quarta-feira, 15 de abril de 2020

Chanfana (2 de 2)

— Querem ir ceiar ao Isidro?
— Vá feito! 
— Elle hoje ha de ter chanfana fresca.
— Á chanfana! á chanfana!

E largaram por ali fora, em grupo, para a casa de pasto do Isidro.

A ceia da chanfana
Alberto Pimentel, O lobo da Mandragôa, romance original illustrado... 1904

O leitor quer decerto saber o que era a chanfana. Nao admira, porque um jovem príncipe, que teria então 11 annos de idade, e fora baptisado com o mesmo nome de seu augusto avô el-rei D. José, também por aquelle tempo perguntou o que era essa famosa chanfana, de que tanto ouvia fallar.

Creança intelligente, parecendo fadada para altos destinos, tinha a aguda curiosidade que é própria de todas as creanças intelligentes. A pergunta do príncipe constou na cidade, e não só deu assumpto a varias composições poéticas, mas também poz em maior voga a chanfana, que desde essa hora passou das choças da Ribeira para as casas de pasto mais notáveis. 

É que também constou que o joven príncipe D. José não se contentara apenas com a resposta que lhe deram, e quiz avalial-a praticamente, dignando-se comer chanfana no Paço. António Lobo foi um dos poetas que promptamente acudi- ram á curiosidade do neto de el-rei. Compoz um soneto, que transcrevo textualmente com a rubrica que o antecede: 

Perguntando o Príncipe do Brasil D. José — Que cousa era chanfana? 

D'alto barrete, á laia de turbante, 
Os braços nus, a faca na cintura,
Co'um pano por timão á dependura,
Trabalha o Isidro, a turco similhante:

Do elastico bofe inda pingante,
Da barriga do porco alva gordura,
Faz por tal modo uma tal fritura,
Que aos toneis cheios toca a sé vacanle!

Esta, príncipe augusto, é que eu approvo,
Chanfana sancta, assás famigerada,
Com que o turco amotina o vosso povo:

O peor é, que lambe d'estocada
Aos peraltas o seu cruzado novo.
Menos a mim, que nunca paguei nada!

Isto era já no período de aristocratisação da chanfana, em seguida á pergunta do príncipe, quando tanto o Isidro como o Almeida e o Talaveira levavam aos peraltas um cruzado novo por essa indigesta petisqueira. 

Mas António Lobo, aproveitando o assumpto e a opportunidade, também descreveu a chanfana na sua primitiva feição popular, entrançando uma reste de sonetos, de que vamos arrancar alguns: 

Lá onde d'antes era situada
Essa antiga Ribeira, em negras choças
Estão vendendo enlabuzadas moças
Arroz com açafrão, sardinha assada

Soccos nos pés, as pernas sem ter nada,
Roupinhas de bacta, argolas grossas,
Aos tostões dos galegos fazem mossas
Co'o feijão, com a isca, e co'a canada:

Alli de humilde boi já esfolado
O molle bofe se lhe vai frigindo,
E em prato o põem, que nunca foi lavado:

Toda a plebe á chanfana vai surgindo;
Mas depois sáem d'este coe damnado
Ora dando encontrão, ora caindo.

Lobo não se contentou com descrever o aspecto sujo das choças da Ribeira Velha, e das moças que preparavam a chanfana. Accentuou a pintura do interior das tascas n'outro soneto, que é um bello quadro da vida plebêa de Lisboa no seu tempo: 

Em casa terrea com dous bancos sujos,
Meza de pinho a quem um dos pés falha, 
D'estopa em cima sordida toalha,
E de roda fumando alguns marujos:

A porta sempre cheia de sabujos,
E defronte sentada sobre palha
De Guiné, e d'Angola essa canalha,
Vendendo mexilhões, e caramujos:

De louro á porta um grande molho atado,
Cortina rota, e sobre o fogareiro
Da chanfana o banquete costumado:

Pois quem vir isto assim fuja do cheiro,
Que se entrar por querer d'este guisado
Sairá sem comer, e sem dinheiro.

Nicolau Tolentino também interveio no assumpto, e por um triz se não accendeu outra guerra entre os poetas como tinha acontecido a respeito da Zamperini e do padre Macedo. Fallar da chanfana entrara em moda, e o que é certo é que o publico, dando maior attenção aos poetas do que hoje, se mostrava interessado pelo assumpto... apesar de indigesto. 

O soneto de Tolentino vae servir-nos para um duplo fim: como contribuição para a historia da chanfana e como parallelo de caracter entre o seu auctor e António Lobo. Diz Tolentino:

Comprada em asqueroso matadoiro 
Sanguinosa forçura, quente, e inteira, 
E cortada por gorda taverneira, 
Cujo cachaço adorna um cordão d'oiro; 

Cabeças de alho com vinagre e loiro,
E alguns carvões, que saltam da fogueira,
Fervendo tudo em vasta frigideira,
C'os indigestos figados de touro;

Suavissimo cheiro, o qual augura
Grato manjar, mas que por causa justa
Dá um sabor, que nem o dêmo o atura;

Isto é chanfana, e sei quanto ella custa;
Deu-me o berço, dar-me-hia a sepultura,
A não valer-me a vossa mão augusta.

No final d'este soneto, Nicolau Tolentino não pôde, a propósito da chanfana, reprimir a sua bossa de adulador de pessoas gradas. Mette memorial, como sempre. Dá a entender que foi creado com a chanfana e que terá de morrer n'esse mesmo regimen culinário se lhe não acudir a mão generosa do príncipe D. José. 

Retrato de Nicolau Tolentino, Giuseppe Trono.
Agostinho Araújo, Tipologia votiva e lição literária: o caso Tolentino

Para conseguir o effeito da sua habitual pedinchice, não duvida dizer que na infância se alimentou a chanfana, o que nao deve ter sido inteiramente verdade, porque o pae de Tolentino era advogado de causas forenses, e vivia decerto menos mal, a ponto de poder mandar o filho para Coimbra.

Por sua parte, António Lobo, no final de um dos sonetos, revela-se o bohemio que sempre fora, declarando que o Isidro nunca lhe apanhou dinheiro pela chanfana. Quando elle a comia, eram sempre os outros que pagavam. Tolentino só quer dinheiro; Lobo até se gaba de o não ter. 

