segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Francisco José Resende (1825-1893)

No leilão dos quadros da herança do rei D. Fernando, no Real Palacio das Necessidades, no dia 2 de Março de 1893, e seguintes até ao fim de Abril, foram apresentados seis quadros de (Francisco José) Rezende.

Auto-retrato (detalhe), Francisco José Resende, 1860.
Museu Nacional de Soares dos Reis

Numerados, descritos, datados, com dimensões e valor base de licitação:

10 — À miséria. Ao centro uma mulher sentada dando o seio a uma creança, â direita sentada e encostada á mulher outra creança, no primeiro plano deitada no chão com a cabeça junto aos pés da mulher uma outra creança. Pintado sobre tella, assignado Rezende Porto 1855, escola portugueza, largura 1,18 altura 1,50 — 60$500.

18 — Retratos de Rezende (auctor) e Pinto da Costa (meias figuras), assignado Rezende 1851, escola portugueza, largura 0,83 altura 1,08 — 27$000.

27 — Ovarina tendo o braço direito apoiado a um cesto. Pintado sobre tella, assignado F. Rezende 1860, escola portugueza, largura 0,98 altura 1,30 — 60$000.

28 — Lavadeira (arredores do Porto) fundo paysagem. Pintado sobre tella, assignado F. Rezende 1852, escola portugueza, largura 1,06 altura 1,48 — 60$000.

29 — Ovarina tendo um cesto com sardinhas descançado sobre a perna. Pintado sobre tella, escola portugueza, assignado F. Rezende 1851, largura 1,01 altura 1 ,30 — 60$000.  

372 — Lagrimas de mãe. Pintado sobre tella, escola portugueza, assignado F. J. Rezende 1881, largura 0,53 altura 0,67 — 13$500.

ooOoo

Francisco Jose Resende nasceu na cidade do Porto, em 9 de dezembro de 1825. Entrou para a Academia de Belas Artes com dezasseis anos incompletos e frequentou este estabelecimento de ensino ate finais da década de quarenta. 

Teve como Professores de Pintura, Joaquim Rodrigues Braga e Domingos Pereira de Carvalho e de Desenho, Tadeu Maria de Almeida Furtado e Francisco Antonio da Silva Oeirense. Porem, os ensinamentos que o levaram a tornar-se numa das principals flguras da pintura portuense do século XIX, obteve-os fora da Academia. 

Na verdade, foi no atelier do suíço Augusto Roquemont que Resende aprendeu a compor com imaginação, modelar com vigor e a derramar sobre a paleta a magia das tonalidades quentes. Foi tambem Roquemont que incutiu a Resende o mais desvairado entusiasmo pela temática dos costumes populares. 

A caminho do mercado, Francisco José Resende, 1859.
Cabral Moncada Leilões

O quadro "Vareira vendendo sardinhas" que Resende expos na trienal da Academia de Belas Artes de 1851 [com outras nove telas] e o exemplo mais perfeito da influencia que sobre si exerceu o mestre suiço. Resende obteria com esta tela o seu primeiro grande exito publico. (1)

No início de 1852, após a morte de Roquemont, Resende fez-se representar de joelhos, junto à sua campa, chorando. Não obstante, a perda do seu mentor não o fez descurar a carreira. Aproveitando a passagem da família real pelo Porto, foi apresentado a D. Fernando II no dia 4 de maio, no Palácio das Carrancas, conhecido mecenas e colecionador de arte. Nessa ocasião ofereceu-lhe várias obras, entre as quais se contava a "Vareira", e do rei português recebeu elogios sobre o seu talento e a promessa de apadrinhar a continuação dos seus estudos no estrangeiro.

Efetivamente, depois da exibição pública de "Camponesa dos Carvalhos" no Museu Allen [Museu da Restauração], em setembro daquele ano, o rei cumpriu a sua promessa ao conceder ao pintor a tão desejada pensão.

Em 1853, Resende regeu ainda as cadeiras de Modelo Vivo e de Pintura Histórica (fevereiro a Junho), pintou o retrato de José Vitorino Damásio, fundador da Associação Industrial Portuense a pedido desta instituição e, finalmente, a 12 de Julho partiu para Paris.

Durante a viagem visitou o Museu de Marselha. À chegada a Paris procurou um bom professor de Pintura, tendo optado por Adolphe Yvon (1817-1893), reputado pintor que o aceitou como discípulo. Infelizmente, a estadia na capital francesa foi de curta duração pois uma nevralgia cerebral obrigou-o a regressar ao Porto em novembro de 1853.


Restabelecida a saúde voltou a Paris, a 11 de maio de 1854. Durante esta segunda estada parisiense prosseguiu as aulas de desenho com Yvon, copiou quadros do Louvre, em particular do pintor flamengo Rubens, e viajou até Londres.

Em setembro de 1855 regressou ao Porto, para retomar o seu lugar na APBA e continuar a pintar. Porém, o seu estilo mudara e o pintor parecia sem rumo. Sem a orientação de um mestre, entregou-se a duvidosas experiências pictóricas.

