terça-feira, 25 de abril de 2023

O barco de Martim Affonso (Mar da Palha II)

Vendo que passar não podia por azo da frota, chegou e mandou dizer aos de Almada, que lhe dessem a villa, e que fossem seus, que lhes faria por ello mercês. Os do logar responderam entre outras razões, que elles eram portuguezes, e não entendiam fazer mudança, mas como Lisboa fizesse, que assim fariam elles.

Chroniques de Froissart,
Siege by the Spaniards of Lisbon in 1383.

GALLERIX

Estando d'esta guisa, a cabo de três ou quatro dias, que Diogo Lopes chegou (Diogo Lopes Pacheco, um dos responsáveis pela morte de Inês de Castro, já octagenário, teria regressado de Castela para servir o Mestre. Com ele vieram os seus três filhos e trinta homens), sabendo el-rei parte de sua vinda mandou de noite encubertamente passar em galés e bateis e naus muitas gentes e besteiros e cavallos, e duas galés d'ellas foram a Margueira, que é um porto acerca da villa, e estiveram quedas.

Duas ou trés galés passaram toda a noite aquelles que el-rei mandou, e foram aportar ao cabo de Martim Affonso, acima da Mutela da Ribeira (...) (1)

Terá sido em resposta ao condicionamento da circulação de embarcações no período da vazante
(no Mar da Palha) que um Martim Afonso, em data incerta, instituiu, como obra de caridade, a fundação de uma albergaria e funcionamento de uma barca que passasse, de dia e de noite, gratuitamente, todos os que necessitassem de alcançar a outro lado do rio.

A sua localização assim o indica, precisamente o entrada do golfo que banhava os territórios da Arrentela, Amora e Corroios e para onde passaram a convergir uma série de caminhos terrestres de âmbito local. Além disso, permitia ainda a ligação pelo rio a Cacilhas.

Palmela vista da estrada da Moita, Estremadura.
Historical military picturesque..., George Landmann.
Biblioteca Nacional de Portugal

A felicidade da iniciativa, e simultaneamente a sua eficácia, ficou materializada na fortuna do próprio nome do barco e do local eleito para o seu ancoradouro. Aí cresceu no início do século XVI a povoação do Seixal, que, rapidamente, se tornaria num dos principais centros piscatórios e portuários do Mar da Palha.

Barca de São Vicente, Chafariz de Andaluz, Lisboa, 1374.

Quanto ao nome, tornou-se o referente de todos os esteiros a que dava acesso — na terminologia da documentação quatrocentista: «O Mar do Barco de Martim Afonso». Quanto ao nome, tornou-se o referente de todos os esteiros a que dava acesso — na terminologia da documentação quatrocentista: «O Mar do Barco de Martim Afonso» (2)

Diz El Rey: que Gomes Martins Doutor em leis, procurador da sua coroa, lhe enviara a dizer que no termo da Villa de Almada, haviam certos esteiros e abras nas suas terras, que todos saíam do mar donde chamam o barco de Martim Affonso os quais esteiros pertenciam à sua coroa;

Selo de cera com a Barca de S. Vicente, 1233.
Mosteiro de Santos-o-Novo maço 5 n° 815.
Cristina Micael, O sal no estuario do Tejo, 2011
cf. Os Portugueses e o Mar nos mais Antigos Documentos,
Lisboa, Banco Pinto & Sotto Mayor, 1990

e que de presente o Condestável D. Nuno Álvares Pereira (v. Nun'Alvares Pereira, bibliografia) mandava fazer neles azenhas, para as quais ia juntando os materiais, não sendo os ditos esteiros seus, pelo que requeria ao juiz da coroa que julgasse por sentença serem a ela, e nao ao dito Condestável pertencentes; e que dando-se vista ao mesmo Condestável, respondera seu procurador Pedro Affonso, dizendo:


Que El Rey fizera a ele Condestável doação da dita Villa de Almada, e seu termo, com todos os direitos , e bens anexos, e que por virtude da mesma doação podia ele fazer as ditas azenhas, como em coufsa própria, porque aqueas terras lhe foram dadas sem clausula ou condição alguma (...)

Xilogravura, Crónica do Condestabre, 2.a ed., 1554.
Iconografia do Santo Condestável

Da outra banda do Tejo, no termo da Villa de Almada, tem este Convento (do Carmo de Lisboa) a propriedade em todo o salgado, que entra do barco de Martim Affonso para dentro, sítio que também se chama Ponta dos Corvos, junto ao Seixal.


Este salgado entra daquela ponta para dentro dividido em quatro braços de mar: um deles vai para Corroyos, outro para Algenoa, outro para Amora, e em fim o outro para Arrentela, e a mesma propriedade tem em todas as abras, esteiros, terras, e aguas daquela enseada.

O canal do Rio Judeu visto da Arrentela.
Vista da Amora (à esquerda da imagem), Tomás da Anunciação, 1852
  MNAC (museu do Chiado)

Nestes esteiros deixou lá o Senhor Condestável edificado o Moinho de Corroyos, primeiro em todo aquele salgado: bem que salgados da outra banda. Moinho de Corroyos,  que pelo tempo adiante se edificarão mais quatro, alguns dos quaes o convento beneficia por si, e outros tem aforado a diferentes pessoas, que lhe pagam certas quantias de trigo, com a pensão de o entregarem no seu celeiro desta cidade (...) (3)


(1)Fernão Fernão, Chronica de el-rei D. João I, Vol. I, Cap. CXVII, Lisboa, Escriptorio, Bibliotheca de clássicos portugueses, 1897-1898
(2) José Augusto Oliveira, Na Península de Setúbal, em finais da Idade Média... 2008
(3) Frei José Pereira Santa Ana, Chronica dos Carmelitas, 1745

Leitura relacionada:
Maria da Graça Filipe, O Ecomuseu Municipal do Seixal no movimento renovador da museologia contempornea em Portugal (1979-1999)
Cristina Micael, O sal no estuario do Tejo, 2011
Carlos Consiglieri e Marília Abel, Os Comeres do Mar da Palha, Colares Editora

domingo, 23 de abril de 2023

Mar da Palha (I)

Antes de entrar no Atlântico, o Tejo, como que num último esforço de resistência à fusão na imensidade do oceano, detém-se frente a Lisboa e, com a ajuda da maré-cheia, espraia-se num amplo golfo, que penetra na margem meridional, prolongando-se em diversos e irregulares esteiros.

Lisboa XXX, Maluda, 1985.

