domingo, 7 de julho de 2024

Silva Porto, retratos de Adelaide

A portaria de 18 de Setembro nomeia dois pensionistas no estrangeiro: Silva Porto e Marques de Oliveira. Seguem juntos para Lisboa embarcando, rumo a França, em 29 de Outubro.

Qualquer equívoco nas repartições oficiais ocasionou um atraso na primeira mensalidade, como se depreende de uma carta de 11 de Dezembro, assinada pelo conselheiro António José Torres Pereira, enfermeiro mor dos Hospitais, director dos Negócios Administrativos do Ministério do Reino, na qual, em resposta a outra do pensionista, se diz estarem à disposição dos interessados, pela Agência Financial de Londres, as importâncias relativas aos meses de Novembro de 1873 até Junho de 1874 (à volta de 54.200 réis mensais).

Retrato de Adelaide Torres Pereira (detalhe), Silva Porto
Fundação Casa de Bragança

A demora, acrescenta o zeloso funcionário, foi por «não constar nesta Rep., nem o dia da sua partida, nem mesmo o da sua chegada a Paris». O conselheiro Torres Pereira morava no prédio junto ao Hospital da Ordem Terceira, frente ao pátio e traseiras da Academia de Belas Artes. Do seu rancho de filhos faz parte a menina Adelaide, ao tempo com uns onze anos, onze inocentes e risonhas primaveras.

Retrato de Adelaide Torres Pereira, Silva Porto
Varela Aldemira, Silva Porto (1850-1893)

Quem ousaria adivinhar? O pensionista de Paris, homem de contas certas, ao reclamar os dinheiros atrasados, dirigia-se ao seu futuro sogro. Por sua vez, o ilustre burocrata da capital, ao dar plena satisfação a um jovem artista seu desconhecido, estava escrevendo àquele que deverá ser um genro modelo (...)

A constituição de um lar estava no temperamento do paisagista crematístico, afeiçoado às do- çuras de uma existência regrada, e, para isso, o antigo arquitecto faz projectos calculados e orçamentados, avareza no trabalhar e gastar, diferente das unhas de fome na vulgar razão do amealhar.

Retrato de Adelaide Torres Pereira, Silva Porto
Fundação Casa de Bragança

Em 25 de Abril, precisamente o dia da abertura da grande Exposição da Promotora, de que já nos ocupámos, o pintor dirige uma carta à sua prometida Adelaide Torres Pereira, «a linda menina que mora defronte», dizia-se no pátio da aula de paisagem, a filha mais distinta do conselheiro Torres, ilustre burocrata conhecido dos pensionistas.

No canto superior da missiva, um raminho de flores impresso em relevo colorido precede as «duas palavras: amar e ser amado». A noiva está em Benfica: o artista não a esquece, apesar da distância impedir «contemplá-la maior número de vezes....

Retrato de Adelaide Porto, Silva Porto, 1882
Museu Nacional Soares dos Reis


Hoje é a abertura da Exposição, que certamente impede a visita habitual, rogando desculpas. O acontecimento maior para o artista, mal aflora na austera e sucinta epístola: a Exposição, uma palavra só, tudo, e por ela sacrificar a vida inteira, sem faltar um ano à chamada. A doença e o luto pelo pai da noiva atrasam o casamento, efectuado dois anos depois (...)

O Álbum ou Conversando, Silva Porto, 1885
(Maria Augusta Bordallo Pinheiro e  Adelaide Torres Pereira)
Varela Aldemira, Silva Porto (1850-1893)

O álbum, recolhido intimismo de duas senhoras, a esposa do artista e uma amiga folheando páginas ilustradas (mais conhecido por Conversando). Na pintura de interior, Silva Porto vence a timidez, garboso na presença de modelos familiares, os de casa e os de particular aproximação, o campónio humilde, a mansa bestiagem que não recusa a pose, amigos sem exigências para o caso de o retrato ficar menos «parecido». (1)


(1) Varela Aldemira, Silva Porto (1850-1893)

Artigos relacionados:
Silva Porto (falecido a 1 de junho de 1893)
Silva Porto (pequena biografia)
António Carvalho da Silva Porto, breve roteiro
etc.