Durante o ano de 1857 regeu a Aula do Nu na APBA e voltou a expor pinturas na trienal da APBA e, pela primeira vez, esculturas ("Mendigo" e "Auto-retrato").

Auto-retrato, Francisco José Resende, 1860.
Museu Nacional de Soares dos Reis

Em abril de 1858 partiu para Lisboa. Na bagagem levava os quadros "Miséria" e "Tasso no Hospital", para o seu mecenas. D. Fernando, imune à polémica gerada em torno de algumas obras do pintor, recebeu-o efusivamente e ofereceu-lhe um botão de camisa com um brilhante.

No ano seguinte, Francisco José Resende pintou os retratos do Conde de Ferreira, de D. Pedro V e de D. Fernando e publicou a sua primeira crítica de arte na edição de 25 de julho do "Eco Popular".

Durante os anos sessenta participou em diversos certames artísticos, como na Exposição Industrial Portuense (1861), nas exposições trienais da APBA (1860, 1863 e 1866), no Salão da Promotora (1866 e 1868) e na Exposição Internacional do Porto (1865) e esteve representado na Exposição Universal de Paris de 1876.

Visitou Lisboa no primeiro trimestre de 1861, onde expôs "Castanheira do Reimão", obra destinada a D. Pedro V, e a "Vareira", a D. Fernando. Este, ao receber a pintura, felicitou o artista, afirmando tratar-se do seu melhor trabalho, e beijou a sua filha Claire, que o acompanhava.

Varina e pescador, Francisco José Resende, 1859.
Cabral Moncada Leilões

Francisco José Resende viajou por Londres, pela Alemanha, França e Bélgica durante o ano de 1862. Regeu a Aula de Pintura (1869), pintou, entre outros, o elogiado retrato de D. Luís I, para a Tribuna do Teatro de S. João, e a "Lavradeira dos Carvalhos", que ofereceu ao príncipe Humberto de Saboia, em 1862. Escreveu sobre as exposições que visitou e nas quais participou e para os jornais "Comércio do Porto" e "Diário Mercantil".

Apesar de ser um artista algo controverso, Resende era indiscutivelmente uma figura popular, distinta pelo seu aspeto romântico e que, estranhamente, se assumia como um abnegado pai solteiro, muito bem cotado, sobretudo na cena artística do Porto. (2)

Entretanto, no final dos anos setenta, com a eclosão do Naturalismo, a pintura de Resende começa a passar de moda. Em 1882, o artista deixa o professorado e viaja regularmente pela Europa, apesar do agravamento do seu estado de saude. Sobram dessas aventuras, muitos desenhos e esquissos, onde a vivacidade do trago, quase explosiva, encanta por aliar a síntese gráfica, uma poderosa segurança descritiva.

Em 1891 procura atenuar os seus padecimentos com uma cura termal no Geres. As melhoras, porem, são efémeras. Dois anos mais tarde, num dia triste de Outono, Resende deixa o mundo para sempre. (3)

Francisco José Resende havia sido um pintor popular e conservador, sempre fiel à pintura romântica, e que, ironicamente, apesar de não gostar de pintar retratos, o fez com muita frequência durante toda a sua carreira para encomendadores privados e instituições religiosas e públicas (misericórdias, irmandades, escolas e paços dos concelhos). 

A sua preferência recaíra sempre em quadros de costumes, mais prestigiantes, mas muito menos rentáveis.

Amai-vos uns aos outros, Francisco José Resende (MNSR).
Arquivo Municipal do Porto

Seis anos após a morte do artista, Claire, sua filha, doou a tela "Amai-vos uns aos outros" à Academia Portuense de Belas Artes, quadro que hoje integra o acervo do Museu Nacional de Soares dos Reis. (4)


(1) Natália Marinho Ferreira-Alves, Dicionario de Artistas e Arti­fices do Norte de Portugal
(2) Francisco José Resende, Antigos Estudantes Ilustres da Universidade do Porto
(3) Natália Marinho Ferreira-Alves, Idem
(4) Francisco José Resende, Idem

Artigos relacionados:
Augusto Roquemont (1804-1852)
A dispersão dos quadros da herança do rei D. Fernando

Informção relacionada:
MatrizNet
CeROArt

Leitura relacionada:
António Mourato, Arco-íris sobre o Sena
António Mourato, Francisco José Resende (1825-1893). Figura do Porto romântico, Porto Afrontamento, 2007
Francisco José Rezende, Fallecido em 30 de Novembro de 1893, O Occidente n.° 541, 1 de janeiro de 1894

sábado, 26 de outubro de 2019

Retrato de menina por Emilia Santos Braga

São de facto pelo menos dois retratos. O primeiro, assinado, encontramo-lo na leiloeira Cabral Moncada, em 2013. O segundo, assinado e datado de 1904, no catálogo da 6.ª exposição da Sociedade Nacional de Bellas-Artes, em 1906.

Retrato de menina (detalhe), Emilia Santos Braga.
Cabral Moncada Leilões
Gosto dos quadros Emilia Santos Braga, simples, representativos, banais. Mulher independente, "suffragette", inovadora, inconvencionada, anti-clerical, discípula de Malhoa, expôs em 1912 em Madrid o quadro Fumadora de ópio, "propuesto para condecoracion", e como há pouco referimos (ou quase) um rasgão na tela manifestou um protesto.