É o Mar da Palha, esse amplo receptáculo de marés, onde já não se distingue a corrente fluvial do salgado das águas que ciclicamente ultrapassam a foz, rio acima.

Durante o Quaternário, as descidas do nível marinho provocadas pelas glaciações foram acompanhadas pelo aprofundamento do leito dos rios. Ficou, assim, o Tejo entalado, no seu troço último, pelo gargalo que antecede a foz.

Bellisle looking down the Tagus (detail), John Cleveley Jnr,  1775-1776.
Bonhams

Paralelamente, à progressiva elevação das serras de Sintra e da Arrábida, correspondeu o abaixamento da dobra côncava que limita a Península de Setúbal, na sua face norte sujeita ao regime das marés, ou seja, um golfo marinho — o Mar da Palha —, onde o rio desagua, uma primeira vez, antes de se anular definitivamente no oceano.

Nesta irregular depressão que marca a banda sul do Mar da Palha recortaram-se dois conjuntos de esteiros. A montante, uma mesma abertura conduz aos amplos braços do rio que atingem Alhos Vedros, Aldeia Galega e Moita; mais a ocidente, uma segunda entrada dá acesso, simultaneamente, ao profundo sulco que fende a península até atingir o porto de Coina, término do longo trajecto da ribeira homónima, e, de forma ínvia, ao pequeno mar interior ligado ao Tejo por uma estreita embocadura entre a Ponta dos Corvos e o lugar hoje ocupado pelo Seixal.

Mar da Palha.
Mappas das provincias de Portugal novamente abertos, e estampados em Lisboa (detalhe), 1769.
Internet Archive


Esta aberta dava, por sua vez, passagem a dois recessos com diferente orientação: apontado a sul, o canal apertado entre Arrentela e Amora que recebia as águas do Rio Judeu; inclinado para Ocidente, uma diminuta baía de contornoscaprichosos encontrava o seu ponto extremo em Corroios, para onde convergiam, oriundas do interior, diferentes linhas de água.

Este espaço resguardado — que passaremos, por comodidade, a designar como «Golfo do Seixal» —, fronteiro a Lisboa, apenas separado do Tejo pela língua de areia proveniente do Alfeite, via, no entanto, dificultada a comunicação com o rio pelo acanhamento da sua barra, subsidiária do esteiro de Coina (...)

Esboços de Paizages d'Mediterraneo e Lisboa, 33.
Bahia do Seixal, Luiz Gonzaga Pereira, 1809.
Museu de Lisboa

A baía é hoje rodeada por uma mancha de sapal nas margens norte e oeste, aceitando algumas praias junto à Arrentela e à Amora. A vazante dá lugar a bancos de areia e impede, consequentemente, a circulação de embarcações.

Às duas reentrâncias respeitam equivalentes sistemas de linhas de água. Na ocidental, entre Amora e Arrentela, desagua o Rio Judeu, também ele destino final de diversos afluentes de caudais mais ou menos insignificantes. Em direcção a Corroios cursam vários ribeiros, que confluem na vala da Sobreda. 
 
Moinho de maré de Corroios.
Pimentel, Alberto, A Estremadura portuguesa

Esta borda, de recorte irregular, com aberturas dissemelhantes, prolonga-se para jusante, por um arco até ao pontal de Cacilhas (...)

A única ribeira que corta perpendicularmente o território, aparece já no interior, sulcando o Vale de Mourelos à procura da praia do Caramujo, já no Mar da Palha, junto ao Alfeite (...) (1)


(1) José Augusto Oliveira, Na Península de Setúbal, em finais da Idade Média... 2008


Leitura relacionada:
Carlos Consiglieri e Marília Abel, Os Comeres do Mar da Palha, Colares Editora,

segunda-feira, 10 de abril de 2023

Almirante Marquês de Nisa, na corte do Czar

D. Domingos Xavier de Lima (1765-1802)

O primeiro encontro entre o Marquês de Nisa e o Czar Alexandre, realizou-se em 2 de Setembro de 1801 (...)

Domingos Xavier de Lima (1765-1802), 7° Marquês de Nisa, Domenico Pellegrini, 1801.
Museu de Marinha



Em Janeiro de 1802 Nisa recebe uma carta do ministro Melo e Castro que o informa do desejo do Czar em que ele continuasse em São Petersburgo, conforme carta que o Príncipe Alexander Kourakin enviara para Lisboa.

Mas parece que o Regente tinha outra ideia, porque um despacho de 27 de Janeiro diz-nos que apesar de se considerar muito positiva a acção de D. Domingos, está bem claro que há motivos de serviço que fazem preciso o regresso de V. Exa para esta Corte, não deixam os interesses da Família de V. Exa. de requererem a presença de V. Exa. em Lisboa (...)

Chegam, entretanto, a São Petersburgo notícias de que o Marquês estaria doente; foi o seu secretário, o CMG O’Connor que informou do seu falecimento a 30 de Junho na cidade de Koenigsberg, capital da Prússia. Causa da morte bexigas malignas (varíola).

O seu corpo ficou depositado na igreja católica de São João Baptista, sendo posteriormente transferido para uma abóbada onde facilmente poderia ser removido para Portugal. A esta cerimónia assistiram mais de 5.000 pessoas, entre elas o Cônsul de Portugal em São Petersburgo José Maria Roversi.


Com a notícia da morte do Marquês, houve algum pânico entre os comerciantes portugueses na Rússia; D. Domingos tinha-se socorrido daqueles para obter financiamento para as suas actividades, passando-lhes letras. Agora eles temiam que ninguém em Lisboa se responsabilizasse pelo pagamento das dívidas, tentando mesmo embargar a bagagem do Marquês, já embarcada no Pensamento Feliz que, devido ao mau tempo ainda se encontrava em Kronstadt.

Como já referimos atrás, D. Domingos tinha a preocupação de não onerar as contas da Fazenda Pública com algumas das suas despesas de representação. Por este facto, a sua viúva viu-se confrontada com dívidas, deixadas pelo marido e, para as quais, não tinha capacidade financeira para pagar.

Viu-se então na necessidade de apresentar uma longa petição ao Príncipe Regente em que, propunha que lhe fossem atribuídas duas comendas com cujas rendas poderia honrar as dívidas do Marquês.

