sábado, 6 de julho de 2024

Typos e costumes populares

Podendo considerar que durante séculos coexistiu uma apropriação entre as elites e o povo foi, de facto, com a pintura tardio-setecentista, com nomes como Jean-Baptiste Pillement (1728-1808), Alexandre-Jean Noel (1752-1834) e Nicolas Delerive (1755-1818), que vemos surgir, pela primeira vez, pequenas cenas de costumes inseridas na pintura de paisagem, um dos géneros pictóricos mais divulgados na época.

At the mouth of the River Tagus, Jean-Baptiste Pillement
MutualArt

De facto, é neles que encontramos os primeiros apontamentos do universo bucólico, absorto na inocência e simplicidade dos costumes rurais, apesar que não de forma explícita ou centralizada a nível de temática e enquadramento (...)

Aqueduto das Águas Livres, Alexandre Jean Nöel, 1792
(vista a jusante dos arcos com a Ermida de Sant'Anna)
Biblioteca Nacional de Portugal

Ao mesmo tempo que se davam os primeiros passos na representação dos populares nas artes em Portugal, os relatos dos viajantes e militares, ora com o fenómeno do Grand Tour, ora proporcionados pelas campanhas da Guerra Peninsular, concentravam um interesse pelos seus tipos característicos, costumes e infra-estruturas.

Feira da Ladra na Praça da Alegria em Lisboa (década de 1810), Nicolas Delaerive
MNAA

Estas aventuras turísticas a que se votaram William Beckford (1760-1844), Robert Southey (1774-1843), Lord Byron (1788-1824), Hans Christian Andersen (1805-1875), entre tantos outros, são autênticas resenhas de costumes civis ou populares que ao longo do século XIX serão amplamente reinterpretadas.

Aqueduto das águas livres, ponte e ribeira de Alcântara, século XIX
(cf.
William Beckford,  Sketches of the Country, Character, and Costume, 1808-1809)
Cabral Moncada Leilões

Alguns viajantes foram também gravadores, o que resultou numa tradução “directa” em imagens de tais costumes civis ou populares.

Vista do aqueduto de Lisboa, Henri l'Évêque, 1809
Cabral Moncada Leilões

Desenvolve-se então a gravura de costumes conhecendo-se nesta altura nomes como Nicolas-Louis-Albert Delerive (1755-1818), Zacharie Félix Doumet (1761-1818), Henry L’Évêque (1769- 1832), William Bradford (1779-1857), Jorge Bekkerster Joubert (1813-?) ou João Macphail (1816?-1856), sendo pioneiros a fazer circular imagens sobre os tipos populares portugueses que poucos anos depois viriam a ser reinterpretadas e aumentadas por outros gravadores e artistas, como por João Palhares (1810-1890), Manuel de Macedo (1839-1915), Alfredo Roque Gameiro (1864-1935), Alfredo Morais (1872-1971), Alberto Souza (1880-1961) ou até pelo figurado escultórico de Teixeira Lopes Pai (1837-1918) (...)

Aqueduto de Lisboa, Tomás da Annunciação, c. 1850.
Biblioteca Nacional de Portugal

Assim, imbuídos do espírito dos nossos escritores e da escola romântica estrangeira, Augusto Roquemont (1804-1852), Tomás da Anunciação (1818-1879), Francisco José de Resende (1825-1893), Leonel Marques Pereira (1828-1892), António José Patrício (1827-1858), João Cristino da Silva (1829-1877) e Manuel de Macedo (1836-1915), proporcionarão a estabilização do género, sustentando a retoma às origens, a procura da simplicidade rural, elogiando a saúde e qualidade de vida pré-industriais, representando de forma esbelta, proporcional e numa paleta excepcional, os usos e costumes portugueses (...)

Vista de uma parte da feira do Campo Grande, Tomás da Anunciação, c. 1850.
Biblioteca Nacional de Portugal

Com desenvolvimento litográfico e tipográfico dos meados do século XIX, vemos João Palhares a editar por três vezes uma extensa série de litografias denominadas de Costumes Populares Portugueses.
[...]

Guarda Municipal de Lisboa
Typos Costumes Portugueses, João Palhares, c. 1850
Biblioteca Nacional de Portugal

De tiragem significativa, mas até hoje não apurada, desconhece-se maioritariamente a proveniência das imagens representadas (se por um lado algumas imagens são reinterpretações doutros gravadores, por outro, determinados “tipos populares” surgem só nas suas litografias).

Novamente entendemos que as gravuras são muito “de inspiração”, sem noção das circunstâncias sociais, ou até mesmo dos factores determinantes, como económicos e geográficos, para a escolha de determinada indumentária em relação às designações e regiões atribuídas. (1)


(1) Gil Sousa Pinho, Decursos e discursos da tradição (...), 2021

Leitura relacionada:
Agostinho Araújo, Experiência da natureza e sensibilidade pré-romântica em Portugal (...), 1991
As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes

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