentimental e vibrante animalista, o profundo devaneador; Bordallo Pinheiro pae, grande talento assassinado a retalho pela burocracia, mas companheiro precioso em sociedade, desenhador, cantor, dançarino, um enthusiasta como tenho visto poucos; Colaço, já mencionado; e além de outros, certamente muito escolhidos, o nosso bom José Rodrigues, ainda quasi alegre, ainda bom commensal, ainda apaixonado por uns olhos negros ou uns olhos azues, mas em cujo sorriso vago e saudoso despontava já o melancólico dos últimos annos.

No 1.° plano, sentados: da esquerda para direita: Manuel Maria Bordallo Pinheiro, José Rodrigues com uma pequenita junto a si ; o venerando Francisco de Assis Rodrigues com as suas cans o a sua physionomia escultural; o Marquez de Sousa-Holstein, Vice-Inspector da Academia; em baixo Tomazini; um que não conheço, com um chapeo de palha; Carlos Krus; José Gregorio da Silva Barbosa.
No 2 ° plano, em pé: da esquerda para a direita: José Ferreira Chaves, Francisco Rangel de Lima com um braço encostado ao hombro do antecedente; Francisco Lourenço da Fonseca; Joaquim Nunes Prieto; Joaquim P. de Sousa; o medico cirurgião José Maria Alves Branco; Zacharias do Aça, e Camarate.

N'estas pequeninas cohortes de artistas militantes ha sempre uns adventícios, uns curiosos de Arte, annexados ao farrancho. A indole leva-os para as lidas do desenho, mas a vida afastou-os do tirocinio. Não teem o saber; teem apenas o gosto; extasiam-se com delicias perante uma paizagem, mas náo a sabem expressar [...] (1)


(1) Júlio de Castilho, José Rodrigues, pintor portuguez..., Lisboa, Livraria Moderna, 1909

domingo, 15 de outubro de 2017

Arte Namban * אמנות נאנבאן * S. Francisco Xavier e os kurofune

Segundo fontes japonesas, dois Nambanjin [Bárbaros do sul] chegaram às costas da ilha de Tanegashima, no sul do Japão, em 1543. Três anos depois, Jorge Álvares escreveu um primeiro relatório sobre o Japão, depois da chegada dos Portugueses, que contém a descrição de plantas, animais e vulcões existentes no país, assim como descrições dos Japoneses e dos seus costumes.

Nanban Six-Fold Screen Depicting the Arrival of a Portuguese Ship (kurofune).
Imagem: Christie's

Jorge Álvares encontrou Francisco Xavier em 1547 em Malaca e apresentou-lhe Anjiro (Yajiro) que tinha vindo do Japão com os Portugueses. Este encontro parece ter sido decisivo na ida de Francisco Xavier e outros missionários para o Japão (Matsuda, 1965: 4).

D. João III e o núncio apostólico da Índia, ou A partida de São Francisco Xavier em 1541, aut. desc. c. 1730.
Imagem: Wikipédia

... chegou o padre a Malaca o derradeyro dia de Mayo do mesmo anno de 49. & se deteve ahy alguns dias pelo mao aviamento que se lhe deu, mas em fim despois de passar ahy em Malaca muytos trabalhos, se embarcou em dia de São João do mesmo anno ao Sol posto em hum junco pequeno de hum Chim, que se dezia o Necodà ladrão, & ao outro dia pela menham se fez á vella, & se partio [...]

Dia de S. João a tarde, do ano de 1549 nos embarcamos em Malaca, pera virmos a estas pares, em um navio de hum mercador gentio China, o qual se offereceo ao capitão de Malaca de nos trazer a Japão. (2)

Detail of a Nanban Six-Fold Screen Depicting the Arrival of a Portuguese Ship (kurofune)
Imagem: Christie's

*
*     *

Executado numa estrutura leve de engradado em madeira, coberta por sucessivas folhas de papel de forma a obter uma superficie uniforme onde o artista desenvolve o seu tema utilizando, neste caso, cores vibrantes, enquadradas por grandes superficies em ouro. Debruado a seda, é rematado por moldura lacada protegida por ferragens em cobre.

Biombo Namban, painéis  da esquerda (1593-1601).
Imagem: Museu Nacional de Arte Antiga

O reverso liso decorado com esquirolas metálicas, demonstra que se destinava a espaços de cerimonial. Este [O] par atribuido ao pintor Kano Domi, descreve visualmente da esquerda para a direita, episodios das actividades religiosas e comerciais dos portugueses no Japão.