Desconhece-se o que decidiu o Príncipe, mas a 9 de Fevereiro de 1803 o ministro António de Araújo de Azevedo, que substituíra Nisa, comunicou que o Cônsul Roversi dispunha de uma verba de 13.000 rublos que deveria remeter ao Real Erário por ordem da marquesa de Nisa; isto leva a supor que as contas do Marquês estavam saldadas. Apesar do esquecimento a que foi votado — o seu corpo nunca veio para Portugal (...) (1)


(1) José Rodrigues Pereira, Academia de Marinha, Memórias, 2015

Informação relacionada:
O ilustre almirante Marquês de Nisa, Revista da Armada, 2004
D. Domingos Xavier de Lima, 7° Marquês de NIsa (1765-1802, Revista da Armada, 2007
Academia de Marinha, Memorias

Mais informação:
Navios da Real Marinha de Guerra Portuguesa I
Navios da Real Marinha de Guerra Portuguesa II
etc.

domingo, 9 de abril de 2023

Almirante Marquês de Nisa, a Royal Navy

D. Domingos Xavier de Lima (1765-1802)

A 9 de Junho (de 1798) recebe ordens, pelo brigue Falcão, entretanto chegado aos Açores, para regressar a Lagos e avisar lorde Jervis que a esquadra estava disponível para cooperar com a Royal Navy (...)

Domingos Xavier de Lima (1765-1802), 7° Marquês de Nisa, Domenico Pellegrini, 1801.
Museu de Marinha



Esquadra do Oceano 1798-1800

 Tipo  Nome  Comandante  Guarnição 
 Peças 
 Nau  Príncipe Real   Chefe de divisão
 Conde de Puysegur 
 948   90 
 Nau  Rainha de Portugal    Chefe de divisão
 Thomas Stone  
 605   74 
 Nau  Afonso de Albuquerque   Chefe de divisão
 Donald Campbell  
 564   64 
 Nau  São Sebastião   Chefe de divisão
 Sampson Michell 
 564   64 
 Fragata   Benjamim   Capitão-tenente
 Jorge Thompson  
 111   26 
 Bergantim 
 Falcão  Capitão-tenente
 Miguel José de Oliveira Pinto 
 120  24

Nisa foi então a Cádis na Afonso de Albuquerque para se encontrar com Jervis; nesse encontro, realizado a 2 de Julho na nau britânica Ville de Paris, e a 5 de Julho já estava de volta a Lagos com as instruções para a comissão.

A frota portuguesa iria incorporar-se, como força auxiliar, sob as ordens de Nelson.

Nisa deveria ainda, segundo as instruções de Jervis, incorporar na sua esquadra o brulote Incendiary; entrar o mais rapidamente possível no mediterrâneo para se juntar a Nelson, evitar comunicar com as costas da Barbaria, Espanha ou Gibraltar e procurar obter informações sobre os movimentos de Nelson por navios de países neutros; navegar sempre ao largo de Maiorca, Livorno e Nápoles; depois de reunido com Nelson deveria tomar o comando da vanguarda da esquadra aliada, por ser o oficial mais graduado depois do comandante-chefe.

Nisa foi ainda informado por Jervis que no dia 6 de Junho tinha sido avistado, junto à costa napolitana, um grande comboio francês com tropas e escoltado por 8 naus e 5 ou 6 fragatas.

Os britânicos ignoravam ainda que o destino dessa força francesa era o Egipto onde Napoleão desembarcou e venceu os turcos na chamada batalha das Pirâmides; mas a sua campanha ficaria comprometida pela derrota e destruição da Armada francesa na batalha de Aboukir (ou do Nilo) pela esquadra britânica de Nelson em 1 de Agosto.

Jervis envia ainda uma carta a Nelson em que afirma, referindo-se aos navios portugueses; Envio esta pelo Marquês de Nisa que, eu espero, cedo vos auxiliará com quatro navios de linha bem manobrados, comandados e ordenados. O exercício que estes navios, no cruzeiro dos Açores, têm tido, melhorou os marinheiros no seu mister, os quais se encontram notavelmente sãos (...)

O Marquês concorda comigo que o melhor é experimentar os navios na vossa linha de batalha dois na divisão de estibordo, os quais serão comandados pelo marquês, e dois na de bombordo, comandados por Troubridge. Comuniquei este arranjo aos Lordes do Almirantado. Depois de abastecida, a esquadra portuguesa largou de Lagos a 13 de Julho em busca das forças de Nelson; no dia seguinte a nau inglesa Levianthan informou Nisa de que os franceses tinham tomado a ilha de Malta (...)

Não tendo encontrado Nelson em Nápoles, Nisa navegou para o Egipto onde, diziam, aquele se teria dirigido; mas também em Alexandria, onde chegou a 25 de Agosto, já o não encontrou; apenas ali estavam as 3 naus de Hood que ali ficaram de bloqueio depois da batalha naval de Aboukir.

A presença dos navios portugueses, pouco depois da batalha, terá levado Napoleão a pensar que estes tinham participado na batalha de Aboukir e a publicar, em Ordem do Exército que tempo virá que a nação portuguesa pagará com lágrimas de sangue o ultraje que está fazendo à República Francesa (...)

A 15 de Novembro a frota recebe ordens para apoiar um ataque a Livorno com tropas napolitanas. Quatro dias depois iniciaram-se os embarques das tropas largando a 22 com os navios ingleses; mas sendo mais veleiros, os portugueses atingiram o destino um dia mais cedo o que deixou Nelson irritado (...)

Rendida a guarnição da cidade e desem- barcadas as tropas regressam os navios a Nápoles, ficando a São Sebastião, a Benjamim e o Balão em patrulha ao largo do golfo de Génova.

O exército napolitano foi derrotado pelos franceses apesar de uma tentativa, apoiada por Nelson, de recuperar a Itália; o rei é obrigado a retirar para a Sicília. Nelson prepara em segredo esta retirada, mandando para bordo dos navios ingleses tudo quanto pode ser retirado dos palácios além dos tesouros régios e das jóias da rainha.

O Arsenal de Marinha sofre também uma pilhagem completa da parte dos britânicos (...)

A esquadra portuguesa recebe novas tarefas que dispersam os seus navios; a nau Afonso de Albuquerque é enviada na expedição a Tripoli, a São Sebastião segue de cruzeiro de bloqueio para a costa de Génova e a Rainha de Portugal dirigiu-se a Corfú e Trieste, para transportar os 70 refugiados eclesiásticos que haviam sido salvos em Nápoles (...)

Assinado o armistício a 14 de Maio foram entregues 200 prisioneiros feitos pelos portugueses e recebeu-se um valioso resgate, em dinheiro, pela libertação da fragata e os prisioneiros franceses que estavam em poder do Bei e que os ingleses haviam, sem sucesso, tentado já resgatar. Largando a 20, a nau chegou a Palermo a 31 de Maio.

