quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Josepha Greno: flores e fructos

E agora regosigemos os olhos com variegadas flores que vivem numas deliciosas télas, pintadas pela Ex.ma Sr.a D. Josepha Garcia Greno, uma hespanhola que esposou um portuguez, o sr. Greno. 

Retrato de Josefa Greno (detalhe), Adolfo Cesár Medeiros Greno, 1887.
Imagem: DezenoveVinte

Um casal de artistas. Sem rivalidades. Casados para o amor e para a arte.

Ella cultivando as flores dos seus quadros, que nascem debaixo do seu pincel, com espontaneidade, com collorído, com viveza e graça natural, numas composições imprevistas, como "Um ninho de flores" e tantos outros quadros que reacendem o aroma das rosas e dos lilazes.

Elle cultivando o retrato com certa distincção, muito principalmente no de M.lle Nascimento, uma cabeça primorosamente pintada, com frescura, suave, destacando-se do fundo, sem dureza, muito melhor que "Las Pritaneras", urna hespanhola que, sentada nos degraus da sua porta, entre uns vasos de flores, dedilha na viola com a qual se não sente á vontade, numa posição a que mostra estar pouco habituada, e que o redondo do desenho torna ainda mais sensível, alem da prespectiva não iludir o suficiente para que a figura se despegue do fundo. (1)

Soirée chez lui ou Concerto de amadores, Columbano, 1882.
Da esquerda para a direita: Maria Augusta Bordalo Pinheiro, Adolfo Greno, um cantor italiano, Josefa Greno e Artur Loureiro ao piano.
Imagem: MNAC

Greno gosta d'aformosear os seus esmerados estudos de figura, tratados pacientemente, e retoca as faces das pessoas retratadas com uns suaves tons roseos, que eu, por desventura minha, não estou afeito a ver por essas ruas e encruzilhadas nas caras innumeraveis dos tranzeuntes; todavia, aqui lhe confesso, effusivo e grato, que o antiquado candeeiro de latão amarello, com os tres bicos no bojo e a sua alta haste bandeirolada, introduzido solitariamente n'um dos seus quadros, provocou-me uma saudade saborosa das boas noites passadas no conchego acalentado e pacifico dos serões d'aldeia. 

A sr.a Josepha Garcia Greno expõe de novo as suas composições decorativas de fructas e flores, tão vigorosamente executadas; dentre ellas, destaco uma tela magnifica, em que se desmancha ao acaso um molhe espesso d'amores perfeitos; emquanto que outra pinturinha, archaica e alegre, com um ramo de rosas brancas recortadas em fino contorno sobre o fundo dourado, tem um bonito ar byzantino. (2)

Natureza morta, Josefa Greno.
Imagem: Palácio do Correio Velho

A ex.ma Sr.a D. Josepha Greno uma das mais distinctas artistas do nosso paiz expõe um grande numero de télas, a maior parte das quaes nos revelam a grande technica, certeza e felicidade de toque, de que é possuidora a illustre artista.

Os n.os 51, 52, 59, 61 e 67 são uma grande belleza de colorido e na verdade muito decorativos. O n.° 67 "Amores perfeitos", especialmente é muito primoroso.

Jarra com flores, Josefa Greno.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Alguns ha porém que gostamos menos; o n.° 56 "Malvaiscos" por exemplo é pouco cuidado; aqueles tons verdes são demasiado falsos e desagradaveis. N'este grupo incluiremos ainda o n.° 55 "Amores perfeitos", que temos de classificar de "pochade" pouco feliz. (3)

A sr.a D. Josefa Greno, sem apresentar nenhum trabalho comparavel ao "Melão francez" do anno passado, sustenta no entanto os seus creditos de eximia pintora de flores.

Vaso com rosas, Josefa Greno.
Imagem: Palácio do Correio Velho

Dos seus quadros são especialmente notaveis os "Malvaiscos e fructos", as "Rosas e despedidas de verão" e os "Fructos", tratados com a maestria que lhe é habitual; o "Cesto de rosas", de tonalidade delicada e composição muito feliz, e as "Estrellas do Egypto", tambem muito bonito de aspecto; e ainda as "Rosas" e as "Rosas e papoulas", de factura vigorosa e quentes de cor.

Vaso com flores, Josefa Greno.
Imagem: Palácio do Correio Velho

Das paisagens expostas pela mesma senhora, bastante inferiores ás suas flores, é ainda assim muito agradavel de aspecto a "Devesa do Cumulo", numa gamma delicada e branda. (4)

A sr.ª D. Josepha Garcia Greno [(1850-1902)] é uma artista festejada, muito conhecida pelos seus bellos quadros de flôres, e se as suas paisagens que este anno expõe se podessem medir com as flores que sabe pintar, teria augmentado consideravelmente os seus creditos de pintora.

