domingo, 26 de maio de 2024

Para defender a Vossa Alteza!

Nasci no Anno de 1802, a 4 de Janeiro, sendo o filho primogenito, e tive um irmão, D. Carlos Mascarenhas, nascido no 1° de Abril de 1803, e uma irmā, D. Leonor de Mascarenhas, que nasceu a 4 de Abril de 1804.

D. José Trazimundo Mascarenhas, 7º Marquês de Fronteira (detalhe)
Giovanni Silvano, 1830/31
Fundação da Casa de Fronteira e Alorna (fb)

Nenhum de nós conheceu os Avós, tanto paternos como maternos, nem a Avó paterna, porque todos tinham morrido, alguns annos antes do nosso nascirnento; e mal conhecemos o nosso Pai, porque falleceu em Fevereiro de 1806, na edade de 28 annos, perdendo nossa Mãe o juizo nesse mesma epoca, lendo apenas 26 annos de idade e conservando-se alienada até á sua morte, por espaço de 50 annos.

Comtudo tenho pequenas recordacões dos ultimos tempos da vida de meu Pai e do carinho com que elle nos tratava.

Quadro, atribuído a Domingos de Sequeira ou a Pellegrini, representando os três irmãos ainda crianças:
General Dom Carlos de Mascarenhas, D. Leonor Mascarenhas, Condessa de Alva
e D. José Trazimundo, sétimo Marquês de Fronteira.
Arquivo Municipal de Lisboa

Muitas vedes. quando estava de semana, me levava, e a meu irmão a Queluz. O seu quarto no Paço era onde os parentes e amigos esperavam a occasião de serem apresentados aos Principes. Tinha alli todas as suas commodidades como se estivesse em Bemfica (...)

Quinta de Gerard De Visme em São Domingos de Benfica
including the Quinta of the Marquis de Fronteira,
Alexandre-Jean Noel, 1794
Biblioteca Nacional de Portugal


Quando meu Pai falleceu, existia em Inglaterra, degradada por motivos politicos, minha Avó materna, a Condessa d'Oyenhausen, depois Marqueza d'Alorna, e meu Pai entregou a tutella de seus filhos a seu tio, o Marquez de Bellas, D. José de Castello Branco, Regedor das Justiças, e, no seu impedimento, ao tio de sua mulher, o Marquez d'Alorna, D. Pedro de Almeida Portugal.

Leonor de Almeida Portugal de Lorena e Lencastre (Alcipe)
autorretrato
, 1787/90
MASP

O Marquez de Bellas, tomando a tutella de seus sobrinhos netos, obteve, pela grande inlluencia que tinha no Primipe Regente D. João, que eu, seu pupillo primogenito, fosse agraciado com os títulos da casa de meus antepassados, bens da Coroa e direitos banes que a mesma disfructava, os quaes rendiam para cima de 14.000$000 rs. por anno.

Recordo-me perfeitamente da minha ida a Mafra e da minha apresentação a Sua Alteza Serenissima: não tinha eu completado ainda a edade de cinco annos.

Sahi de noite de Bemfica, rodo a dormir, cmurna sege, acompanhado por um intimo amigo de meu Pai, João Evangelista Machado, que com elle se tinha creado e que muitas vezes terei de mencionar nestas memorias, pelas repetidas provas que eu e meus irmãos recebemos da sua amizade durante toda a sua longa vida, e por Mr. Fabre, meu guarda.roupa, emigrado francez (...)

Em Mafra fui recebido nos braços de meu bom tio, que esperava ancioso a minha chegada, para me apresentar a Sua Alteza, depois de missa, hora destinada naquelle tempo para e recepção.

D. Pedro de Almeida Portugal, 3° marquês de Alorna e 6° conde de Assumar,
por Domenico Pellegrini, 1805
Fundação da Casa de Fronteira e Alorna
Wikipedia


Todos os empregados da Casa Real, de todas as classes, me tratavam melhor possivel. A minha situação de orfāo na edade de cinco anos, muita popularidade de que meu Pai gozava na Corte, pelas suas excellentes qualidades, e a pena que causou a sua prematura morte, eram outros tantos incentivos para todos me receberem e tratarem com grmde carinho e desvelado interesse (...)

Nunca fui ao Paço sem espada, porque nunca fui Moço Fidalgo, tendo gozado, desde a edade de cinco annos, as honras de Grande do Reino (...)

D. José Trazimundo Mascarenhas, 7º Marquês de Fronteira
Giovanni Silvano, 1830/31
Fundação da Casa de Fronteira e Alorna (fb)

Logo que avistei S. A., tremi de mêdo, tal foi a impressão que me causou a sua fealdade, mas, conhecendo quasi todos os que o cercavam, porque ou eram meus parentes ou amigos de meu Pai, tranquillisei-me.