Vejamos, porém, como foi que esteve para rebentar nova guerra entre os poetas. O soneto de Tolentino não passou sem contestação; sahiu a contradictal-o um sujeito chamado Caetano Pinto de Moraes Sarmento.

O leitor não ouviu nunca fallar d'este poeta, certamente. E o que eu mesmo sei da sua vida é apenas o que António Lobo nos deixou escripto acerca d'elle. Era filho de um barbeiro, e parece que vaidoso, aperalvilhado, velhaco, com fumos de poeta e de fidalguia. Lobo chama-lhe "ôdre de vento". 

Da familia dos Pintos o morgado, 
Primeiro tolo sem contrariedade. 

Está bem de ver que eram inimigos, e que Pinto temia o Lobo, o que zoologicamente parece natural. Mettendo-se na questão da chanfana, não é com o Lobo que o Pinto investe; mas com Tolentino, sem respeito algum, porque lhe chama desdenhosamente — o tal Tolentino. 

Não é esta, senhor, a de que fala, 
Á chanfana do fígado do touro, 
Nem se aduba com alhos, nem com louro, 
Como o tal Tolentino quiz pintal-a:

Uma carne, que deixam de sangral-a, 
Mais ascorosa que a do matadouro, 
Com toucinho, que o ranço fez cor d'ouro, 
E pedregoso arroz, que o dente estala:

Carneiro resequido, e não assado, 
Galinha, que mais couta que anno e dia, 
Com os seccos pasteis sem ter picado:

Eis aqui de que fala a fidalguia; 
Isto é chanfana, insípido bocado, 
Que forjam os cyclopes da ucharia,

Vem mais um poeta, também obscuro, Luiz Joaquim da Frota, e envolve-se na contenda, passando em revista o que os outros disseram sobre a chanfana:

Tolentino, senhor, foi quem traçou
Da chanfana o retrato natural;
Bem que sem pimentão, toucinho, e sal
Muito mal o guizado temperou:

Lobo apenas o Isidro nos pintou
De turbante adornado, e de avental;
Posto que uma imagem tal e qual
Da mais fina chanfana nos mostrou:

Pinto toma os pinceis da phantasia,
E subindo ao sentido figurado,
Foi colorir as fezes da ucharia: 

Seu quadro é bom; seria consumado,
Se a sua tão creança fidalguia
Não tivera no quadro respirado

Esta ultima estocada ao Caetano Pinto de Moraes Sarmento confirma as prosapias de fidalguia, que Lobo lhe attribue. Frota também lhe ferra a unha, dando a entender que, sendo o pai barbeiro, a nobreza da família, começando no filho, era apenas recemnascida. Felizmente, este rompimento de hostilidades não se azedou mais, nem continuou. 

Mas veja-se o mau sestro que teem os poetas de estar sempre em divergência uns com outros. Pelo que elles disseram, o príncipe D. José ficaria sem perceber o que era chanfana, se os criados da real ucharia [despensa] lho nao tivessem dito a preceito. 

Retrato de D. José, príncipe do Brasil (1761-1788),
por Miguel António do Amaral.
Cabral Moncada Leilões

O leitor, á falta de leccionista profissional, também de certo ficou sem uma nitida idéa do assumpto, mas isso nâo é coisa que lhe deva causar grande desgosto. O que convém saber é que António Lobo e os outros sucios foram, effectivamente, ceiar chanfana ao Isidro e que o poeta, sem vintém na algibeira, acceitára contente a ceia [...] (1)


(1) Alberto Pimentel, O lobo da Mandragôa, romance original illustrado... 1904

Leitura relacionada:
António Lobo de Carvalho, Poesias joviaes e satyricas, Cadix, 1852
As Iscas com Elas ou Iscas à Portuguesa...
No tempo dos francezes
Lisboa d'outros tempos Vol. II
Historia do fado
A triste canção do sul
Lisboa na rua
Lisboa Illustrada
etc.

terça-feira, 14 de abril de 2020

Chanfana (1 de 2)

Perguntando o Príncipe do Brasil D. José — Que cousa era chanfana?

Comprada em asqueroso matadoiro 
Sanguinosa forçura, quente, e inteira, 
E cortada por gorda taverneira, 
Cujo cachaço adorna um cordão d'oiro; 

Vista do Convento de Sto Jerónimo de Belém e da Barra de Lisboa (detalhe), Henri L'Évêque/Francesco Bartolozzi.
ComJeitoeArte

Cabeças de alho com vinagre e loiro,
E alguns carvões, que saltam da fogueira,
Fervendo tudo em vasta frigideira,
C'os indigestos figados de touro;

Suavissimo cheiro, o qual augura
Grato manjar, mas que por causa justa
Dá um sabor, que nem o dêmo o atura;

Isto é chanfana, e sei quanto ella custa;
Deu-me o berço, dar-me-hia a sepultura,
A não valer-me a vossa mão augusta. 

[Nicolao Tolentino d'Almeida] (1)

SONETO LI

D'alto barrete, á laia de turbante, 
Os braços nus, a faca na cintura,
Co'um pano por timão á dependura,
Trabalha o Isidro, a turco similhante:

A ceia da chanfana
Alberto Pimentel, O lobo da Mandragôa, romance original illustrado... 1904

Do elastico bofe inda pingante,
Da barriga do porco alva gordura,
Faz por tal modo uma tal fritura,
Que aos toneis cheios toca a sé vacanle!

Esta, príncipe augusto, é que eu approvo,
Chanfana sancta, assás famigerada,
Com que o turco amotina o vosso povo:

O peor é, que lambe d'estocada
Aos peraltas o seu cruzado novo.
Menos a mim, que nunca paguei nada!


Antiguidade da Chanfana

SONETO LII

Depois que ao som do berço me cantava 
Velha enrugada modas bolorentas,
A voz soltando pelas sujas ventas,
Q'em vez de somno medo me causava:

Cena de bordel com frades, Nicolas Delerive.
FRESS

Depois que para a eschola eu só andava
Expondo-me do mundo a mil tormentas,
E minha avó nas contas já sebentas
Para que eu fosse bom sempre rezava:

Vi até agora em portas de baiuca
Bofes, pimentos, alhos, e cebolas
Em caçoula fervendo já caduca:

Este guisado, pois, de corriolas
A tal chanfana ser ninguem retruca,
Petisco de malsins, de mariolas.