Leitura relacionada:
Sara Beirão Antunes, Osdesenhos de Silva Porto no acervo artístico da SNBA
Ana Catarina Dantas, Silva Porto - Vida, Obra e a Sociedade Nacional de Belas Artes

Mais informação:
João Macdonald, Projecto L7885 Grupo do Leão

Tema:
Grupo do Leão

sábado, 6 de julho de 2024

Typos e costumes populares

Podendo considerar que durante séculos coexistiu uma apropriação entre as elites e o povo foi, de facto, com a pintura tardio-setecentista, com nomes como Jean-Baptiste Pillement (1728-1808), Alexandre-Jean Noel (1752-1834) e Nicolas Delerive (1755-1818), que vemos surgir, pela primeira vez, pequenas cenas de costumes inseridas na pintura de paisagem, um dos géneros pictóricos mais divulgados na época.

At the mouth of the River Tagus, Jean-Baptiste Pillement
MutualArt

De facto, é neles que encontramos os primeiros apontamentos do universo bucólico, absorto na inocência e simplicidade dos costumes rurais, apesar que não de forma explícita ou centralizada a nível de temática e enquadramento (...)

Aqueduto das Águas Livres, Alexandre Jean Nöel, 1792
(vista a jusante dos arcos com a Ermida de Sant'Anna)
Biblioteca Nacional de Portugal

Ao mesmo tempo que se davam os primeiros passos na representação dos populares nas artes em Portugal, os relatos dos viajantes e militares, ora com o fenómeno do Grand Tour, ora proporcionados pelas campanhas da Guerra Peninsular, concentravam um interesse pelos seus tipos característicos, costumes e infra-estruturas.

Feira da Ladra na Praça da Alegria em Lisboa (década de 1810), Nicolas Delaerive
MNAA

Estas aventuras turísticas a que se votaram William Beckford (1760-1844), Robert Southey (1774-1843), Lord Byron (1788-1824), Hans Christian Andersen (1805-1875), entre tantos outros, são autênticas resenhas de costumes civis ou populares que ao longo do século XIX serão amplamente reinterpretadas.

Aqueduto das águas livres, ponte e ribeira de Alcântara, século XIX
(cf.
William Beckford,  Sketches of the Country, Character, and Costume, 1808-1809)
Cabral Moncada Leilões

Alguns viajantes foram também gravadores, o que resultou numa tradução “directa” em imagens de tais costumes civis ou populares.

Vista do aqueduto de Lisboa, Henri l'Évêque, 1809
Cabral Moncada Leilões

Desenvolve-se então a gravura de costumes conhecendo-se nesta altura nomes como Nicolas-Louis-Albert Delerive (1755-1818), Zacharie Félix Doumet (1761-1818), Henry L’Évêque (1769- 1832), William Bradford (1779-1857), Jorge Bekkerster Joubert (1813-?) ou João Macphail (1816?-1856), sendo pioneiros a fazer circular imagens sobre os tipos populares portugueses que poucos anos depois viriam a ser reinterpretadas e aumentadas por outros gravadores e artistas, como por João Palhares (1810-1890), Manuel de Macedo (1839-1915), Alfredo Roque Gameiro (1864-1935), Alfredo Morais (1872-1971), Alberto Souza (1880-1961) ou até pelo figurado escultórico de Teixeira Lopes Pai (1837-1918) (...)

Aqueduto de Lisboa, Tomás da Annunciação, c. 1850.
Biblioteca Nacional de Portugal

Assim, imbuídos do espírito dos nossos escritores e da escola romântica estrangeira, Augusto Roquemont (1804-1852), Tomás da Anunciação (1818-1879), Francisco José de Resende (1825-1893), Leonel Marques Pereira (1828-1892), António José Patrício (1827-1858), João Cristino da Silva (1829-1877) e Manuel de Macedo (1836-1915), proporcionarão a estabilização do género, sustentando a retoma às origens, a procura da simplicidade rural, elogiando a saúde e qualidade de vida pré-industriais, representando de forma esbelta, proporcional e numa paleta excepcional, os usos e costumes portugueses (...)