Retrato do Principe Regente por Albertus Jacob Frans Gregorius
Palácio Nacional da Ajuda
MatrizPix


Sua Alteza costumava fazer sempre a mesma pergunta ás creanças que, na minha posição, lhe eram apresentadas, e era ela:

— Para que lhe serve a espada que traz á cinta?

Meu tio tinha-me ensinado a resposta que eu, á força de me ser repetida, decorei, e, quando S. A.,. segundo a etiqueta, me fez a pergunta, respondi de prompto:

— Para defender a V. A.!

O Principe nem para mim olhou, e estou hoje convencido de que nem ouviu a minha resposta. Logo que respondi, gritei por M. Fabre, e S. A., persuadindo-se de que eu tinha levado comigo um frade, disse para meu tio:

— Chamem o frade! (1)


(1) Memórias do Marquês de Fronteira e d'Alorna D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto ditadas por ele próprio em 1861 (1802 a 1824)

Artigos relacionados:
Alcipe
Marquesa de Alorna na Costa de Caparica
A familia do rei Clemente
O príncipe regente na arte equestre

Mais informação:
Fundação da Casa de Fronteira e Alorna
Fundação da Casa de Fronteira e Alorna (fb)

sábado, 25 de maio de 2024

Cubismo antecipado para Carlota Joaquina

Na pintura cubista, o tema, é avaliado, analisado, categorizado e ordenado de forma abstracta — em vez de usar uma única perspectiva — o artista retrata o tema a partir de múltiplas perspectivas (sobrepostas, adjacentes, complementares, invertidas etc.) e, no mesmo plano, representa-o num contexto mais amplo e diversificado.

Retrato de Carlota Joaquina
edição digital 
autor desconhecido, PNA/Manuel Dias de Oliveira, col. particular
Rui Granadeiro

E porque o tema a isso se presta, a tentativa de identificar o autor do retrato neoclássico da década de 1800, Carlota Joaquina (Princesa do Brasil), que se encontra no Palácio Nacional da Ajuda (PNA).

Retrato de D. Carlota Joaquina (detalhe), autor desconhecido
Palácio Nacional da Ajuda
Wikimedia


Conhecendo a dimensão temporal do objecto, o quadro anónimo, e do método, as permissas do cubismo, pode permitir-se ao não académico, focar-se num objecto a mais de 200 anos, e no método, a mais de 100, ignorando movimentos e tendências da retrospectiva entre ambos: Braque/Picasso, Paul Cézanne, realismo, romantismo e outras derivações na arte da pintura.

Aliás, o método, deriva naturalmente do próprio sujeito/objecto. Com as devidas distâncias, inguém mais cubista que Carlota Joaquina. Quem conhece a história do fim do antigo regime e do liberalismo em Portugal, está ao corrente em como o tema "Dona Carlota Joaquina, princesa da Beira/princesa do Brasil/rainha de Portugal" tem sido avaliado, analisado, categorizado, e ordenado em múltiplas perspectivas em contextos mais ou menos amplos e diversificados.

Sem preconceitos, as representações pictóricas vão no mesmo caminho. Longe de Simonetta Vespúcio, aparece-nos em retratos feitos por diferentes pintores, representações distantes da harmonia descritiva e da mensagem expressas no retrato do Palácio Nacional da Ajuda. Um cubismo latente mas reforçado se, inconscientemente, lhe associarmos as mais diveirsas descrições do carácter da retratatda.

Por fim, uma referência ao significado das palavras escritas nas telas cubistas, também com paralelo nas neoclássicas.

ooOoo


A pintura contém as seguintes inscrições: "VIRT E SAB", na lombada do livro; "SALUD ET GLORIA", na Insígnia da Ordem da Cruz Estrelada; e "PANPIRIVM SOLA[ ]", na Insígnia da Ordem de Santa Isabel.


Retrato de D. Carlota Joaquina, autor desconhecido, óleo sobre tela, 82x63,5 cm.
Palácio Nacional da Ajuda
Wikimedia


Por estas duas últimas inscrições, percebe-se que o pintor não era versado nestes assuntos. Na verdade, na primeira, "SALUD" está por "SALUS" e na segunda, "PANPIRIVM SOLA[ ]" está por "PAUPERUM SOLA[TIO]". (1)

Retrato da rainha Carlota Joaquina, Manuel Dias de Oliveira, col. particular
Oliveira fez Rio 1804
José Júlio Morais Sarmento

Então as letras impressas em Le Portugais de Braque e as palavras ou títulos escritos sobre as suas pinturas, ou de Picasso, são em certo sentido chaves para a reconstrução do tema.