Não entendo porque foi a sua obra votada ao maior desinteresse, pelas calhas da ignorância talvez. Hoje, se quiser ver uma obra de Emilia Santos Braga não saberei onde a encontrar. Comparo-a a Paula Rego, que não gosto. Em Emilia Santos Braga o desespero não existe, e a arte para despertar consciencias e mudar mentalidades passa-me ao lado. A arte para mim tem que ser bela; "bella anche se brutta".

Mily Possoz (1888-1968), artista, agradável de ver, aqui e ali, e no meu livro de leitura da segunda classe, mas não me move. Mily Possoz, 16 anos, modelo de retrato, discípula de Emilia dos Santos Braga.

oooOooo

Filha de cidadãos belgas radicados em Portugal, Emília Possoz fez estudos regulares no Colégio Alemão, complementados com aulas particulares de piano, pintura e desenho — nestes últimos casos, respectivamente com a pintora portuguesa Emília Santos Braga (1867-1949) e o aguarelista espanhol Enrique Casanova (1850-1913).

Retrato de menina, Emilia Santos Braga.
Cabral Moncada Leilões

Com o incentivo paterno, continua a formação artística em Paris, em 1906, na Académie de La Grande Chaumière, estudando com o pintor e gravador Emile-René Ménard (1861-1930) e com o pintor Lucien Simon (1861-1945).

Retrato de Mademoiselle J. [Jane] Possoz (1904), Emilia Santos Braga.
6.ª exposição da Sociedade Nacional de Bellas-Artes, 1906

Prossegue depois estudos na Bélgica, Alemanha — em Düsseldorf tem aulas particulares com o gravador Willy Spatz (1861-1931) — e Holanda.

Retrato de menina e Retrato de Mademoiselle J. [Jane] Possoz (1904), Emilia Santos Braga.
Cabral Moncada Leilões e catálogo da 6.ª exposição da Sociedade Nacional de Bellas-Artes, 1906

De regresso a Portugal, em 1909, participa desde logo nas exposições colectivas dos modernistas [...] (1)


(1) Emilia Ferreira, MNAC

Artigos relacionados:
Emilia Santos Braga (1867-1950) [I de IV]
Emilia Santos Braga (1867-1950) [II de IV]
Emilia Santos Braga (1867-1950) [III de IV]
Emilia Santos Braga (1867-1950) [IV de IV]

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Retrato de Passos Manuel no exílio

O quadro da Corringe's que foi a leilão em 2013 não está identificado, nem assinado, nem datado. É assim descrito: retrato de cavalheiro sentado, a sua mão sobre um mapa de Portugal. No entanto, como se fora ontem, reconhecemos imediatamente o retratado, Manoel da Silva Passos.

Retrato de Passos Manuel durante o exílio.
Corringe's

Para nós que compreendemos as razões do segundo exílio de Passos Manuel em Santarém, basta-nos tê-lo reencontrado no primeiro, e enquanto jovem, para ficarmos agradados. Quanto ao mapa, pensamos tratar-se antes de uma publicação para os emigrados.

Retrato de Passos Manuel durante o exílio.
Corringe's

Não obstante as dificuldades por que passou a maioria dos emigrados em Plymouth, houve alguns liberais exilados que puderam usufruir das comodidades que a região oferecia. Passos Manuel e Passos José, inicialmente exilados em Plymouth, contaram com as quantias enviadas pela mãe, a partir do Porto, por intermédio de uma casa comercial. No exílio em Inglaterra, os irmãos Passos receberam três libras por mês, o equivalente à categoria de advogado, para além de subsídios alimentares (Pinheiro 1996: 52).

Early 19th century, English School, Portrait of a seated gentleman, his hand resting on a map of Portugal.
Manuel Manoel da Silva Passos por João Baptista Ribeiro, imp. 1837, Porto, Lith. de Ribeiro.
Corringe's e Biblioteca Nacional de Portugal

Passado pouco tempo, Manuel e José abandonariam Inglaterra com destino a França, a partir de onde passariam a fazer oposição à fação política chefiada por Palmela. (1)


(1) Fábio Alexandre Faria, O exílio liberal português de 1828-1832, um fenómeno multidimensional: práticas sociais e culturais

Passos Manoel, por L. A. Rebelo da Silva, Vol. IV n.° 5
Passos Manoel, por L. A. Rebelo da Silva, Vol. IV n.° 6
Passos Manoel, por L. A. Rebelo da Silva, Vol. IV n.° 7

Artigos relacionados:
O partido setembrista, Lisboa 1836
Manoel da Silva Passos, Lisboa 1836
A Belemzada, Lisboa 1836

Leitura relacionada:
Magda Pinheiro, Passos Manuel, o patriota e o seu tempo, Matosinhos, Afrontamento, 1996
Magda Pinheiro, Uma viagem à casa de Passos Manuel As viagens na minha terra em perspectiva histórica