O sucesso obtido em Trípoli levou D. Domingos a tentar idêntico acordo com a regência de Túnis. Para ali seguiu, a 20 de Junho de 1799, D. Rodrigo Pinto Guedes no brulote inglês Stromboli, mas só em Outubro atingiu Túnis; a habilidade diplomática de Pinto Guedes conseguiu obter uma paz com os tunisinos apesar da má vontade de Nelson como se demonstra pela carta muito secreta que enviou ao cônsul inglês naquela cidade:

O Marquês de Nisa manda o seu primeiro comandante, Dom qualquer coisa Pinto, para negociar uma trégua ou paz com Portugal. Este homem detesta o inglês. Peço-vos encarecidamente para entravar e não deixar progredir a sua missão, até que a do rei de Nápoles esteja cumprida. Tente, por todos os meios possíveis, impedir a paz com Portugal; faça ver ao bei que ambas as pazes ou tréguas devem ser assinadas ao mesmo tempo (...)


Os franceses, sitiados, chegaram ao último grau de necessidades e já se falava em capitulação e entrega, quando Nelson, para não deixar essa glória aos portugueses, fez render a esquadra portuguesa por navios ingleses.

Passados poucos dias Malta entregou-se ao próprio Nelson. (1)


(1) José Rodrigues Pereira, Academia de Marinha, Memórias, 2015

Informação relacionada:
O ilustre almirante Marquês de Nisa, Revista da Armada, 2004
D. Domingos Xavier de Lima, 7° Marquês de NIsa (1765-1802, Revista da Armada, 2007
Academia de Marinha, Memorias

Mais informação:
Navios da Real Marinha de Guerra Portuguesa I
Navios da Real Marinha de Guerra Portuguesa II
etc.

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Almirante Marquês de Nisa, chefe-de-esquadra

D. Domingos Xavier de Lima (1765-1802)

Foi-lhe atribuído (em fevereiro de 1794) o comando da nau Rainha de Portugal, que foi integrada na Esquadra do Canal – naus Vasco da Gama (74), D. Maria I (70), Conde D. Henrique (80), Rainha de Portugal (74) e Princesa da Beira (64), fragatas Princesa Carlota (44) e São Rafael (44) e brigues Voador (22) e Falcão (24) – comandada pelo Chefe-de-esquadra António Januário do Vale.

Domingos Xavier de Lima (1765-1802), 7° Marquês de Nisa, Domenico Pellegrini, 1801.
Museu de Marinha



Largando de Lisboa a 12 de Julho de 1794 a frota portuguesa participou com a esquadra britânica do almirante Howe no patrulhamento do Canal da Mancha e na escolta de navios mercantes. A sua última missão foi a escolta de navios provenientes das Índias Orientais e do Estreito até ao Cabo Finisterra em colaboração com as forças de Howe; em 1 de Março de 1795 regressou a esquadra ao Tejo após 14 dias de viagem (...)

Em 10 de Setembro de 1795 foi promovido a Chefe de Divisão, antes de completar 30 anos de idade, continuando, no entanto, no comando da nau Rainha de Portugal.

Terminava assim a sua brilhante carreira de oficial superior. Durante este período comandou 4 navios, três deles novos, num período de cinco anos (descontado o ano da participação na Campanha do Rossilhão) tendo andado fora da barra de Lisboa mais de 24 meses.

Foi-lhe atribuído então o comando de uma força naval – naus Rainha de Portugal (74) e Princesa da Beira (64), fragatas Ulisses (44) e Nossa Senhora das Necessidades (ou Tritão) (44) e brigue Gaivota do Mar (24) (...)


Em Dezembro de 1796, o Marquês de Nisa deixa o comando da Rainha de Portugal e passa para a nau Príncipe Real de 90 peças, por ter sido nomeado Chefe do Estado-Maior da esquadra surta no Tejo, então comandada pelo Tenente-general Bernardo Ramires Esquível.

Com o desembarque deste oficial em 9 de Janeiro de 1797, Nisa assumiu o comando daquela força naval.

Em 5 de Junho do mesmo ano, com 31 anos, Nisa foi promovido a Chefe-de-Esquadra, posto hoje correspondente a vice-almirante.

Uma carta Régia de 23 de Julho nomeia o Marquês de Nisa para comandante-chefe de uma esquadra de guarda-costas – naus Príncipe Real (90), Rainha de Portugal (74), Afonso de Albuquerque (64), Nossa Senhora do Monte do Carmo (ou Medusa) (74) e São Sebastião (64), corveta Andorinha (26) e brigue Lebre (24) – que deveria cruzar junto ao Cabo Finisterra durante 8 a 15 dias para proteger a navegação portuguesa contra os corsários franceses.


Depois deveria dirigir-se para o Cabo de São Vicente e integrar na sua esquadra todos os navios que se encontrassem ao Sul do Algarve. Deveria ainda a esquadra proteger a navegação dos navios de transporte que, de Tânger navegam para o Algarve e os do comércio do trigo da costa de África, nomeada- mente de Safim e de Mazagão; deveria ainda dar comboio a alguns navios que de Lisboa, iriam transportar munições para o Porto.

Caberia ainda a Nisa evitar que os franceses saíssem o estreito de Gibraltar e, caso aparecessem com forças superiores às suas participasse o facto ao almirante britânico Jervis – com quem deveria manter correspondência – para que o auxiliasse contra o inimigo comum. Durante esta missão deveria ainda ser providenciado o treino das guarnições em exercícios de guerra e manobras, bem como promover a prática aos oficiais de marinha.

A esquadra que saiu de Lisboa a 27 de Julho, manteve-se em cruzeiro até 13 de Outubro, tendo representado um intenso e prolongado treino de mar e de navegação para todos os navios.

Em 28 de Agosto de 1797 foi criada a Brigada Real de Marinha, que substituía os dois Regimentos da Armada e o Regimento de Artilharia da Marinha. Um Decreto de 17 de Outubro daquele ano nomeou o Marquês de Nisa para o cargo de Inspector daquela brigada, cargo que ocupou até Maio do ano seguinte, data em que foi nomeado para novo comando no mar.

Napoleão que prepara, em Toulon, a sua expedição ao Egipto sem que os ingleses se apercebam do seu destino, largou para o mar a 19 de Maio de 1798, e dirigiu-se a Malta, que ocupou; seguiu a 19 de Junho para o Egipto onde, depois de vencer a batalha das Pirâmides, a sua esquadra seria destruída por Nelson a 1 de Agosto.