Descripção da Chanfana

SONETO LIII

Em pequenas barracas de madeira
No campo do curral vejo espichado 
Em torto prego o bofe ensanguentado
De velho boi, já cheio de lazeira:

Pintando uma bulha entre dois bêbados, Nogueira da Silva.
Obras completas de Nicolau Tolentino de Almeida... 1861

Alli de Isidro, Almeida, Talaveira (*)
E de outros taes, a quem ergueu o fado,
Todo o negocio foi principiado
Por indigesta gorda forçureira:

Alli de bodegões bando infinito
O seu tassalhão compram de semana,
Que descalços á porta vendem frito:

A qualquer que ali passa o cheiro engana:
Gasta os seus cobres, e depois afflicto
A vomitos conhece o que é chanfana.

(*) Casas de pasto mui nomeadas em Lisboa

Retrato da casa onde se vende a Chanfana

SONETO LIV

Em casa terrea com dous bancos sujos,
Meza de pinho a quem um dos pés falha, 
D'estopa em cima sordida toalha,
E de roda fumando alguns marujos:

O chanfaneiro (typo gallego)
Nogueira da Silva
Archivo pittoresco n° 35, 1860

A porta sempre cheia de sabujos,
E defronte sentada sobre palha
De Guiné, e d'Angola essa canalha,
Vendendo mexilhões, e caramujos:

De louro á porta um grande molho atado,
Cortina rota, e sobre o fogareiro
Da chanfana o banquete costumado:

Pois quem vir isto assim fuja do cheiro,
Que se entrar por querer d'este guisado
Sairá sem comer, e sem dinheiro.

Retrato do Mal-cosinhado (*)

SONETO LV

Lá onde d'antes era situada
Essa antiga Ribeira, em negras choças
Estão vendendo enlabuzadas moças
Arroz com açafrão, sardinha assada:


Painel de azulejos, A Casa dos Bicos e o mercado da Ribeira Velha, século XVII.
Museu da Cidade de Lisboa

Soccos nos pés, as pernas sem ter nada,
Roupinhas de bacta, argolas grossas,
Aos tostões dos galegos fazem mossas
Co'o feijão, com a isca, e co'a canada:

Alli de humilde boi já esfolado
O molle bofe se lhe vai frigindo,
E em prato o põem, que nunca foi lavado:

Toda a plebe á chanfana vai surgindo;
Mas depois sáem d'este coe damnado
Ora dando encontrão, ora caindo.

(*) prostíbulo (ou local), v. carta analisada na revista Lusitânia, Fascículo Camoniano (V e VI), 1925

Feito por auctor anonymo, e dirigido ao Príncipe D. José, sobre o mesmo assumpto do soneto LI
(pareceu conveniente reunir aqui, posto que de auctores diversos, esta e as seguintes composições, dirigidas todas ao mesmo assumpto, e feitas na mesma occasião)

SONETO LVI

Se um veloz javali, que vai fugido,
Vossa Alteza seguisse, e por acaso
Por caminho embrenhado, e pouco raso
D'arbustos cheio, e mattos desabrido:

Retrato de D. José, príncipe do Brasil (1761-1788),
por Miguel António do Amaral.
Cabral Moncada Leilões

Se por matal-o em fim, tendo corrido
De distancia, e de tempo um longo praso, 
Perdido dos criados, n'este caso
Na choça d'um pastor fosse acolhido:

E se o pobre pastor, tendo primeiro
Alhos, sal, e pimenta na cabana,
As entranhas frigisse de um carneiro:

Falto de fiambres, já crescendo a gana,
(Negra é a fome!) talvez já pelo cheiro
Vossa Alteza soubesse o que é chanfana.

Ao mesmo

SONETO LVIII

Não é esta, senhor, a de que fala, 
Á chanfana do fígado do touro, 
Nem se aduba com alhos, nem com louro, 
Como o tal Tolentino quiz pintal-a:

Retrato de Nicolau Tolentino, Giuseppe Trono.
Agostinho Araújo, Tipologia votiva e lição literária: o caso Tolentino

Uma carne, que deixam de sangral-a, 
Mais ascorosa que a do matadouro, 
Com toucinho, que o ranço fez cor d'ouro, 
E pedregoso arroz, que o dente estala:

Carneiro resequido, e não assado, 
Galinha, que mais couta que anno e dia, 
Com os seccos pasteis sem ter picado:

Eis aqui de que fala a fidalguia; 
Isto é chanfana, insípido bocado, 
Que forjam os cyclopes da ucharia,

(Pedro Caetano Pinto de Moraes Sarmento)

Ao mesmo

SONETO LIX

Tolentino, senhor, foi quem traçou
Da chanfana o retrato natural;
Bem que sem pimentão, toucinho, e sal
Muito mal o guizado temperou:

Lobo apenas o Isidro nos pintou
De turbante adornado, e de avental;
Posto que uma imagem tal e qual
Da mais fina chanfana nos mostrou:

Pinto toma os pinceis da phantasia,
E subindo ao sentido figurado,
Foi colorir as fezes da ucharia: 

Seu quadro é bom; seria consumado,
Se a sua tão creança fidalguia
Não tivera no quadro respirado

(Luis Joaquim da Frota) (2)

Preside o neto da rainha Ginga
Á corja vil, aduladora, insana:
Traz sujo moço amostras de chanfana,
Em copos desiguaes se esgota. a pinga:

Manuel Maria de Barbosa de Bocage (detalhe), Henrique Joze da Silva del. Francisco Bartolozzi R. A. sculp.
belas-artes ulisboa

Vem pão, manteiga, e chá, tudo é catinga;
Masca farinha a turba americana;
E o ourango-outang a corda á banza abana,
Com gestos e visagens de mandinga:

Um bando de comparsas logo acode
Do fofo Conde ao novo Talaveiras;
Improvisa berrando o rouco bode:

Applaudem de continuo as Moleiras
Belmiro em dithyrambo, o ex-frade em ode;
Eis aqui de Lereno as quartas feiras. (3)

Se eu podera ir de tralha, ir á surdina
Por ahi! Forte sede, e forte gana
De zurrapa, de atum, de ti, chanfana,
De ti, que dos pingões és golosina!