Vista de uma parte da feira do Campo Grande, Tomás da Anunciação, c. 1850.
Biblioteca Nacional de Portugal

Com desenvolvimento litográfico e tipográfico dos meados do século XIX, vemos João Palhares a editar por três vezes uma extensa série de litografias denominadas de Costumes Populares Portugueses.
[...]

Guarda Municipal de Lisboa
Typos Costumes Portugueses, João Palhares, c. 1850
Biblioteca Nacional de Portugal

De tiragem significativa, mas até hoje não apurada, desconhece-se maioritariamente a proveniência das imagens representadas (se por um lado algumas imagens são reinterpretações doutros gravadores, por outro, determinados “tipos populares” surgem só nas suas litografias).

Novamente entendemos que as gravuras são muito “de inspiração”, sem noção das circunstâncias sociais, ou até mesmo dos factores determinantes, como económicos e geográficos, para a escolha de determinada indumentária em relação às designações e regiões atribuídas. (1)


(1) Gil Sousa Pinho, Decursos e discursos da tradição (...), 2021

Leitura relacionada:
Agostinho Araújo, Experiência da natureza e sensibilidade pré-romântica em Portugal (...), 1991
As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes

sábado, 29 de junho de 2024

Zacharie-Félix Doumet (1761-1818)

Entre as folhas de um album antigo encontrei, desenhadas e aguareladas por Zacharie Felix Doumet, algumas interessantissimas representações de episodios da vida portuguesa do fim do seculo xviii. Como póde este pintor estrangeiro observar com tamanha justeza o meio português de então?

Marché portugais, Zacharie-Félix Doumet (1761-1818)
Museu de Lisboa


Zacharie Felix Doumet, fiiho de Gaspar Doumet, mestre-pintor do rei, nasceu em Toulon a 4 de dezembro âe 1761. Aprendeu com seu pae e foi admitido como pintor de marinhas no Arsenal da cidade, onde se conservou até aos graves acontecimentos que destruiram parte da povoação e o proprio Arsenal.

Emigrou então para a Corsega, e, tres anos depois, para Portugal (1796-1806), conseguindo empregar-se, em Lisboa, numa das repartições do Real Corpo de Engenheiros. Voltou a Toulon em 1806, e faleceu em Draguignan em 1818, com 57 anos de idade.

Doumet pensava decerto publicar um livro de memorias ou de viagens, ilustrado com os seus desenhos. Nesse intuito coligiu os quadrinhos que agora se publicam, e que estão preparados para a reprodução em gravura a córes, com as respetivas cercaduras, numeração, legendas e assinaturas, ao gosto da epoca.

Os seus desenhos são tratados como miniaturas, com um a delicadeza assombrosa de promenores. O antigo pintor do Arsenal denuncia-se na reprodução das náus, dos barcos, das noss as muletas, etc., não faltando nas aguarelas, apezar das suas dimensões restritas, o mais insignificante detalhe de arquitetura naval.

Vue d'une partie de Lisbonne en Portugal, Zacharie-Félix Doumet (1761-1818)
Museu de Lisboa


As figuras são cuidadosamente entrajadas, denotando as atitudes e as côres uma observação atenta e alegre, melhor revelada na ironia leve com que alguns episodios populares são tratados.

As gravuras que acompanham estas notas, representam: a primeira, quatro mariolas, transportando uma pipa «a pau e corda»: a scena passa-se no Caes do Sodré, divisando-se no Tejo, á esquerda, uma náu portuguesa, e á direita, entre outros barcos, uma fragata inglesa.

Maniére de porter les barriques de vin, Zacharie-Félix Doumet (1761-1818)
Hemeroteca Digital de Lisboa

A segunda mostra-nos o preto andador, de opa azul e branca, dando o Menino Jesus na sua maquineta de vidro e flores de talco, a beijar a uma mulher de lenço e capa de ramagens, emquanto o marido, oficial de linha , esportula a respetiva esmola.

