quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Henri l`Évêque, Lisboa e panorâmica do Tejo na década de 1800

Como se transformou um pintor retratista de miniaturas e paisagista num repórter de actualidades aproximando-se da arte da gravura? A metamorfose vocacional de L'Évèque registada no seu período de estadia em Portugal deriva das oportunidades que encontrou no pais.

Vista de Lisboa e panorâmica do Tejo na década de 1800 (detalhe) por Henri l`Évêque.
Arquivo dos Portos de Lisboa, Setúbal e Sesimbra

Aqui encontraria radicados dois gravadores de craveira internacional, o veterano figurista Francesco Bartolozzi, em Lisboa desde 1802, e o paisagista Benjamin Comte, contratado em Londres em 1804 pelo governo português. 

Vista de Lisboa e panorâmica do Tejo na década de 1800 (detalhe) por Henri l`Évêque.
Arquivo dos Portos de Lisboa, Setúbal e Sesimbra

A chegada de L'Evéque terá acontecido seguramente antes da partida da corte para o Brasil que documentada visualmente.

Vista de Lisboa e panorâmica do Tejo na década de 1800 (detalhe) por Henri l`Évêque.
Arquivo dos Portos de Lisboa, Setúbal e Sesimbra

Sem que tenhamos elementos que liguem directamente os dois mestres gravadores às suas expectativas nessa viagem a Portugal, do seu encontro em Lisboa resultariam parcerias frutuosas encontrando neste convivia o necessário complemento ao seu desenho fácil.

Vista de Lisboa e panorâmica do Tejo na década de 1800 (detalhe) por Henri l`Évêque.
Arquivo dos Portos de Lisboa, Setúbal e Sesimbra

Em termos cronológicos as primeiras obras nacionais são em concordância realizadas em colaboração com Bartolozzi e Comte. Com o primeiro assinaria a referida partida do Principe Regente para o Brasil — e mais tarde a retirada de Junot depois do fracasso da primeira invasão francesa — debutando nas imagens de actualidade.

Vista de Lisboa e panorâmica do Tejo na década de 1800 por Henri l`Évêque.
Arquivo dos Portos de Lisboa, Setúbal e Sesimbra

Com o segundo, note-se também de origem suíça, a colaboração convergiu inicialmente para um par de vistas (mosteiro da Batalha e aqueduto das Águas Livres), em que se conjugam três aspectos: o desenho topográfico que recria as arquitecturas dos monumentos e as contextualiza; a moldura naturalista que concede à imagem o cunho paisagista e, finalmente, a omnipresença de figurantes espalhados pela composição, bem caracterizados social e etnograficamente pelos seus trajes e atitudes. 


Vista do Convento da Batalha, Henri l'Évêque, 1812.
Biblioteca Nacional de Portugal

Em síntese, o rigor da topografia e do estudo dos costumes associado ao pitoresco da paisagem define o essencial desta parceria.

A receita seguia as preferências do público britânico não só pela lugar central dado ao património arquitectónico, mas igualmente pelo uso do paisagismo como cenário e não como tema dominante, ainda equilibrado com a repetida presença humana.

As duas referidas vistas, seriam respectivamente dedicadas a dois chefes militares britânicos: John Earl, com uma extensa legenda explicativa em inglês sobre a construção do aqueduto, e a Wellington.

Lisboa Aqueduto Rabicha Henri l Eveque 1809.
Cabral Moncada Leilões

A primeira impressa em Lisboa e a segunda já pelos habituais Colnaghi & Ca em Londres mudança que nos anuncia o processo de transição em curso nas prioridades comerciais estabelecidas pelo genebrino. Se por um momento parece haver alguma expectativa na procura nacional, com a saída da corte em finais de 1807 a atenção de L'Évéque concentrar-se-ia no mercado inglês. 

A frase inscrita na correspondência com António de Araújo e Azevedo, então já no Rio de Janeiro, ilustra convenientemente a nova situação: "(...) Car que faire ici les artistas et les arts y pleurent depuis que S.n Ex.ce n'y est plus".

Embarque do principe regente de Portugal com toda a Familia Real em 27 de novembro às 11 horas da manhã [1807],
des. Henri L' Évêque (1769-1832), grav. Francesco Bartolozzi (1728-1815).
Biblioteca Nacional de Portugal

O conhecimento que Comte e, sobretudo, Bartolozzi possuiam sobre a organização do mercado da gravura e da edição ilustrada londrinas pode ter sido a ponte identificada por L'Évéque para esse mercado em expansão. (1) aqui


(1) Miguel de Faria, Henry L'Eveque e outros reporteres, III. Dados biográficos, 2015

Bibliografia:
Agostinho Araújo, Experiência da natureza e sensibilidade pré-romântica em Portugal : temas de pintura e seu consumo : 1780-1825, 1991
Agostinho Araújo, Foteini Vlachou, Miguel Figueira de Faria, Henri L’Évêque: artista viajante (1769-1832), Lisboa, Scribe, 2018

Leitura relacionada:
Campaigns of the British Army
Costume of Portugal
Henri l'Evêque, c. 1814
Henri l'Evêque, c. 1814

Artigos relacionados:
Henri l'Évêque (1769-1832)
Henri l’Évêque, artista viajante, primeiras impressões
Henri l`Évêque, Cacilhas no início da década de 1800 (I de II)
Henri l`Évêque, Cacilhas no início da década de 1800 (II de II)
Nicolas Delerive (1755-1818)
Alexandre-Jean Noël (1752-1834), no Museu de Artes Decorativas de Lisboa
O Tejo de Jean-Baptiste Pillement
etc.

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