Vista da Cidade de Lisboa tomada da Junqueira (detalhe), Henri L'Évêque/Francesco Bartolozzi.
ComJeitoeArte

Que tempo em que eu com sucia, ou grossa, ou fina,
Para a tia Anastácia (a tal cigana)
Ia, e vinha depois co'a trabuzana
A remos, no mar roxo, ou á bolina!

Quando has de consentir, cruel Fortuna,
Ao magro, de olho azul, de tez morena
O bem d'andar a flaino, e d'ir á tuna?...

Mas ai! Maldicto som, que me condemna!
Dize, oh Fado, ao bizouro, que não zuna...
Ahi me chama algum — "Alma pequena!" (4)


(1) Obras completas de Nicolau Tolentino de Almeida... 1861
(2) António Lobo de Carvalho, Poesias joviaes e satyricas, Cadix, 1852
(3) Obras poéticas de Bocage (volume I)...  1875
(4) Idem

Leitura relacionada:
Alberto Pimentel, O lobo da Mandragôa, romance original illustrado... 1904
As Iscas com Elas ou Iscas à Portuguesa...
No tempo dos francezes
Lisboa d'outros tempos Vol. II
Historia do fado
A triste canção do sul
Lisboa na rua
Lisboa Illustrada
etc.

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Nau D. João VI (1816-1852)

A nau foi lançada à água em 24 de Agosto de 1816, sob o nome de "D. João VI". Antes recebeu o nome de "Nossa Senhora dos Mártires" e "D. João, Píncipe Regente". A sua construção foi dirigida pelo Capitão-tenente construtor naval António Joaquim de Oliveira. 

Nau D. João VI, Franz Joseph Frühbeck, c. 1817.
 Brasiliana Iconográfica

A figura de proa, obra do pintor Sequeira, representava o génio de Lízia [Lísia, Lisboa]. Aparelhava a galera de três mastros com papa-figos, gáveas, joanetes e três velas de proa.

Nau D. João VI, castelo de popa, Franz Joseph Frühbeck, c. 1817.
Brasiliana Iconográfica

A lotação em 1817 era de 537 homens. Em 1817, armou com 74 bocas de fogo.

Nau D. João VI, o almoço dos marinheiros, Franz Joseph Frühbeck, c. 1817.
Brasiliana Iconográfica

Em 1817, achou-se na força naval para acompanhar a noiva escolhida para D. Pedro de Alcântara, a arquiduquesa Maria Leopoldina Josefa Carolina e comitiva, da Aústria para o Brasil. 

Nau D. João VI, salão comunitário, Franz Joseph Frühbeck, c. 1817.
Brasiliana Iconográfica

Em 1821, largou do Rio de Janeiro para Portugal, integrado na força naval que conduziu o Rei D. João VI, família e o corpo da falecida rainha D. Maria. 

Lisboa, Praça do Comércio, desembarque de D. João VI, 4 de julho de 1821, Constantino Fontes.
Wikipédia

Depois, a nau largou para o Rio de Janeiro com escala por Pernambuco, incluída na expedição chefiada por Maximiliano de Sousa, com o intuito de obrigar D. Pedro á obediência. Apesar do insucesso da expedição largou, novamente, para a Baía integrada na expedição ao mando de João Félix Pereira de Campos. 

Em Abril de 1823 cruzou no mar da Baía incluída na esquadra portuguesa. Em 1826 desempenhou comissão a Brest, com a missão de conduzir D. Miguel ao Rio de Janeiro [que D. Miguel declinou]. 

Em 1829, saiu incluída numa expedição miguelista aos Açores [v. artigo dedicado].


Açores, Villa da Praia Ataque da 3.ª no dia 11 de Agosto de 1829.
Tenente Gualvão do Regimento dos Voluntarios da Rainha, c. 1830.
Fortalezas.org


Furou o bloqueio de Lisboa, integrada na esquadra ao mando de João Félix Pereira de Campos [as forças de bloqueio "commandadas pelo almirante Sartorius, compunham-se de duas fragatas, um bergantim, e dois barcos de vapor, além de algumas escunas, sahindo mais adiante de barra em fóra para se lhes reunirem tres galeras barcas, armadas em corvetas, e mais dois bergantins. As fragatas eram a Rainha de Portugal, e a D. Maria 2.a; as corvetas a Constituição, a Portuense, e a Regencia de Portugal; os brigues o Vinte e três de Julho, o Mindello, e o conde de Villa-Flôr. As forças miguelistas, que do Tejo haviam sahido, commandadas pelo chefe de esquadra, Judo Feliz Pereira de Campos, compunham-se da náo D. João 6.°, da fragata Princesa Real, das corvetas Cybelle, e Isabel Maria, dos bergantins Audaz, Providencia, e Vinte e dois de Fevereiro" cf. Luz Soriano, História do cerco de Porto...]. 

Achou-se na batalha naval do Cabo de S. Vicente, em 5 de Agosto de 1833.

Nau D. João VI (à direita na imagem).
Sketch of Napier's glorious triumph over the Miguelite Squadron, George Philip Reinagle, 1833.
Biblioteca Nacional de Portugal

Em 1852 a comissão de vistoria deu o navio por inútil, sendo a nau desmanchada. (1)


(1) Arquivo Histórico da Marinha

Mais informação:
Arquivo Histórico da Marinha: Nau D. João VI, Registo de Divisões
Arquivo Histórico da Marinha: Nau D. João VI, Registo de Ordens
Arquivo Histórico da Marinha: Nau D. João VI, Registo de Quartos

Outra informação:
A first rate ship of the line, A. P. D. G., Sketches of Portuguese Life...

domingo, 5 de abril de 2020

Vapor Mindello (1845-1873)

Vapor de rodas da força de 220 cavallos. Foi construído em Inglaterra por Green Blyths, assistindo ao fabrico Francisco de Borja Pereira de Sá. Foi posto a nado a 7 de agosto de 1845, e chegou a Lisboa a 17 de janeiro de 1845.

Chegada a Lisboa do Vapor Mindello, João Pedroso, 1857 (Coleção da Fundação da Casa de Bragança).
A revolução industrial, Lisboa marítima e Marinha de Guerra, na obra de João Pedroso...