L'enfant Jesus, Zacharie-Félix Doumet (1761-1818)
Hemeroteca Digital de Lisboa


Le Menino Jesus, l'agoadeiro et le dragon portugais, Zacharie-Félix Doumet (1761-1818)
Museu de Lisboa

Na ultima, a que Doumet intitulou "as vesperas do Natal", notam-se pequenos aspectos da vida das ruas, caraterísticos da epoca do ano a que al udem.Num grupo, mulheres de capote vermelho ou vasquinha debruada e lenço branco, e homens de bicorne, vestia ou gabão, abrigados por um chapelão de mercado, cinzento, vendem queijos, laranjas e ovos.

Les aproches de Noël, Zacharie-Félix Doumet (1761-1818)
Hemeroteca Digital de Lisboa

Mais adeante, uma outra vendedóra acocóra-se junto do seu cesto, perto de um perú enfatuado. Outros galinaceos espalhados pelo quadro esperam descuidosamente o dia do sacrificio.

Ao fundo, um preto velho, de opa, vara e maquineta, talvez o mesmo da aguarela anterior, segue na sua faina de andadôr, pedindo para o Menino a um «homem de ganhar» que vae passando. (1)

São poucos os documentos iconográficos que possuimos a respeito dos mercados portugueses dos fins do seculo xviii. Murphy, Kinsey, Baillie, Bradford, Léveque, e outros, reproduzindo, em gravuras soltas ou nas que acompanham as relações das suas viagens, tipos populares portugueses, raramente agruparam essas figuras de modo a indicarem, no conjunto, qualquer aspéto de um mercado.

Por outro lado, Stadler, Wells, Sofia Wagner, Humphrey e Dunstan Gordon — que presumo seja o autor que desenhou as pitorescas scenas do Scketches of Portuguese Life — procuraram apenas dar a impressão aproximada e despretenciosa dos episódios da nossa vida rural, desenhando e fazendo gravar, nas suas composições mais vastas, quadrinhos campestres, em que aparecem tipos populares.

Ora Zacharie Doumet, o minucioso pintor francês a quem no numero anterior me referi, deixou-nos, nas folhas do seu album, numerosos aspétos dos mercados da época, desenhados do natural. Não lhe escaparam, por isso, nem as atitudes e os trajos dos vendilhões e compradores, nem os pequenos incidentes característicos do ajuntamento, taes como os cães brincando com as galinhas, ou o burro filosofando tranquilo ante um cesto pojado de legumes...

Marché portugais, Zacharie-Félix Doumet (1761-1818)
Hemeroteca Digital de Lisboa

Entre as personagens representadas, salientam-se o frade, de habito pardo e escapulário, o negociante, com seu bicorne e capote de mangas, e o sargento, de farda azul com peitilho e vivos brancos e chapeu debruado, que faz a polícia do mercado.

Marché portugais, Zacharie-Félix Doumet (1761-1818)
Hemeroteca Digital de Lisboa

Doumet reproduz com muito cuidado os trajos. As mulheres usam, quasi invariavelmente, uma saia de baixo, amarela, sendo a que trazem apanhada sob a cinta, azul ou arroxeada; a vasquinha é vermelha, debruada de azul ; os capotes, com cabeção, amarelados ou escuros, e os lenços, brancos, assentando o carapuço ou chapeu sempre sobre o lenço.

Marché portugais, Zacharie-Félix Doumet (1761-1818)
Hemeroteca Digital de Lisboa

Os homens trajam véstias cór de castanha ou azuladas, debruadas de fita, e coletes vermelhos.

Marché portugais, Zacharie-Félix Doumet (1761-1818)
Hemeroteca Digital de Lisboa

 

O chapeu é geralmente um bicorne agaloado de amarelo ou azul, e os carapuços são amarelados ou vermelhos. Os capotes, cór de pinhão ou de azeitona, tem cabeção, mangas, e ·Um capuz, forrado de verde.