Foi pela incerteza quanto ao destino da expedição francesa, que o Governo português mandou aprontar a Esquadra do Oceano, de 6 navios.

Em Maio de 1798 o chefe de esquadra (vice-almirante) Marquês de Nisa recebeu ordem para assumir o comando de uma esquadra que se destinava a cooperar com os ingleses no Mediterrâneo na luta contra os franceses.

Deveria, por isso dirigir-se a Lagos e entrar em contacto com o almirante lorde Jervis, comandante-chefe da esquadra britânica do Mediterrâneo e que se encontrava então no bloqueio do porto de Cádis.

The Harbour of Cádiz, Alexandre-Jean Noel, 1796.
British Library

Em Maio de 1798 o Marquês de Nisa assumiu o comando de uma força naval que se destinava a cooperar com os britânicos no Mediterrâneo. Nisa deixou Lisboa a 5 de Maio de 1798 com uma esquadra composta pelas naus Príncipe Real e Rainha de Portugal; deveriam juntar-se-lhe as naus Afonso de Albuquerque e São Sebastião, a fragata Benjamim e o brigue Falcão, todos já em cruzeiro na costa (...)

D. Domingos recebe, entretanto, instruções de Lisboa para não se juntar à esquadra britânica e seguir para os Açores onde deveria cruzar e esperar os navios da frota do Brasil que ali era aguardada.

Suspendendo a 20 de Maio de Lagos, Nisa aproveitou a viagem para estudar as qualidades náuticas dos navios e adestrar as guarnições. Concluiu o Marquês que a fragata Benjamim, com mar chão era o navio com melhor andamento; a nau Rainha de Portugal era a mais veleira das naus, e pelo contrá- rio, a São Sebastião e a Afonso de Albuquerque eram as mais ronceiras; a nau Príncipe Real andava mal de bolina e tinha mau governo, sendo difícil mantê-la no rumo (...) (1)


(1) José Rodrigues Pereira, Academia de Marinha, Memórias, 2015

Informação relacionada:
O ilustre almirante Marquês de Nisa, Revista da Armada, 2004
D. Domingos Xavier de Lima, 7° Marquês de NIsa (1765-1802, Revista da Armada, 2007
Academia de Marinha, Memorias

Mais informação:
Navios da Real Marinha de Guerra Portuguesa I
Navios da Real Marinha de Guerra Portuguesa II
etc.

Almirante Marquês de Nisa, na Campanha do Rossilhão

D. Domingos Xavier de Lima (1765-1802)

Em 21 de Novembro de 1790, o Capitão-de-fragata D. Domingos Xavier de Lima casou em Lisboa, com grande pompa, com D. Eugénia Maria Josefa Xavier Teles de Castro da Gama Ataíde Noronha Silveira e Sousa, filha de D. Rodrigo Xavier Teles de Castro da Gama Ataíde Noronha Silveira e Sousa, 6° Marquês de Nisa, 10° conde da Vidigueira, 10° Almirante do Mar da Índia, e de D. Maria Ana Xavier Teles de Lima, irmã de D. Domingos.

Domingos Xavier de Lima (1765-1802), 7° Marquês de Nisa, Domenico Pellegrini, 1801.
Museu de Marinha



Sobrinha do seu marido, D. Eugénia herdou os títulos nobiliários do seu pai. Após o casamento, o Príncipe Regente fez oferta daqueles títulos a D. Domingos, conforme consta da Gazeta de Lisboa de 30 de Novembro (...)

A 16 de Dezembro 1791, antes de completar 26 anos o agora Marquês de Nisa, foi promovido a Capitão-de-mar-e-guerra. O seu segundo comando no mar foi a fragata São Rafael Princesa do Brasil, navio de 44 peças e 329 homens de guarnição, construído no Arsenal da Marinha, onde foi lançada ao mar em 28 de Setembro de 1791 juntamente com a nau Rainha de Portugal e o brigue Serpente do Mar.

Lançamento à água da nau Maria I, da fragata Príncipe do Brasil e do bergantim Serpente do Mar na Ribeira das Naus, Alexandre-Jean Noël, 1789.
Arquivo Histórico da Marinha

Em 16 de Junho de 1792 aquela fragata, comandada pelo marquês de Nisa integrou-se na frota do Chefe-de-Esquadra José Sanches de Brito – nau Rainha de Portugal, fragata São Rafael Princesa do Brasil e brigues Lebre, Voador e Serpente do Mar – cuja missão era o transporte para o reino da Sardenha de uma missão diplomática.

Na fragata embarcou D. Lourenço de Lima, irmão do marquês, e enviado extraor-dinário e ministro plenipotenciário junto do rei de Nápoles. Tendo largado de Lisboa a 16 de Junho, os navios fizeram escala em Gibraltar de 19 a 23; ali deixaram o brigue Serpente do Mar e integraram a fragata São João Príncipe do Brasil. A 26 avistaram o cabo da Gata, avistaram a Sardenha a 13 de Julho e chegaram a Nápoles a 19.

Os navios foram recebidos com grandes honras e o comandante-chefe foi apresentado a Sua Majestade que visitou os navios no dia 22 e ofereceu um jantar ao comandante-chefe (...)


Os navios deixaram Nápoles a 20 de Setembro, entraram em Cagliari a 28 e largaram a 18 de Outubro. Chegados a Gibraltar em 28 do mesmo mês, os navios foram integrados na Esquadra do Estreito, cujo comando foi assumido por Sanches de Brito.

O Marquês de Nisa entrou no Tejo a 7 de Novembro com a frota do Chefe-de-esquadra Pedro de Mendonça de Moura – fragatas Fénix e São Rafael Princesa do Brasil, brigues Serpente do Mar e Falcão.

O seu terceiro comando no mar foi a nau Vasco da Gama, navio de 74 peças que fora lançada ao mar no Arsenal da Marinha em 15 de Dezembro de 1792.

Chegara a época das lutas contra a França Revolucionária que declarara guerra a todas as tiranias. Portugal prepara a sua esquadra para participar nas operações navais contra aos franceses.

Em 23 de Maio de 1793 largou para o mar, sob o comando do Tenente-general Bernardo Ramires Esquível, uma esquadra de 6 naus, 2 fragatas e 2 brigues para um período de treino no mar. Começava a despontar o Poder Naval Português que o Secretário de Estado Martinho de Melo e Castro planeara.

Na noite de 18 para 19 de Junho, no entanto, um violento temporal provoca avarias graves nos navios que foram obrigados a recolher-se a Lisboa. A Vasco da Gama entrou a barra a 22 juntamente com os outros navios.