Detalhe do templo cristão em biombo Namban (1593-1601).
Imagem: Museu Nacional de Arte Antiga

Aos pintores da escola de Kano a quem cabia retratar o quotidiano, não podia escapar o espanto e a curiosidade que causava a chegada do barco negro a Nagasaki [...] (3)

*
*     *

Francisco Xavier realizou a maior parte das suas viagens por mar, onde terão ocorrido alguns dos seus mais notáveis milagres. Citando Lorenzo Ortiz na sua magnifica obra San Francisco Javier, Príncipe del Mar (1682):

"Todos los casos de su prodigiosa vida son raros, todos tiernos, todos admirables que los que le sucedieron en el mar navegando, o en bien y alivio de los que de él dependían. Fuera del mar raras son sus profecias, sus milagros, sus conversiones, su poder y los efectos de su caridad" [Lorenzo Ortiz, San Francisco Javier, Príncipe del Mar, ed. Ignacio Arellano, Pamplona, 2004].

S. Francisco Xavier no Japão Nau Santa Cruz.
Transformação da água salgada do mar em água doce (viagem de Malaca para Sancião na China, 1552).
Imagem: Museu de Marinha

O milagre da transformação da água salgada em água doce durante uma viajem por mar em 1552 é seguramente um dos milagres que mais contribuíram para a designação de Francisco Xavier, “o Milagre dos Milagres”, e sobretudo para o seu epíteto de “O Príncipe do Mar”. Este milagre que foi testemunhado por sessenta inquiridos durante os processos de 1616-1617 foi colocado no topo dos milagres incluidos na "Relatio Super Sanctitate et Miraculis Patris Franciscis Xaverii" em 1619. (4)

*
*     *

Para os americanos, a expedição de [Matthew Calbraith] Perry ao Japão [1853-1854] foi apenas um pequeno passo numa expansão aparentemente invetável a oeste que, por fim, se extenderia a todo o Pacífico para abranger o exótico "Oriente". Para os japoneses, por outro lado, a intrusão dos navios de guerra de Perry foi traumática, confusa, fascinante e, finalmente, devastadora.

Durante quase um século antes de 1630, o Japão, de facto, empenhou-se a estimular as relações com os navios [kurofune] comerciais europeus e os missionários cristãos [...]

Na viagem de 1853 [310 anos depois da chegada dos portugueses], a frota de Perry consistia em duas fragatas a vapor (Mississippi e Susquehanna) e duas chalupas, com um total de 65 armas e um pouco menos de 1.000 homens.

Representação do USS Powhatan nas expedições militares e diplomáticas de Perry em 1853 e 1854.
Namban foi uma das formas de arte que floresceram no período Edo (c. 1603-1868). No caso da imagem acima, atente-se nas características pictóricas expressas na representação do navio, em meados do século XIX, comparando-as com as dos biombos do início do período. A regressão representativa extende os seus limites permitindo que a fragata a vapor seja representada com os castelos de prôa e popa, característicos da "Nau do trato" (entre outros anacromismos, persistências e derivas nativas do estilo), revelando a intemporalidade cultural do termo "kurofune".
Imagem: MIT Visualizing Cultures

Quando voltou no ano seguinte, sua armada cresceu para nove embarcações, com o novo navio comandante Powhatan juntando-se aos dois outros navios de guerra a vapor de rodas laterais. (5)


(1) Nambanjin: sobre os portugueses no Japão
(2) Afonso Rodríguez, Notas biográficas e estudo das referências documentais..., 2013
(3) MatrizNet
(4) Maria C. Osswald, S. Francisco Xavier no Oriente – aspectos de devoção e iconografia
(5) Black Ships & Samurai

Leitura relacionada:
Peregrinaçam de Fernam Mendez Pinto, Em que da conta de... [1583], ed. 1614
Daniela de Carvalho, Nambanjin: sobre os portugueses no Japão, 2000
12 January 1614, first edition of the book The peregrination of Fernão Mendes Pinto 31 years after his death, by friar Belchior Faria...
Les portugais au Japon

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Arte Namban * אמנות נאנבאן * Fernão Mendes Pinto

A arte designada como namban, produzida no Japão após o encontro de culturas que representou a presença portuguesa desde 1543, recebe o seu nome do termo usado para se referir a estes novos estrangeiros, os nanbanjin [bárbaros do sul]. 