La conversation portugaise ou le temps perdu, Zacharie-Félix Doumet (1761-1818)
ComJeitoeArte

A proteger as pernas, usam as personagens, além dos calções de fazendas grossas, polainas de pano ou meias brancas. Na frente dos sapatos, arqueia-se quasi sempre uma daquelas grandes fivelas, tão satirizadas pelos folhetos de cordel da época. (2)


(1) Luís Keil, Scenas da vida portuguesa (fim do século xviii), Terra Portuguesa 21/23, 1917
(2) Luís Keil, Antigos mercados portugueses, Terra Portuguesa 24, 1918

Mais informação:
ComJeitoeArte, Costumes portugueses - Doumet, Zacharie Félix
Museu de Lisboa

segunda-feira, 24 de junho de 2024

Brigue Viajante

Foi ao mar, no dia 19, o Brigue Viajante, construido pelo habil constructor o sr. Silva, no estaleiro de Porto Brandào, ao Sul do Tejo.

Brigue Viajante, João Pedroso
Cabral Moncada Leilões

São geralmente elogiadas as contrucções do sr. Silva pela sua elegancia e valentia.

Barca [Brigue] Viajante (João Pedroso, atrib.).
Invaluable

Os bem conhecidos lindos navios — Brigue, Bom Successo, palhabote, Veloz, e barca, Izabel, foram egualmente construidos pelo sr. Silva. Consta que este senhor já recebeu encommendas de novos vasos; oxalá que tal noticia ae verifique.

Barca Isabel, 1851.
"Janêllos" da História: Os Serzedello

A marinha mercante nacional, e o credito das nossa construcções navaes, ganham muito em que o sr. Silva seja animado e honrado, como incontestavelmenle merece, na profissão que, com tanto amor, sabe exercer. (1)


(1) Revista Popular, 1851

Artigos relacionados:
Barca Isabel
Planos inclinados de 1865

domingo, 23 de junho de 2024

Dispersos, anónimos ou em falta

A. E. Hoffman

Fantoches, autor desconhecido, no Museu de Lisboa que atribuímos a A. E. Hoffman, no contexto das Guerras Liberais ou da vitória dos liberais sobre os absolutistas, c. 1835.

Fantoches, autor desconhecido
(possível A. E. Hoffman c. 1835)
Museu de Lisboa

Bailarico em Cacilhas, datato da década de 1810, da colecção do dr. José Coelho da Cunha (de momento não temos informação do seu paradeiro), fez da nossa parte objecto de um apontamento dedicado (v. Bailarico em Cacilhas).

Bailarico em Cacilhas, possível original de A. E. Hoffman, c. 1835
Alberto de Souza, Alfacinhas, Os Lisboêtas do passado e do presente

Saltimbancos (ou Largo do Corpo Santo ), A. E. Hoffman c. 1833, no Museu de Lisboa, pertencia ao engenheiro Vieira da Silva. Referia um local errado para a cena nele descrita. Apresenta, de facto, o Largo dos Remolares, posteriormente Praça do Duque da Terceira.

Saltimbancos, A. E. Hoffman, c. 1833
Museu de Lisboa



Alexandre-Jean Nöel


Comemoração da abolição do imposto sobre o pescado, atribuido a Alexandre-Jean Nöel (1787-1788), cremos que ainda pertença ao ao Museu Nacional de Arte Antiga, como referido no catálogo da exposição de documentos e obras de arte relativos à história de Lisboa, 1947.

Cortejo no Tejo
(comemoração da abolição do imposto sobre o pescado)
Pertence ao Museu Nacional de Arte Antiga
Arquivo Municipal de Lisboa


Nicolas Delerive


Junot passando revista às tropas no Rossio/Parada dos Voluntários reais no Rossio, que atribuimos a Nicola Delerive. Cremos que ainda pertença ao ao Museu Nacional de Arte Antiga,

Junot passando revista às tropas no Rossio, anónimo.
Pertence ao Ex.mo Senhor Eduardo Mendia.
Catálogo da exposição de documentos e obras de arte relativos à história de Lisboa, MNAA, 1947


Tony de Bergue


Casamento de D. Maria II com D. Fernando II em 1836. Cremos que ainda pertença ao ao Museu Nacional de Arte Antiga,

Casamento de D. Maria II com D. Fernando II em 1836.
Igreja de Santos o Velho, óleo sobre tela da autoria de Tony de Bergue, meados do século XIX.
Pertence ao Ex.mo Senhor Pedro Costa.
Arquivo Municipal de Lisboa


Henri l'Évêque


Pelo grafismos, olhos expressivos, rosto amplo permitindo uma boa aguarelagem, atribuímos o desenho a Henri l'Évêque, embora a imagem não tenha sido incluída em Costume of Portugal, 1814.