Comprimento 192 pés, bôca 52 pés, 604 toneladas. Armava com quatro peças de 32 e dois rodízios de 68. Apparelhava com dois mastros de escuna.

Em maio de 1854 conduziu a Inglaterra D. Pedro V, regressando El-Rei ao reino a seu bordo em setembro do mesmo anno. Era seu commandante Paulo Centurini, e chefe da esquadrilha o chefe de esquadra barão de Lazarim.

Portuguese Paddle Steamer [Vapor Mindello] off Belem Castle, Thomas Goldsworthy Dutton, 1846.
Royal Museums Greenwich

Em 6 de maio de 1858 conduziu de Ostende para Dover a rainha D. Estephania, acompanhado pela corveta Bartholomeu Dias e dois hiates da rainha de Inglaterra.

Fez varias commissões aos Açores, Madeira, Cabo Verde, portos da Europa, Tunis, Marrocos, Guiné, Angola, etc.

Vapor Mindelo.
Arquivo Histórico da Marinha

A 8 de junho de 1862 foi a Inglaterra para reparar a machina e ser acrescentado 25 pés em comprimento, o que se fez, regressando a 14 de maio de 1863, e apparelhado com tres mastros lugre-barca.

Vapor Mindelo.
Arquivo Histórico da Marinha

Fez parte da divisão de reserva conposta das corvetas Goa, Estephania e Sá da Bandeira, commandada pelo almirante graduado João da Costa Carvalho, visconde de Ribamar, o qual saiu do Tejo a 12 de agosto de 1863 para exercício na costa.

A 23 de dezembro de 1872 passou mostra de desarmamento. Foi vendido para desmanchar. (1)

*
*     *

Foi construído por Green & Alfred Blyth, em Inglaterra. Foi o primeiro navio de vapor especialmente construído para a Armada Nacional. O vapor foi lançado à água em 7 de Agosto de 1845. Largou de Londres para Portugal em Junho de 1846.

Vapor Mindelo da Armada Portuguesa, João Pedroso (colecção particular).
A revolução industrial, Lisboa marítima e Marinha de Guerra, na obra de João Pedroso...

As suas principais características eram: comprimento - 58 m; boca - 10 m; arqueação - 643.26 metros cúbicos; lotação em 1855 - 130 homens.

Deu protecção da cristandade de Tunes e aos súbditos portugueses em Roma. Desempenhou missões de fiscalização. Conduziu tropa, membros do Governo e da Família Real. Desempenhou comissão a Cabo Verde, Guiné e Angola. Integrou uma expedição naval à Guiné. 

Achou-se no combate naval do Douro em 1847. Foi capturado pela junta revolucionária designada de "Patuleia".

Conduziu o Príncipe Joinville e a sua esposa, a princesa do Brasil, D. Francisca, em 1850. Escoltou até fora da barra do Tejo a fragata "D. Fernando" que conduzia Sua Majestade Imperial, a Duquesa de Bragança e sua filha D. Amélia. 

Em 1854 conduziu a Inglaterra e o regresso a Portugal o Rei D. Pedro V e seu irmão Infante D. Luís. Integrado na força Naval do Barão de Lazarim, em 1855, conduziu o Rei D. Pedro V e o Infante D. Luís para França, Bélgica e Inglaterra. 

Conduziu o Rei e sua comitiva a Cádis, respectivamente em 1856 e 1863. Em 1858 conduziu o Duque de Terceira e o Marquês de Ficalho para Ostende e conduziu, para Cádis, o Príncipe Leopoldo de Hohenzollern e comitiva. 

Em 1865 largou para Bordéus incluído na Divisão Naval que conduzia o Rei D. Luís, a Rainha e o Príncipe Real. Nesse ano ficou às ordens do Rei, em Génova.

A Família Real portugueza saindo do Tejo,
acompanhada pelos navios de guerra francezes "Magenta", "Flandre" e "Heroine".
Partida para França da Família Real em 1865, João Pedroso.
Revista da Armada, abril de 2014

Em 1866 ficou às ordens do Duque de Saldanha, junto da Santa Sé. Foi aproveitado para Pontão em 1873. Em 1878 foi vendido. (2)


(1) Modelos de navios existentes na Escola naval..., Lisboa, 1896
(2) Arquivo Histórico da Marinha

Mais informação:
Arquivo Histórico da Marinha: vapor Mindelo (pesquisa)
Arquivo Histórico da Marinha: Vapor de rodas Mindelo (registos)
Royal Greenwich Museums, Mindelo (ship plans not in display)

Leitura relacionada:
A revolução industrial, Lisboa marítima e Marinha de Guerra, na obra de João Pedroso (1825-1890)

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Torquato José Clavina, constructor naval (I de II)

Foi discípulo de Manoel Vicente, e succedeo-lhe no lugar de 1.° Constructor. Era mais practico do que theórico; mas tinha singular gosto, e rara aptidão para as obras de architectura naval. Construio vários navios de differentes portes, a saber:

No ministério do Marquez de Angeja, a náo Meduza em 1780 [1786], as fragatas Tritão [1786], Golfinho [1786], Cisne [1777], e Minerva [1788], as charruas Príncipe da Beira [depois Príncipe do Brazil, 1775], e Aguia [1777], e o brigue Lebre [1788];

Lisboa Vista da praia dos Santos em 1788 feita por Alberto Dufourcq.
Em primeiro plano, sobre a praia, observam-se os estaleiros navais, com intensa actividade de reparação naval e estiva. Na linha do horizonte, toda a frente ribeirinha da zona de Santos, prolongando-se até ao Cais do Sodré. No topo do Alto de Santa Catarina destaca-se a desaparecida igreja da mesma denominação, demolida em 1833, seguida do casario do bairro da Bica que preenche o vale. No lado oposto observa-se a Ermida das Chagas. Sobressai ainda o grande edifício que foi o Palácio dos Duques de Valença.
cf. Museu de Lisboa

No ministério de Martinho de Mello e Castro, a náo Maria I [1789], — e a náo Rainha de Portugal [1790], a fragata Ulisses [1792], os brigues Gaivota [do mar, 1792], Serpente [do mar, 1791], e Palhaço [; Diligente, 1792], o cuter Balão [1792] y e o hyacht Anjo [anotações cf. O Recreio, jornal das familias vol. II, 1836].