Preparava-se então em Portugal uma divisão do exército para ir combater contra os franceses no Rossilhão (Catalunha), ao lado das forças espanholas.

D. Domingos resolve participar nessa expedição por fervor patriótico; pede a exoneração do comando do navio e a demissão de oficial da Armada Real – o que lhe foi dado em 1 de Outubro – e alistou-se como soldado voluntário naquela expedição.

A Divisão Portuguesa largou de Lisboa a 20 de Setembro e, após 50 dias de viagem, conseguiu desembarcar no porto de Rosas. Nisa seguiu a bordo da nau São Sebastião e deixou-nos escritas as suas impressões sobre esta viagem.


A 26 de Novembro as forças portuguesas entram em combate em Ceret, derrotando os franceses a quem apreenderam numeroso material e fizeram alguns prisioneiros. O Tenente-general espanhol, comandante daquela região, conde de União, teceu grandes elogios às forças portuguesas e recomendou, especialmente, ao General Ricardos o voluntário Marquês de Nisa (...)

Com o aproximar do Inverno, os exércitos recolheram aos quartéis, para um período de imobilização. D. Domingos, não querendo sujeitar-se a tão prolongada inactividade, requereu o seu regresso a Portugal, o que foi aceite; a 31 de Janeiro de 1794 chegava a Lisboa e a 8 de Fevereiro era readmitido na Armada Real. (1)


(1) José Rodrigues Pereira, Academia de Marinha, Memórias, 2015

Informação relacionada:
O ilustre almirante Marquês de Nisa, Revista da Armada, 2004
D. Domingos Xavier de Lima, 7° Marquês de NIsa (1765-1802, Revista da Armada, 2007
Academia de Marinha, Memorias

Mais informação:
Navios da Real Marinha de Guerra Portuguesa I
Navios da Real Marinha de Guerra Portuguesa II
etc.

terça-feira, 4 de abril de 2023

Almirante Marquês de Nisa, jovem oficial

D. Domingos Xavier de Lima (1765-1802)

Em 1781, com apenas 15 anos, D. Domingos embarcou como Voluntário exercitante na nau Nossa Senhora do Pilar, navio-chefe da esquadra do coronel do mar Bernardo Ramires Esquível, constituída pelas naus Nossa Senhora do Pilar, e Santo António e a fragata Nossa Senhora do Bom Despacho (ou Cisne) (...)

Domingos Xavier de Lima (1765-1802), 7° Marquês de Nisa, Domenico Pellegrini, 1801.
Museu de Marinha



Após dois meses de cruzeiro com tempos muito duros, a frota regressou a Lisboa a 15 de Setembro, fundeando na Junqueira; D. Domingos iniciava, com apenas 15 anos a sua carreira naval, habituando-se a olhar de frente os mares, muitas vezes procelosos da costa de Portugal.

Em 18 de Junho de 1782 D. Domingos, que dera provas das suas capacidades para a vida naval, foi promovido a Tenente de mar.

Em Dezembro desse ano foi criada a Academia Real dos Guardas-Marinhas para a formação académica, científica e profissional dos oficiais da Armada Real Portuguesa; alguns Tenentes de mar, entre eles D. Domingos, foram mandados frequentar aquele estabelecimento de ensino a fim de melhorarem os seus conhecimentos académicos e profissionais.  (1)

Foi a partir de 1777 que Martinho de Melo e Castro inicia a sua linha de actuação para tornar Portugal numa Potência Marítima de nível coerente com o seu império ultramarino.

Martinho de Mello e Castro (1716 -1795).
Comissão Cultural da Marinha

Sob a sua direcção foram mandadas construir 6 naus e 22 fragatas e mandadas modernizar mais seis naus no dique do Arsenal.

Procedeu-se também nesse período (1777-1800) à modernização das infraestruturas da Marinha de que destacaremos a criação do Arsenal da Marinha, em substituição dos estaleiros da Ribeira das Naus, e a construção do seu dique; a criação ou modernização dos Arsenais de Goa, Baia e Rio de Janeiro; a construção do Real Hospital da Marinha e da Real Fábrica de Cordoaria; a criação da Sociedade Real Marítima e militar e Geográfica para o Desenho, gravura e Impressão de Cartas Hidrográficas, Geográficas e Militares.

Vue du port de Lisbonne, Alexandre-Jean Noel, 1796.
Cabral Moncada Leilões

Procedeu-se também à criação do Corpo de Oficiais da Armada Real — com a definição dos seus postos, quadros e vencimentos — e das Brigadas Reais de Marinha e de Artilharia da Marinha, da Junta da Fazenda da Marinha, da Academia Real dos Guardas-Marinhas e da Companhia Real dos Guardas-Marinhas (...) (2)

Terminados os estudos na Academia, D. Domingos retoma a sua carreira de oficial embarcando na nau Nossa Senhora do Bom Sucesso, em 7 de Abril de 1783; o navio destinava-se à missão de guarda-costas sob o comando do capitão-de-mar-e-guerra José da Silva Pimentel (...)

No ano de 1784
D. Domingos tem o seu baptismo de fogo. Nesse ano a Espanha preparou uma frota para atacar Argel, então um importante ninho de piratas, e cujo comando foi atribuído a D. António Barceló.

Portugal participa na expedição com uma esquadra de duas naus e duas fragatas comandada pelo coronel do mar Bernardo Ramires Esquível – naus Santo António e São José (74 peças), navio-chefe e Nossa Senhora do Bom Sucesso (64) e fragatas Golfinho e Nossa Senhora do Livramento (44) e Nossa Senhora das Necessidades (ou Tritão) (44) – levando a bordo 640 praças dos regimentos de Marinha e de Artilharia da Corte.

Em 23 de Maio foram mandados apresentar na nau 13 oficiais, onde se incluía D. Domingos Xavier de Lima (...)

Celestino Soares descreveu a saída desta esquadra; suas Majestades e altezas foram ver sair a barra, não só porque estes navios eram dos melhores da época, e tinham sido preparados com esmero; senão porque a sua oficialidade e equipagem haviam sido escolhidos e da maior confiança, esperando-se daquele conjunto de apuros, que ele desse em resultado crédito à nação Portuguesa, tendo de concorrer com as esquadras espanhola, napolitana e maltesa (...)

A esquadra combinada – espanhola, portuguesa, maltesa e napolitana – ficou assim constituída por 8 naus, 10 fragatas e mais 107 embarcações menores, nomeadamente lanchas-bombardeiras com que se faziam os ataques às muralhas da cidade.