O pobre dos bonecos, Oficina Régia Litográfica, impr. 1832
(Costumes portugueses ou Colecção dos trajos, usos e costumes mais notáveis e característicos dos habitantes de Lisboa e Províncias de Portugal, 1832-35)
Biblioteca Nacional de Portugal



Artigos relacionados:
Uma exposição no tempo... 1947

domingo, 16 de junho de 2024

O barbeiro, Dom Roberto e outros...

Tudo começa de uma forma muito ingénua: no dia do seu casamento, Dom Roberto vai ao barbeiro para cortar a barba. A acção desenvolve-se por entre um sem-número de peripécias cómicas ao longo das quais o ritmo da acção vai crescendo.

Espectaculo de TÍTIRES em Lisboa pelo começo deste seculo
Nicolas Delarive
(Espectaculo de títires em Lisboa, pelo começo deste seculo / Novaes lith. ; Delarive)
Arquivo Municipal de Lisboa

No final o nosso herói recusa-se a pagar, porque acha o preço muito caro (10 tostões) e envolve-se em grande pancadaria com o barbeiro, que acaba por morrer. Até esta altura, a trama é claramente inspirada nas representações burlescas dos ofícios (o do Barbeiro), que integravam as famosas procissões do Corpus Christi, nas quais, atrás de carroças exibindo alegorias religiosas, vinham grupos de gente representando os diversos misteres, quase sempre de forma caricata, para grande gáudio do povo que a elas assistia.

Nicolas Delerive, loja de barbeiro
Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva



Ainda hoje esta situação constitui um clássico do humor dos “palhaços” e, curiosamente, vamos também encontrá-la no reportório dos Bonecos de Santo Aleixo, as pícaras marionetas de varão do sul de Portugal.(1)

É ao nível do reportório que mais facilmente se detectam as influências que determinaram o aparecimento do Teatro Dom Roberto. A sua análise fornece-nos informações preciosas sobre os contextos sócio-históricos que marcaram a sua evolução através dos tempos, nos quais o fantoche sempre se assumiu como veículo do sentir popular.

O barbeiro diabólico
Valdevinos
Teatro Tradicional Português de Marionetas (fb)

No conjunto de peças conhecidas encontramos histórias “clássicas” do reportório europeu, reinventadas, outras que nasceram de ímpetos colectivos determinados por situações politico-sociais e até religiosas, de contos da sabedoria popular, de manifestações da cultura tradicional e ainda do chamado Teatro de Cordel (teatro de comédia ou drama muito em voga no séc. XVIII, que deve o seu nome ao facto dos textos serem apregoados nas ruas, impressos em grandes folhetos dependurados num cordel).

O pobre dos bonecos, Oficina Régia Litográfica, impr. 1832
(Costumes portugueses ou Colecção dos trajos, usos e costumes mais notáveis e característicos dos habitantes de Lisboa e Províncias de Portugal, 1832-35)
Biblioteca Nacional de Portugal

A mais famosa peça que chegou aos nossos dias, passada de geração em geração de bonecreiros, é “O Barbeiro”. Nela é evidente a simbiose da tradição europeia com a cultura portuguesa. (2)


(1) Marionetas do Porto, Teatro Dom Roberto, breve história e notas
(2) Idem

Artigos relacionados:
Nicolas Delerive (1755-1818)
Henri l'Évêque (1769-1832)