Vista do Arsenal de Lisboa, Alexandre-Jean Noël, 1785.
Cabral Moncada Leilões

A náo Rainha de Portugal, fabricada ern 1790, foi huma das mais bellas obras deste Constructor, tanto pelo seu grande andamento, como por sua elegante fôrma, e por outras boas qualidades que muitas vezes attrahirão a admiração dos estrangeiros.

Almirante Napier a bordo da nau Rainha de Portugal no Tejo, depois da sua vitória sobre a esquadra de D. Miguel em 1833. Um dos dois quadros que representa a entrada da esquadra comandada por Napier após a Batalha do Cabo de São Vicente. Embora a legenda de ambas mencione o facto de Napier estar embarcado na nau Rainha de Portugal, na realidade ele estava na nau D. João VI. Ambos os navios integravam a esquadra miguelista antes da batalha. Tanto a nau D. João VI como a nau Rainha de Portugal, se renderam à fragata homónima desta última, na qual se encontrava Napier. Após a batalha, a fragata Rainha de Portugal ficou em Lagos a reparar os estragos sofridos na batalha e Napier dirigiu-se para Lisboa, comandando uma esquadra que incluía as duas naus acima referidas. Ele veio embarcado na D. João VI, que anteriormente era o navio chefe da esquadra miguelista.
cf. Museu de Marinha

Por duas vezes que esta náo foi aos portos da Grã-Bretanha, os constructores Inglezes lhe tiravão o risco, e as dimensões. 

Almirante Parker da Armada Real prestando honras ao Almirante Napier,
Comandante Chefe português, a bordo da Rainha de Portugal, no Tejo em 1833
Museu de Marinha

A Rainha Senhora D. Maria I attendeo o merecimento deste Artista, concedendo-lhe o lugar e ordenado do seu antecessor, e condecorando-o com o habito da Ordem de N. S. J. Christo, Falleceo pelos annos de 1800. (1)

História das naus, fragatas, bergantins (brigues), charruas etc.

"S. José, Príncipe da Beira" (1775-1795) — Charrua que em 1775 foi comprada para transporte de madeiras do Brasil. Naquela missão fez várias viagens ao Brasil.

"Príncipe do Brasil" (1775) — Charrua que em 1775 foi construída em Lisboa. Possivelmente é a nau de viagem do mesmo nome que em 1780 seguia para a Índia.

"N.a S.ra do Monte do Carmo, a Medusa" (1786-1822) — Nau de 74 peças que foi lançada à água em Lisboa em 24 de Agosto de 1786. Empregou-se no serviço de guarda-costa. Tomou parte como navio-chefe na expedição a Roussillon. Era navio da esquadra que transportou em 1807 a família real ao Brasil. Ficou no Brasil depois da independência, em 1823.

Departure of H.R.H. the Prince Regent of Portugal for the Brazils, Henry L Evêque, F. Bartollozzi.
(Campaigns of the British Army in Portugal, London, 1812)
Imagem: Wikipédia

"N.a S.ra do Bom Despacho, Cisne" (1779-1802) — Fragata de 36 peças que foi lançada à água em Lisboa em 25 de Setembro de 1779. Empregou-se principalmente no serviço de guarda-costa. Em 1802 foi capturada por uma fragata argelina no Mediterrâneo.

"Santíssimo Sacramento, Coração de Jesus e Águia" (1779-1808) — Charrua que foi lançada à água em Lisboa com a fragata Cisne em 25 de Setembro de 1779. Em 1780 largou para o Pará. Fez várias viagens ao Pará. Em 1800 naufragou na altura da ilha de Santa Maria quando seguia na frota do Brasil.

"Golfinho e N.a S.ra do Livramento" (1782-1814) — Fragata de 40 peças que foi lançada à água em Lisboa em 27 de Janeiro de 1782. Em 1784 entrou na expedição combinada contra Argel e em 1807 seguiu na armada que levou a família real ao Brasil. Em 1816 foi desmanchada por inútil.

"N.a S.a das Necessidades, Tritão" (1783-1819) — Fragata de 44 peças que foi lançada à água em Lisboa em 30 de Junho de 1783. Em 1784 entrou na expedição combinada contra Argel. Em 1797 assistiu ao combate do cabo de S. Vicente entre ingleses e espanhóis. Em 1819 foi mandada desmanchar em Lisboa.

"N.a S.a da Vitória, a Minerva" (1788-1809) — Fragata de 48 peças que foi lançada à água em Lisboa em 19 de Julho de 1788. Empregou-se no serviço de guarda-costa. Em 1807 largou incluída na esquadra que levou ao Brasil a família real. Em 1809, depois de combate, foi tomada pela fragata francesa Bellone, na Índia.

"Lebre" (1788-1821) — Bergantim de 24 peças que foi lançado à água em Lisboa em 16 de Outubro de 1788. Era cúter no estaleiro, mas foi botado ao mar já como bergantim. Devido às suas grandes dimensões, era conhecido por Lebre Grande, para o distinguir de outro do mesmo nome de 1798. Empregou-se principalmente na guarda-costa. Em 1816 tomou parte na campanha do sul do Brasil. Em 1821 foi desmanchado no Rio de Janeiro.

"Coração de Jesus, Maria I" (1789-1810) — Nau de 74 peças que foi lançada à água em Lisboa em 18 de Dezembro de 1798. Entrou nas esquadras de socorro à Inglaterra na Mancha em 1793 e 1794. Em 1801 fazia parte da Esquadra do Sul. Perdeu-se por encalhe no porto de Cádis, em 1810.

Lançamento à água da nau Maria I, da fragata Príncipe do Brasil e do bergantim Serpente do Mar na Ribeira das Naus, Alexandre-Jean Noël, 1789.
Arquivo Histórico da Marinha

"Rainha de Portugal" (1791-1848) — Nau de 74 peças que foi lançada à água em Lisboa em 28 de Setembro de 1791. Entrou nas esquadras de socorro à Inglaterra em 1793,1794 e 1798-1800. Pertenceu a várias esquadras de guarda-costa. Era navio da esquadra que transportou ao Brasil a família real em 1807. Entrou no combate do cabo de S. Vicente em 5 de Julho de 1833, depois do que mudou o nome para Cabo de S. Vicente. Em 1848 foi mandada desmanchar por inútil.