Biombo Namban 1598/1615, Kanō Naizen (1570-1616), Kobe City Museum.
Imagem: Google Arts & Culture

Namban é pois toda a arte produzida por artistas japoneses onde o fascmio por este outro civilizacional e patente, tanto como tema - cenas onde surgem europeus e seus afazeres ou simbolos distintivos, caso da cruz - como forma ou tipologia, caso das peças lacadas, nomeadamente mobiliario como cofres, baus e arquetas, feitas essencialmente para exportação. (1)

*
*     *

No tempo de Pernão Mendes Pinto, Lisboa era centro mercantil aberto a colonias estrangeiras e abandona o "facies" medievalizante, assumindo dinâmicas de grande desenvolvimento que impressionavam quem a visitava e a descrevia em tons exóticos, dando conta de uma cidade cosmopolita, "varanda do Atlântico" e espécie de "umbilicus mundi", de urbanismo sinuoso ao longo das sete colinas um carácter desalinhado, que se miscigena e se torna rota comercial onde acorrem povos de todas as partes [...]

Lisboa, Ex-voto, Nossa Senhora de Porto Seguro Roga a seu Precioso Filho por esta Cidade e sua Navegação de Lisboa,
Igreja de São Luís dos Franceses, c. 1620.
Imagem: do Porto e não só...

Merece ser destacada, em análise iconológica, a série de representações com temas do mar e da viagem na arte portuguesa da segunda metade do século XVI e na viragem para o XVII, como é o caso da grande tela Nossa Senhora da Boa Viagem velando pela protecção do comércio na barra de Lisboa, raro ex-voto gratulatório encomendado pelo mercador francês estabelecido em Lisboa Antoine Magnonet e sua mulher Ana Telheiras Cardosa. 

Este quadro é obra do pintor Domingos Vieira Serrão com colaboração de Simão Rodrigues (cerca de 1620), e encontra-se na igreja de São Luís dos Franceses, em Lisboa. A estrutura da tela tardo-maneirista, grande paisagem sobre Lisboa com o rio Tejo encrespado em primeiro plano, com sugestão dos naufrágios e os perigos do mar insondável, acentua o peso da intercessão divina face aos elementos em fúria. (2)

*
*     *

Nos finais do séc. XVI, inícios do XVII, os japoneses olhavam os portugueses como uns bárbaros sem maneiras mas benignos e, sobretudo, úteis. Aos seus olhos, os exóticos eramos nós. Como se de banda desenhada se tratasse, os Biombos Namban, do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, contam-nos o que é que os japoneses viam quando olhavam os comerciantes e missionários portugueses que faziam a ligação entre Macau e Nagasáqui.



Uma visita deliciosa guiada pelas historiadoras de arte Maria da Conceição Borges de Sousa e Alexandra Curvelo, que acaba de editar "Obras-primas dos Biombos Nanban, Japão-Portugal, Século XVII" [Éditions Chandeigne]... (3)

*
*     *

[Fernão Mendes Pinto] por ser homem mui conhecido de aqueles reis do Japão, por haver catorze anos que por aquelas partes do Japão e China tinha seus tratos, leva uma embaixada do senhor vizo-rei da Índia para el-rei do Bungo, com seus dons e presentes de muito preço que lhe envia em nome de el-rei sereníssimo de Portugal.

O verdadeiro amigo de mestre Francisco [Xavier] e meu, e de todos os da Companhia, Fernão Mendes.

Nau do Trato (kurofune) e os namban-jin, Kanō Domi.
Imagem: Museu Nacional de Arte Antiga

[...] com a minha ida [padre Melchior] a Japão se determinou um homem mui rico e de mui boas partes para a Companhia, lá dos reis de Japão conhecido, por nome Fernão Mendes; o qual, além de entregar a si para a Companhia, também quis fazer serviço a Nosso Senhor, logo deputados para a empresa do Japão quatro ou cinco mil cruzados. (4)

*
*     *

Admitimos que um dos painéis do retábulo da igreja da Misericórdia de Almada, recém-restaurados, a grande tábua central que representa a Visitação da Virgem a Santa Isabel, possa integrar um retrato póstumo de Fernão Mendes Pinto na figura de São José que acompanha a Virgem, com um estranho baraço ao pescoço, um atributo que nunca aparece na iconografia das Visitações. 

Fernão Mendes Pinto,
Pormenor da Visitação da Virgem a Santa Isabel (detalhe),
Giraldo Fernandes de Prado, 1589-1591.
Igreja da Misericórdia de Almada.
Imagem: Iconografia do Mar e da Viagem na Arte Portuguesa...