Leitura relacionada:
José Luís de Oliveira, O teatro de bonifrates em Portugal durante o Estado Novo (1933-1974)
Restos de colecção, Teatros de fantoches (...)
Romeu Correia, Roberta (...), Lisboa, Livraria Sam Carlos, 1971
Irisalva Moita, O povo de Lisboa, tipos, modos de vida, ambiente, mercados e feiras, divertimentos, mentalidade, Câmara Municipal de Lisboa, Direcção dos Serviços Centrais e Culturais, 1979

Mais informação:
Museu da Marioneta
Dom Roberto (filme de José Ernesto de Sousa, 1962, Wikipédia)

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Retratos verdadeiros de Sant'António

Não existe uma imagem de Santo Antônio que lhe seja contemporânea e as mais antigas imagens que a ele se referem, apareceram a partir do final de 1200, são muito diversas uma das outras e não nos dão a possibilidade de reconstruir o seu aspecto físico. Para podermos imaginar como ele era, nos resta somente alguns rápidos passos literários.

Santo António de Lisboa proveniente do Convento de Jesus em Setúbal
(c. 1510-1540)
Museu Nacional de Arte Antiga

O autor da «Assídua» (a primeira biografia do Santo), referindo-se à pregação do Santo realizada em Pádua durante a quaresma do ano em que morreu diz: «Causa realmente maravilha o fato de ser ele aflito por uma certa natural corpulência e também por uma contínua doença, e que porém, pelo zelo assíduo das almas, ele não deixasse nunca de pregar, de ensinar e de ouvir as confissões até o pôr do sol e quase sempre em jejum». (1)

Desde o começo da nacionalidade portuguesa, que no alto desta colina (Olivais) existiu uma capela de invocação de Santo Antão. Em 1217-18, a mulher de D. Afonso II, D. Urraca, cedeu essa capela aos franciscanos, acabados de chegar a Portugal, que aqui se estabeleceram precariamente. Recorde-se, a propósito, que a Ordem dos Franciscanos, fundada em 1209, rapidamente se espalhou por toda a Europa.

Junto à capelinha de Santo Antão, fundaram os franciscanos um humilde eremitério. Em 1219, aqui veio pousar Frei Otto com quatro companheiros (Frei Berardo, Frei Pedro, Frei Acúrsio e Frei Adjuto) na sua caminhada para a missão de Marrocos e para a morte, pois são os primeiros franciscanos sacrificados à fé de Cristo, decapitados pelo sultão, Abu-Jacub.

Mártires de Marrocos, Francisco Henriques, 1508-1511
Mosteiro de São Francisco de Évora

Museu Nacional de Arte Antiga

Quando em 1220 as relíquias dos Cinco Mártires de Marrocos, trazidas por influência do Infante D. Pedro, filho de D. Sancho I, chegam ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, Santo António, que nesse ano tinha tomado a ordem sacerdotal, sente-se irresistivelmente atraído pelo espírito franciscano.

Deixa o opulento mosteiro crúzio para ir viver no pobre hospício dos Olivais, troca o hábito e a murça branca de cónego regrante de Santo Agostinho pelo burel franciscano e muda o nome de batismo – Fernando – para o de António e, em Julho desse mesmo ano, parte para Marrocos.

Verdadeiro Retrato de Santo António de Lisboa
(séc. xviii)
Santo António dos Olivais

Após a sua canonização, em 1232, este modesto convento dos Olivais de Coimbra, em memória do grande taumaturgo, mudou a invocação de Santo Antão para Santo António. (2)


(1) Assídua cf.Iconografia antoniana, Santo Antônio através dos séculos
(2) Santo António dos Olivais

Leitura relacionada:
Conrad de Mandach, Saint Antoine de Padoue et l'art italien, 1870
Santo António na literatura e na arte portuguesas
D. Carlos A. Moreira Azevedo, Variantes iconográficas nas representações antonianas, 2010
Isabel M. D. A. V. Santos, Do altar ao palco Santo António na tradição (...), 2014
Isabel M. D. A. V. Santos, Do altar ao palco Santo António na tradição (...) anexos, 2014
Cícero Moraes, Eis o rosto de Santo Antônio! 2014
Il vero volto di Sant’Antonio
New insights into the physical appearance of St Anthony of Padua
Questões político-sociais na Legenda Assídua