Scale: 1:48. Plan showing the body plan, stern board outline, sheer lines with inboard detail, and longitudinal half-breadth for 'Rainha de Portugal' (circa 1791), a Portuguese 74-gun Third Rate, two-decker, as taken off at Portsmouth Dockyard. Note that this ship was one of the Portuguese warships to escort the Portuguese Royal Family and Government to Brazil in 1807. Signed by Henry Canham [Assistant to the Master Shipwright, Portsmouth Dockyard, 1801-1813].
cf. Royal Museums Greenwich

"Ulisses" (1792-1807) — Fragata de 36 peças que foi lançada à água em Lisboa em 15 de Dezembro de 1792. Em 1804 passou a chamar-se Urânia. Empregou-se na guarda-costa e no serviço de comboios.

Fragata da Esquadra que transportou em 1807 a Família Real para o Brasil Possivelmente a Fragata Ulisses.
Arquivo Histórico da Marinha

"Gaivota do Mar" (1792-1822) — Bergantim de 24 peças que foi lançado à água em Lisboa em 1792. Empregou-se principalmente na guarda-costa, quer em esquadra, quer escoteiro. Em 1817, nas águas do Uruguai, tomou por abordagem o corsário de Artigas, chamado Atrevido do Sul. Em 1822 passou à Marinha do Brasil como corveta Liberal.

"Serpente do Mar" (1791-1816) — Bergantim que em 1816 passou a classificar-se como corveta Calipso (1791-1831).

"Calipso" (1791-1831) — Bergantim Serpente do Mar, lançado à água em Lisboa em 28 de Setembro de 1791 e que em 1816 passou a corveta Calipso. Empregou-se nos serviços de guarda-costa e de comboios. Em 1816 largou para a campanha do rio da Prata. Em 1823, incluída na esquadra da Baía, bateu-se nas águas brasileiras com as forças de Cochrane. Em 1834 foi vendida por inútil.

"Diligente" (1792-1810) — Bergantim de 24 peças que foi lançado à água em Lisboa em 15 de Dezembro de 1792. A princípio era conhecido por Sem Nome, Palhaço e Novo. Em 1796 passou a chamar-se Diligente. Empregou-se no serviço de guarda-costa. Em 1807 consta ter sido vendido, sendo desmanchado em 1810.

"Balao" (1792-1822) — Cúter [chalupa] de 20 peças que em 1792 foi lançado à água em Lisboa. Em 1797 já aparece como bergantim. Em 1798 juntou-se em Nápoles à esquadra do marquês de Nisa que cooperava com a esquadra inglesa de Nelson. Em 1816 tomou parte na expedição Lecor ao Brasil. Em 1822 achava-se condenado na Baía. (2)


(1) Bispo Conde D. Francisco, Lista de alguns artistas portuguezes..., Lisboa, 1839
(2) Cmdt. António Marques Esparteiro, Catálogo dos navios brigantinos (1640 - 1910)


Leitura relacionada:
Os navios da Armada Real portuguesa em 1807, Revista da Armada n.° 413, novembro de 2007

Informação relacionada:
Modelos de navios existentes na Escola naval que pertenceram ao Museu de marinha, Lisboa, 1896
Cmdt. António Marques Esparteiro, Catálogo dos navios brigantinos (1640 - 1910)
O Recreio, jornal das familias vol. II, 1836
Royal Museums Greenwich: Rainha de Portugal' (circa 1791)
Nau "Rainha de Portugal", Revista da Armada n.° 14, novembro de 1972
Arquivo Histórico de Marinha: Nau Rainha de Portugal
Arquivo Histórico da Marinha: (pesquisa) Torcato José Clavina
A revolução industrial, Lisboa marítima e Marinha de Guerra, na obra de João Pedroso (1825-1890)
A marinha de guerra portuguesa desde o regresso de D. João VI a Portugal...

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Torquato José Clavina, constructor naval (II de II)

História do bergantim (ou galeota) real
"... cuja tripulação se compunha por homens do Algarve de tez morena, vestidos de calções curtos, jaqueta de veludo amaranto, envergando boinas venezianas. Remavam em pé, cadenciando os movimentos do remo com uma espécie de ladainha em homenagem à rainha que cantavam em coro."
cf.
François Ferdinand Philippe Louis Marie d'Orléans, prince de Joinville,
Vieux souvenirs: 1818 - 1848, Paris, Calmann Lévi, 1894
Autorias: Torcato José Clavina; Construtor Naval; 
Responsável pelo risco e construção da embarcação. Pedro Alexandrino de Carvalho; 
Pintor; Painel exterior da Camarinha e paisagem que descora a segunda sala. Manuel Vieira; 
Entalhador Joaquim José de Barros Laborão; 
Entalhador Luís Baptista; Pintor; 
Pintura decorativa do exterior, sob direção de Inácio Merireles, pintor e dourador da Ribeira das Naus. 

Medidas: 
Boca: 3,98 m
Comprimento: 29,33 m 
Pontal: 1,32 m

01/06/1780; Mandado construir pela Rainha D. Maria I para o casamento do Príncipe D. João (D. João VI) com a Infanta Carlota Joaquina.

O bergantim real, João Pedroso, 1867.
Archivo Pittoresco n.° 9, 1867

1783; Embarcação ficou concluída em finais de Novembro.

Popa do bergantim real, João Pedroso, 1867.
Archivo Pittoresco n.° 11, 1867

1784; Esponsais do infante D. João (futuro D. João VI) com a princesa Carlota Joaquina, em Maio. Transporta para Aldeia Galega D. Maria I, D. Pedro III e seus filhos, D. João e a Infanta D. Maria Ana Vitória, para o recebimento da Infanta Carlota Joaquina de Bourbon.

Casamento de D. João e D. Carlota Joaquina (1785), Francisco Leal Garcia.
Google Arts & Culture

1807; Transporta D. Maria I e o filho, o Príncipe Regente D. João, para bordo da Esquadra Portuguesa, aquando da transferência da corte para o Brasil, por motivo da invasão francesa de Junot.; Transporta a Rainha D. Maria I para bordo da nau "Principe Real".