Acresce para esta presunção o facto de o retábulo da igreja da Misericórdia ter sido encomendado a Giraldo de Prado, em 1589-1590, pelo Provedor Francisco de Andrade, ou seja, o cronista-mor do Reino e amigo de Fernão Mendes Pinto, que guardou e compilou o manuscrito da Peregrinação dando-o enfim à estampa em 1614. 

O facto de se tratar de uma efígie muito bem caracterizada, com objectivos precisos de guardar urna verosimilhança que as pessoas reconheciam, como pôde ser melhor observado apos a limpeza e tratamento da tábua, reforça a nossa convicção de que seja Fernão Mendes Pinto a figura do assumido retratado no São José com corda de cativo ao pescoço, bordão de peregrino e chapeirão na mão esquerda. 

Igreja da Misericórdia de Almada, retábulo-mor, Giraldo Fernandes de Prado, 1589-1591.
Imagem: Património Cultural

Acresce, ainda, que também o pintor deixou testemunho da sua efígie no retábulo: na tábua da Adoração dos Magos, na fiada cimeira, à esquerda, pode descobrir-se o seu auto-retrato numa figura bem caracterizada e que fita directamente o espectador (figura essa, detectada apenas durante a recente limpeza e tratamento laboratorial do retábulo). (5)


(1) Choices
(2) Vítor Serrão, Iconografia do Mar e da Viagem na Arte Portuguesa..., 2014
(3) Visita Guiada
(4) Padre Melchior Nunes Barreto cf. Afonso Rodríguez, Notas biográficas e estudo das referências documentais..., 2013
(5) Vítor Serrão, Idem

Leitura relacionada:
Peregrinaçam de Fernam Mendez Pinto, Em que da conta de... [1583], ed. 1614
Daniela de Carvalho, Nambanjin: sobre os portugueses no Japão, 2000
Flores, Alexandre M., Reinaldo Varela Gomes, R. H. Pereira de Sousa, Fernão Mendes Pinto, Subsídios para a sua Bio-Bibliografia, Cámara Municipal da Almada. 1983
Conferência de Alexandre Flores, "Fernão Mendes Pinto e a sua Peregrinação na Outra Banda (1563-1583)"
12 January 1614, first edition of the book The peregrination of Fernão Mendes Pinto 31 years after his death, by friar Belchior Faria...
Les portugais au Japon



Cronologia [cf. Afonso Rodríguez, Op. Cit.]

1510 [c., Fernão Mendes Pinto] Nasce em Montemor-o-Velho.
1521 13 de dezembro. Chega a Lisboa para servir uma senhora "de geração assaz nobre" 37 quando tinha dez ou doze anos (Cap. 1).
1523/1532 Embarca de Alfama para Setúbal. Tal e como aparece no texto da Peregrinação "anno & meio, pouco mais ou menos" de chegar a Lisboa (Cap. 1).
+ 4 anos. Serve um fidalgo do Mestre de Santiago, por nome Francisco de Faria (Cap. 1).
+ 1 ano e meio. Ao serviço do mesmo Mestre de Santiago (Cap.1).
1537 11 de março. Parte para Oriente 39 (Cap. 2).
1539-1545 Chega a Malaca (Cap 21) e converte-se num rico mercador que comerceia no leste asiático.
1545-1546 Desde Malaca viaja à Sunda e ao arquipélado de Java. Visita tamém Sião (Cap. 182-3). 1547 Regressa nos inícios do ano de uma viajem ao Japão com Jorge Alvarez trazendo consigo Angiroo (Cap. 202). Conhece Francisco Xavier em Malaca (Cap. 203).
1549 Nova viagem ao Japão em companhia de Francisco Xavier. Parte de Malaca com arribada a Canguexuma a 15 de agosto (Cap. 208).
1554 Depois da chegada do cadáver do seu amigo P. Francisco Xavier a Goa (cap. 218) ingressa na Companhia de Jesus. 16 de abril. Partida desde Goa para Japão com escala em Malaca (Cap. 219). c. 5-18 junho. Chegada a Malaca (cap. 219). 5 de dezembro. Carta desde Malaca.
1555 20 de novembro. Carta desde Macau.
1557 Deixa a Companhia de Jesus à volta do Japão.
1558 Volta a Portugal. Entrevista com a rainha regente, Dona Catarina (Cap. 226).
1569 Notícia de que Fernão Mendes Pinto foi consultado, em datas anteriores, por João de Barros, autor das Décadas da Ásia.
1571 Consultado pelo embaixador florentino em Lisboa.
1572 Juiz na  [?] Almada.
1573 Eleito mamposteiro de [?] São Lázaro e Albergaria. 
1578 Reeleito mamposteiro.
1580 [c.] Concluída a redacção da Peregrinação.
1581-1583 Consultado pelo Rei Filipe I.
1582 Consultado por historiadores jesuítas.
1583 O rei Filipe I concede-lhe uma tença anual. 8 de julho. Falece na quinta do Pragal, perto da Almada.
1614 Publicada a primeira edição da "Peregrinação".