Ao final de oito ataques contra a cidade o comandante-chefe, de acordo com os seus aliados resolveu dar a expedição por concluída. Não tendo atingido os objectivos que se propunha, esta expedição foi um fracasso para os cristãos e um incentivo aos corsários argelinos que se tornariam ainda mais atrevidos e belicosos.

A 23 de Julho os navios cristãos levantaram ferro e, com vento travessão, dirigiram-se a Cartagena; Portugal foi a única nação aliada da Espanha que não aceitou a indemnização pelos danos sofridos e as despesas havidas durante a campanha (...)

Saindo de Cádis a 28 a esquadra recolheu ao Tejo, chegando o navio-chefe a 20 de Setembro e os restantes nos dois dias seguintes. Por decreto de 28 de Setembro de 1784 os oficiais que participaram na expedição foram promovidos ao posto imediato; assim, D. Domingos foi promovido a Capitão-tenente ainda antes de completar os 19 anos.

Em 1785 D. Domingos Xavier de Lima embarcou na fragata Nossa Senhora das Necessidades (ou Tritão) comandada pelo CMG Francisco Betencourt Perestrelo, que foi mandada, juntamente com a fragata Nossa Senhora do Bom Despacho (ou Cisne), efectuar um cruzeiro de guarda-costas de 15 de Julho a 6 de Novembro (...)

Em 30 de Março de 1786 embarcou D. Domingos na nau Nossa Senhora do Bom Sucesso (CMG António Januário do Vale) que, com as fragatas Princesa do Brasil e Nossa Senhora do Bom Despacho (ou Cisne) se destinavam a um cruzeiro de guarda-costas (...)

Figura 4 - Nau Nossa Senhora da Conceição. Óleo de Alberto Cutileiro. Museu de Marinha.

Em 18 de Fevereiro de 1787 foi mandada aprontar a nau Nossa Senhora do Monte do Carmo (ou Medusa), para integrar a esquadra de guarda-costas sob o comando do coronel do mar José de Melo Breyner; D. Domingos foi mandado integrar a sua guarnição.

A 20 de Março o navio passou mostra de armamento com 579 homens de guar- nição; no mesmo dia armaram os restantes navios da esquadra: fragata Nossa Senhora do Bom Despacho (ou Cisne) (330 homens), São João Baptista (229), cúteres União (110) e Coroa (109).

Em 23 de Março, pelas 17h45, Suas Majestades e altezas subiram a bordo do navio-chefe, recebendo uma salva de todos os navios da esquadra, com as guarnições nas vergas saudando com 9 vivas.


No dia seguinte, pelas 09h00 a esquadra fez-se de vela com vento NNW e foi fundear em São José de Ribamar; a Nossa Senhora do Monte do Carmo (ou Medusa) ficou fundeada frente ao cais Belém. A 28 de Março, pelas 07h30 largou a esquadra com ventos de Leste, levando, de conserva, o navio da Carreira da Índia e mais cinco navios mercantes com destinos diversos (...)

Em 26 de Fevereiro de 1789 o coronel do mar José de Melo Breyner foi nomeado comandante da Esquadra do Estreito, embarcado na nau Nossa Senhora da Conceição; D. Domingos foi também nomeado para embarcar naquele navio que passou mostra de armamento em 7 de abril com 758 homens a bordo.

Em 11 de Abril a esquadra, composta, além da nau, pelas fragatas Nossa Senhora da Vitória (ou Minerva) (44 peças) e Nossa Senhora da Graça (ou Fénix) (54), brigues Galgo (20), Lebre (24) e Coroa (20) estava fundeada em linha entre a Junqueira e o Bom Sucesso; a 14 os monarcas visitaram o navio-chefe e a Nossa Senhora da Vitória (ou Minerva) tendo passado à fala junto de todos os outros navios e recebendo a habitual salva de 21 tiros.

Em 18 de Abril de 1789 largaram para o Estreito com vento NNW moderado e água de vazante, onde permaneceram até 31 de Agosto de 1789. Em 26 de Maio, durante um cruzeiro a esquadra libertou o navio francês Le Désir, que um corsário argelino levava como presa; trazido para Lisboa foi entregue ao cônsul francês em 22 de Junho.

Este foi o último embarque de D. Domingos Xavier de Lima como oficial de guarnição. Esteve embarcado em 8 navios durante sete anos (descontado o ano de frequência da ARGM) e dos quais navegou, fora da barra de Lisboa mais de 30 meses.

O seu valor como marinheiro, aliado aos seus conhecimentos profissionais, de que já dera inúmeras provas no serviço a bordo, levaram à sua promoção a Capitão-de-fragata a 16 de Dezembro de 1789; ia completar 24 anos!!! O seu primeiro comando foi a fragata São João Príncipe do Brasil, navio de 40 peças lançado ao mar no Arsenal da Marinha em 18 de Dezembro de 1789, juntamente com a nau D. Maria I Coração de Jesus e o brigue Falcão.

Em 18 de Março de 1790 D. Domingos foi nomeado seu comandante e o navio passou mostra de armamento a 8 de Maio com 329 homens a bordo. Em 15 do mesmo mês largou com a esquadra do Tenente-general Bernardo Ramires Esquível – nau D. Maria I, fragatas Fénix, São João Príncipe do Brasil, brigue Galgo e cúter União – iniciando um cruzeiro no Estreito. Os monarcas que tinham ido a bordo despedir-se dos navios, assistiram em Caxias à saída dos navios (...) (3)


(1) José Rodrigues Pereira, Academia de Marinha, Memórias, 2015
(2) Idem
(3) Idem, ibidem

Informação relacionada:
O ilustre almirante Marquês de Nisa, Revista da Armada, 2004
D. Domingos Xavier de Lima, 7° Marquês de NIsa (1765-1802, Revista da Armada, 2007
Academia de Marinha, Memorias

Mais informação:
Navios da Real Marinha de Guerra Portuguesa I
Navios da Real Marinha de Guerra Portuguesa II
etc.

domingo, 2 de abril de 2023

Nau S. Sebastião ou Serpente (1767-1832)

O Arsenal Real da Marinha foi criado no Brasil em 1763, pelo vice-rei Antônio Álvares da Cunha, o conde da Cunha (v. António Álvares da Cunha (c. 1700-1791)), e situado na praia de São Bento, na cidade do Rio de Janeiro. A fundação de um arsenal para reparo e construção de navios de guerra foi resultado de uma conjuntura de fatores, como a descoberta de ouro e prata na região das Minas Gerais no final do século XVII e a transferência da sede de governo português de Salvador para o Rio de Janeiro, o que deslocou o eixo econômico da colônia para a região centro-sul e exigiu maior preocupação com a defesa militar (...)