Flores, Josefa Greno.
Imagem: Palácio do Correio Velho

Infelizmente não acontece assim e os seus quadros de paizagem deixam tanto a desejar como os seus quadros de flores satisfazem perfeitamente.

Flôres, illustre artista, é que deve pintar; estas agradecem-lhe muito mais os seus cuidados, dando-lhe mais triumphos como os que tem tido em outras exposições, onde as suas flores tem sido devidamente apreciadas, ainda que n'esta não foi tão feliz, talvez porque descurasse um pouco os seus "Lilazes", "Malvaiscos e Rozas" preoccupada com as "Margens do Agueda" e as "Margens do Vouga" que afinal a não compensaram condignamente.

Lilazes, Josefa Greno.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

De todos os quadros o que mais nos agradou foi o "Rosas e malmequeres". (5)

D. Josefa Greno anima a exposição com o fresco colorido das suas bellas flores. As — Papoulas — são uma gentileza. Em alguns outros quadros os fructos têem bastante perfeição e muita verdade. As composições são sempre graciosas, o desenho, em geral, bom e em todos os seus trabalhos se encontra alguma cousa mais que o correcto. — Preparos para o festim — é uma bonita composição, animada na sua insensibilidade, que é pena ter algumas imperfeições no desenho, e estarem pouco tratados os primeiros planos.

Esta senhora, uma verdadeira artista, cultiva amorosamente o genero a que se dedicou, e as suas télas offerecem sempre uma variedade e encanto seductores. (6)

Flores [Malmequeres e papoulas], Josefa Greno.
Imagem: Veritas art auctioneers

D. Josepha Greno espalha pelas salas profusamente, rosas, lilazes, papoulas, malmequeres e amores perfeitos, depois, entrando nos dominios de Pomona, offerece-nos morangos, cerejas e outros fructos apeteciveis, mas alguns d’estes trabalhos são menos felizes do que outros, anteriores, que lhe fizeram uma merecida reputação. (7)

Peónias, Josefa Greno.
Imagem: Um percurso pela pintura...

Foi assim que um dia d'estes a cidade toda se commoveu profundamente ao ter noticia da morte de Adolpho Greno assassinado a tiro de revolver por sua propria mulher, D. Josepha Greno, tão conhecida entre todos os que frequentam exposições de bellas artes pelos seus primorosos quadros de flores. 

Retrato de Josefa Greno por Adolfo Greno.
Imagem: MatrizNet

Tinham por amor casado ha muitos annos, julgava-os felizes quem de perto os não conhecia. Atribue-se o crime a loucura da mulher, que, ha muito, com ciumes atormentava o marido, já tendo ha meses, disparado sobre elle um tiro de revolver. 

E elle perdoara, e tão tranquilo vivia agora que, quando novamente ella desfechou sobre elle, uma d'estas madrugadas, quatro tiros d'outro revolver que comprara, o pobre Greno, dormia socegado, refazendo forças para mais um dia de trabalho.

Julgam-a doida e assim deve estar, nem é facil por outra forma explicar o sangue frio que mostrou nos primeiros instantes que decorreram depois tio assassinato, não querendo sahir de casa sem primeiro ter almoçado placidamente.

Entre Rosas, Josefa Greno.
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897

Adolpho Greno, que nunca pela pintura conseguira alcançar nome ilustre, dedicava-se ultimamente á restauração de quadros velhos. Maior nomeada tinha entre os artistas a Sr.a D. Josepha Greno, sua esposa assassina.

Tragico fim d'um casal de artistas! (8) 


(1) O Occidente N.º 311, 11 de agosto de 1887
(2) O Occidente N.º 349, 1 de agosto de 1888
(3) O Occidente N.º 445, 1 de maio de 1891
(4) O Occidente N.º 481, 1 de maio de 1892
(5) O Occidente N.º 526, 1 de agosto de 1893
(6) Ribeiro Arthur, Arte e artistas contemporaneos (I), 1896
(7) Ribeiro Arthur, Arte e artistas contemporaneos (II), 1898
(8) O Occidente N.º 810, 30 de junho de 1901

Artigos relacionados:
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Grupo do Leão (7.ª exposição, 1887)
Grupo do Leão (8.ª. exposição, 1888)

Mais informação:
Cabral Moncada Leilões
Palácio do Correio Velho, leilão 166
Palácio do Correio Velho, leilão 290
Greno, Josefa Garcia Saéz (MatrizNet)
Patrimónios pouco visíveis: as pintoras Josefa Greno (1850-1902) e Fanny Munró (1846-1926)
Expresso

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