Uma cronologia mais pormenorizada, elaborada a partir de fontes documentais e da "Peregrinação", e confrontada com eventos históricos da época assinada por Alexandre M. Flores aparece em Flores, Gomes, & Sousa [Op. Cit.] (1983: 171-192).

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Arte Namban * אמנות נאנבאן * A Viagem

1543. Um navio português chega pela primeira vez ao Japão.

Biombo Namban 1598/1615, Kanō Naizen (1570-1616), Kobe City Museum.
Imagem: Google Arts & Culture

Este feito marca o começo da expansão para o extremo oriente, a abertura de novas rotas comerciais e de intensas trocas culturais.

Nau Santa Catarina do Monte Sinai e outros navios portugueses, atrib. Joachim Patinir.
Imagem Wikipédia

Olhar deslumbrado, divertido, por vezes inquieto sobre este povo ocidental com costumes estranhos...



Esta obra foi realizada para o Pavilhão de Portugal, país de acolhimento da Exposição Universal de Lisboa em 1998. (1)


(1) Animaviva

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Uma outra Lisboa...

Rui Manoel Baptista Velho de Palma Carlos (1948-2008). Pintor neofigurativo, também arquitecto, escritor, ilustrador e poeta.

Lisboa anos cinquenta, Rui Palma Carlos, 1981.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

A sua obra denota um fascínio pelos pintores do princípio do séc. XX e é especialmente dedicada a retratar fachadas de prédios antigos, casas tipicamente portuguesas, solares, etc. chamando a atenção para a sua recuperação urgente ou para a sua conservação intercalando figuras que podem entrar em diálogo, revelando um misto de humor e de nostalgia.

Em terra dos bem-casados, Rui Palma Carlos, 1981.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Rui de Palma Carlos ilustrou diversas obras, nomeadamente de Camillo Castello Branco, Eça de Queiroz, Abel Botelho, Joaquim Paço d'Arcos, etc. — e tem escrito e ilustrado livros infantis.

Lisboa, Rua Maluda, Rui Palma Carlos.
Imagem: BestNet Leilões

Expôs em diversas galerias, sobretudo no Palácio Foz (1973, 1974, 1988 e 1989) e no Casino Estoril (1977, 1981, 1983 e 1985). (1)

Rui Palma Carlos, Colecção Casas de Lisboa.
Imagem: Ilustração Antiga

Obras do Autor: "Eu Fui Ao Fim de Portugal" (1993); "Lisboética E Outros Poemas (1977); "A Casa da Carochinha" (1981); "A Carochinha Muda de Casa" (1981); "História da Família Corrente" (1993); Obras em gaveta: "Viagem Ao Centro Da Minha Terra" e "Era Uma Vez Uma Família Maluca". Obra Impressa: Serigrafias; Litografias e Colecções de Postais. (2)

*
*     *

E quanto a nós que, a seu tempo, lhe conhecemos as aguarelas, as serigrafias, as litografias e as colecções de postais, como "Casas de Lisboa", edição Margrape de 1985, vimos na posição da cor e na envoltura do traço uma ingenuidade demonstrativa e intencional, que recriava ambientes lineares, como se fosse um Cézane descomplicado ou uma "Pixel Art" recente.

Lisbon, Portugal.
Imagem: Archipics in Deviant Art

Arquitecto de formação, pressupunha isometrias, ainda alheias ao "AutoCAD" mas de onde se deduzem "renderings" que nos remetem para passagens incessantes por uma outra Lisboa que persiste.

Lisboa Lisbon by night. Tribute to this wonderful city.
Imagem: Behance


(1) Arcadja  cf. Palácio do Correio Velho
(2) Real Abranches

Informação relacionada:
Croniquetas de Lisboa