Retrato de António Álvares da Cunha, Conde da Cunha (detalhe).
Hospital Frei Antônio do Desterro (lazareto)


Sob a administração do conde da Cunha, portanto, o arsenal do Rio de Janeiro construiu a nau São Sebastião, lançada ao mar em 1767. Após a construção deste navio de guerra, o arsenal do Rio de Janeiro não manteve a produção de embarcações de grande porte (...) (1)

A primeira e única embarcação de porte lançada no período de 1763 a 1822, foi a Nau São Sebastião, também apelidada de Nau Serpente devido a sua proa possuir a figura de um dragão.

Rio de Janeiro Nau São Sebastião (Nau Serpente) 1767.
Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro

“A construção teve início em 1764, antes, portanto, da resposta de Portugal aprovando o estabelecimento de um estaleiro no Rio de Janeiro e o lançamento ocorreu em 08 de fevereiro de 1767” (cf. Wallace Affonso Alves, 2006). Depois de pronta, a embarcação prestou serviço por vários anos a Armada Portuguesa.

Arsenal do Rio de Janeiro, no sopé do morro de São Bento.
Criado em 29 de dezembro de 1763 pelo Vice-rei Antônio Álvares da Cunha, 1° Conde da Cunha.
O Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro na História, 1763-1822

Deve-se destacar que essa embarcação comparada com as das Marinhas das potências navais de então, não apresentava os mesmos requisitos de qualidade além de ter consumido altos recursos financeiros para a sua edificação.

“houve iniciativas no sentido de se construírem outras embarcações nesse período, mas, por razões desconhecidas, não chegaram a ser concluídas” (idem).

Essas embarcações, de fato, nem chegaram a ser iniciadas, devido ao protecionismo determinado pelo Marquês de Pombal que em 1775 estabeleceu que os Navios a serem construídos no Arsenal “os fizessem, exclusivamente, pelos Riscos do Mestre Construtor do Real Arsenal de Marinha da cidade de Lisboa, Torcato José Clovino (v. Torquato José Clavina)” (idem). (2)


À NAU SERPENTE

Por ocasião de cair ao mar no Rio de Janeiro em 8 de fevereiro de 1767


Já do lenho as prisões se desataram
E assustada serpente as águas trilha,
Já ondeia no mar a instável ilha,
E já no fundo as âncoras pegaram.


Os ventos sobre as asas se firmaram
Por ver de perto a nova maravilha,
E ao vasto peso da disforme quilha,
Gemeu Netuno, e as ondas s’encurvaram.


Verdes Ninfas azuis do pego undoso,
Conduzi pelos úmidos lugares
Esse errante edifício majestoso:


E entre tantas empresas singulares,
Veja o mundo qual é mais glorioso,
Dar leis à terra, se pôr freio aos mares. (3)

S. Sebastião (1767-1832)

Nau construída no Rio de Janeiro por António da Silva e que armava com 66 peças de artilharia: primeira bateria (26 peças calibre 24), segunda bateria (26 peças calibre 12), tolda (6 peças calibre 9) e castelo (2 peças calibre 12 e 4 peças de calibre 9) Era navio de duas baterias e as respectivas cobertas tinham altura de 2,55 metros, nunca antes visto em navios de guerra.

Tinha como figura-de-proa um dragão, razão pela qual era conhecida como nau Serpente.

Guarnição – 574 homens (1767).
Comprimento (quilha) – 182 pés (55.47 m).
Boca – 44 pés (13.41 m).
Pontal – 34 pés e 6 polegadas (10.36 m, aproximadamente).


Relativamente à figura de proa dos navios da Coroa portuguesa, chegou até nós pouca informação, mas foram utilizadas várias figuras, nomeadamente a figura de um leão, com uma coroa. Mas, outros motivos também eram utilizados como figuras de proa, como foi um formidável dragão, que levou a crismar a nau S. Sebastião (1767-1832) com a designação de a «Serpente», ou «Le Gran Dragon», como foi apelidada pelos franceses de Junot.

Sala de estar da nau São Sebastião, Franz Josef Frühbeck.
Brasiliana iconográfica


Na nau S. Sebastião, os acabamentos eram riquíssimos e a madeira de grande qualidade, tendo esta decoração custado 500 contos. (4)

Em 1816 largou do Rio de Janeiro como navio-chefe da divisão naval com a missão de conduzir as Infantas a Espanha. Em Maio de 1817, incluíu a força naval que conduziu de Liorne ao Brasil a desposada de D. Pedro, arquiduquesa Maria Leopoldina Carolina.

A nau desempenhou ainda outras missão, nomeadamente, integrou a Esquadra do Estreito; participou na Campanha de Roussillon; escoltou um comboio destinado ao Brasil; integrou a esquadra de auxílio naval à Inglaterra no Mediterrâneo e desempenhou comisão a Liorne e Rio de Janeiro.

A nau "São Sebastião" não acompanhou a Família Real ao Brasil, em 1807. (5)

A Quinta de São Lourenço no Pragal (propriedade de Antônio Álvares da Cunha) perto de Lisboa, tem um programa decorativo interessante que consiste em cenas relacionadas com o mar e a navegação, que datam de 1742, baseadas em gravuras holandesas. 

Quinta de S. Lourenço, Painel de azulejos.
Museu de Marinha

Uma delas apresenta cenas de um estaleiro naval e mostra a construção de um grande navio à esquerda, quase completo, de acordo com a princípio de construção "o esqueleto primeiro". Um grupo de trabalhadores à esquerda do navio puxa um cabo enquanto que outros escolhem madeira para a estrutura do navio. Atrás deles está um pequeno grupo de nobres, olhando para os navios, provavelmente representando os donos do navio.

Uma vez que o navio não está completo não é possivel dizer que tipo de navio será. (6)



(1) Arsenal Real da Marinha
(2) Carlos Pinto Almeida, Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro... 2018
(3) Basílio da Gama, Academia brasileira
(4) José Manuel Malhão Pereira, António Costa Canas, António Gonçalves, Augusto Salgado, Inácio Guerreiro, Navios, Marinheiros e Arte de Navegar, 1669-1823
(5) Arquivo Histórico da Marinha
(6) The representation of vessels in early modern portuguese tile

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Torquato José Clavina