Departure of H.R.H. the Prince Regent of Portugal for the Brazils, Henry L Evêque, F. Bartollozzi.
(Campaigns of the British Army in Portugal, London, 1812)
Imagem: Wikipédia

04/06/1821; Transportou D. João VI, de bordo da nau "D. João VI", no seu regresso a Lisboa, vindo do Brasil.

Lisboa, Praça do Comércio, desembarque de D. João VI, 4 de julho de 1821, Constantino Fontes.
Wikipédia

[1862;] Transporta D. Pedro V e Maria Pia de Sabóia à sua chegada a Lisboa para casar com o Rei D. Luís [de facto foi o rei D. Luís que embarcou no bergantim; D. Pedro V falecera em 1861]. 

1880; Transportou para Belém, com destino aos Jerónimos, as ossadas de Vasco da Gama e de Camões.; Fonte: Artigo de Luís António Marques.

Cortejo fluvial de 8 de junho de 1880, João Dantas.
Museu de Marinha

[1895; Cortejo fluvial por ocasião do Centenário de Stº António, no rio Tejo. O Bergantim conduzindo a imagem de Stº António.]

Cortejo fluvial por ocasião do Centenário de Stº António, no rio Tejo, 1895.
Museu de Marinha

1901; Transportou o Rei D. Carlos e a Rainha D. Amélia para terra, no regresso da sua visita à Madeira e Açores.; Fonte: Artigo de Luís António Marques.

1903; Em Abril, conduziu o rei Eduardo VII, de Inglaterra, ao Cais das Colunas, na sua visita oficial a Lisboa, a bordo do iate real "Victory and Albert".; Fonte: Artigo de Luís António Marques.

Visita a Portugal do rei Eduardo VII de Inglaterra, António Novais, 2 de abril de 1903.
Arquivo Municipal de Lisboa

1903; Em Dezembro, foi utilizado para o desembarque no Cais das Colunas do rei Carlos V [Afonso  XIII] de Espanha, durante a sua visita a Portugal. Também transporta, para bordo do Cruzador "Carlos V", os reis portugueses, aos quais o rei espanhol ofereceu um baquete de honra, naquele navio.; Fonte: Artigo de Luís António Marques.

Visita de Afonso XIII de Espanha, 1903.
Arquivo Municipal de Lisboa

1905; Em Março, conduziu, a bordo do iate real "Victory and Albert", a Rainha Alexandra de Inglaterra, terminada a sua visita a Portugal.; Fonte: Artigo de Luís António Marques.

Chegada da Rainha Alexandra, António Novais, 22 de março de 1905.
Arquivo Municipal de Lisboa

1905; Utilizada na chegada do Imperador Guilherme II, da Alemanha, na sua visita a Portugal, a bordo do Cruzador "Hambourg".; Fonte: Artigo de Luís António Marques.

1905; Em Outubro, transporta o Presidente da República Francesa, Emile Loubet, a bordo do Cruzador "Leon Gambeta", de regresso a França. após visita oficial a Portugal.; Fonte: Artigo de Luís António Marques.

O navio que conduziu Émile Loubet de regresso a França, António Novais, 29 de outubro de 1905.
Arquivo Municipal de Lisboa

1907; Conduz, para bordo do Cruzador "D. Carlos I", o Rei D. Carlos e a Rainha D. Amélia, por ocasião do Festival Marítimo de Cascais.

1920; Em Novembro, foi utilizado na visita oficial que os reis da Bélgica, Alberto I e Elisabeth, fizeram a Portugal.; Fonte: Artigo de Luís António Marques. História da peça;

De 1907 a 1934 permaneceu num telheiro na Junqueira, em seco.

Fotografia do Bergantim Real no plano inclinado do antigo telheiro das galeotas reais na Junqueira.
Museu de Marinha

1934; Participou num cortejo náutico por ocasião das Festas da Cidade de Lisboa.

A partir de 1934 esteve em seco, no Telheiro da Azinheira, na margem sul do Tejo.

Depósito da Azinheira (Seixal). Direção do Material de Guerra e Tiro Naval, 1934.
Museu de Marinha

1957; Preparada para a viagem da Rainha de Inglaterra (preparada para navegar, com respetiva guarnição). Reparações efetuadas na doca seca da Parry & Son, em Cacilhas. Escolha e preparação da guarnição a cargo do Cte. Sena Dentinho (à data comandante da Escola de Marinharia da Armada e do navio-escola "Sagres"). 

Elizabeth II entering in Lisbon by the river Tagus, 1957.
Pinterest

18/02/1957; Conduziu para o Cais das Colunas, no Terreiro do Paço, de bordo do "Britannia", a Rainha Isabel II de Inglaterra e o Duque de Edimburgo quando visitaram Portugal. 
Elizabeth II, aboard the Royal Yacht Britannia, arriving for a State Visit to Portugal. Amadeo Amadeu Ferrari, 1957.
Arquivo Municipal de Lisboa

1963; Transportado para o Museu de Marinha, para ficar em exposição permanente. 

20/11/1997; Recebeu medalha e inclusão no World Ship Trust [Award No 13]. (2)


(1) Museu de Marinha

Galeria de imagens (Museu de Marinha):
Bergantim real

Leitura relacionada:
A última missão do Bergantim Real (1), Revista da Armada n.° 405, fevereiro de 2007
A última missão do Bergantim Real (2), Revista da Armada n.° 406, março de 2007
Os navios da Armada Real portuguesa em 1807, Revista da Armada n.° 413, novembro de 2007
Peças para recordar, Revista da Armada n.° 413, novembro de 2007

Informação relacionada:
Cmdt. António Marques Esparteiro, Catálogo dos navios brigantinos (1640 - 1910)
O Recreio, jornal das familias vol. II, 1836
Royal Museums Greenwich: Rainha de Portugal' (circa 1791)
Nau "Rainha de Portugal", Revista da Armada n.° 14, novembro de 1972
Arquivo Histórico de Marinha: Nau Rainha de Portugal
Arquivo Histórico da Marinha: (pesquisa) Torcato José Clavina
Comissão Cultural de Marinha: Bergantim Real
A revolução industrial, Lisboa marítima e Marinha de Guerra, na obra de João Pedroso (1825-1890)