DIS VEI LO O BELLO
(me afaste da guerra)

VIRT E SAB
(virtude e sabedoria)

Oliveira fez Rio 1804

Mas estas chaves ou pistas não serviram apenas para tornar a pintura mais legível; foram também elementos de realidade, que como Braque explicou, não podiam sofrer distorção pictórica. (2)


(1) MatrizNet
(2) John Golding, Cubism. A History And An Analysis 1907-1914

Leitura adicional:
Patricia Delayti Telles (Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências do Património)
Valesca Henzel Santini, Produção, circulação e usos da joia em São Paulo no século XIX, (...), 2023
Recordamos hoje: D. Carlota Joaquina (1775-1830). Uma Rainha em tempos de mudança
José Alberto Seabra Carvalho, Contar a vida de Sequeira através das cartas
Biblioteca da Ajuda
António M. Trigueiros, Patrícia Telles, O retrato do rei D. João VI (...), 2019

Artigos relacionados:
Le Portugais, Georges Braque, 1911
Carlota Joaquina por Manuel Dias de Oliveira (Brasiliense)
Carlota Joaquina por Giuseppe Trono
Carlota Joaquina por Domingos Sequeira
Carlota Joaquina por Francisco de Goya

sexta-feira, 24 de maio de 2024

Carlota Joaquina por Manuel Dias de Oliveira (Brasiliense)

Diversas obras lhe são atribuídas, até agora conhecemos apenas duas telas a óleo assinadas, sendo uma um retrato de D. Carlota Joaquina – curiosa reinterpretação da tela do Palácio Nacional da Ajuda.

Retrato de D. Carlota Joaquina, autor desconhecido, óleo sobre tela, 82x63,5 cm.
Palácio Nacional da Ajuda
Wikimedia


Dada a desproporção das joias e as diferenças na composição, pode ter-se baseado numa descrição verbal do original, que ficou para trás na fuga da família real, mas assinou na parte inferior: Oliveira fez Rio 1809 (1804).

Retrato da rainha Carlota Joaquina, Manuel Dias de Oliveira, col. particular
Oliveira fez Rio 1804
José Júlio Morais Sarmento

Apreciamos hoje a sua espontaneidade, a anatomia esforçada, a falta de domínio do sfumato – mas, na época, tudo isto indicava apenas um parco domínio técnico (...) (1)

DIS VEI LO O BELLO
(me afaste da guerra)

VIRT E SAB
(virtude e sabedoria)

Oliveira fez Rio 1804

Nascido na Freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Aguaçú [Iguaçu], bispado do Rio de Janeiro, entre 2 e 13 de Maio de 1765 293 (e não em Santana do Macacu, em Dezembro de 1763 como se acreditava), Manuel Dias era filho de José Dias de Oliveira e de Anna Maria de Oliveira.

Ingressou na Casa Pia de Lisboa a 13 de Maio de 1786, e foi enviado para estudar no Collegio de Roma, onde conheceu Sequeira, que o retratou a lápis.


Retrato de Manuel Dias de Oliveira
O pintor de história Manuel Dias Brasileiro
Domingos A. Sequeira
Terra de Santa Cruz

A estadia valeu-lhe mais tarde o cognome de «o Romano», mas provavelmente nunca estudou com Pompeo Batoni – conforme afirmava.

De regresso ao Rio de Janeiro, foi indicado pelo Chanceler da Relação, Luís Beltrão Gouveia de Almeida, para reger uma Aula Publica de Desenho e Figura, para ele criada por carta régia a 20 de Novembro de 1800.

Foi a primeira instituição oficial dedicada exclusivamente ao ensino artístico no Brasil – e ele, o primeiro Professor Régio de Desenho e Figura na colónia, o único até 1812. (2)


Manuel Dias foi agraciado por D. João VI com a ordem de Cristo. No entanto, por decreto real de D. Pedro I, em 15 de outubro de 1822, aos 56 anos, ele foi aposentado do cargo de professor de Desenho e Pintura, sendo substituído pelo futuro diretor da Academia Imperial de Belas Artes, o pintor português Henrique José da Silva.

Retrato de D. João VI e Dona Carlota Joaquina por Manuel dias de Oliveira
Museu Histórico Nacional
Google Arts & Culture


Na verdade, seu prestígio declinara com a chegada da Missão Artística Francesa no Brasil, em 1816, e a fundação da Real Escola de Ciências, Artes e ofícios, dirigida por Joaquim Lebreton. Até então, seus quadros e trabalhos ornamentais eram muito desejados, desde a chegada da família real e sua corte em 1808, quando foi responsável por grande parte das decorações para recepcioná-las. (3)



(1) Patricia D. Telles, A pintura do retrato em Portugal e no Brasil no início do século XIX (...), 2022
(2) Idem
(3) Anna Carvalho, Manuel Dias de oliveira e a pintura oficial da Corte no Brasil

Leitura adicional:
Anuário do Museu Nacional de Belas Artes, nova fase vol. 1, 2009
Patricia Delayti Telles (Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências do Património)
Valesca Henzel Santini, Produção, circulação e usos da joia em São Paulo no século XIX, (...), 2023
Recordamos hoje: D. Carlota Joaquina (1775-1830). Uma Rainha em tempos de mudança
Biblioteca da Ajuda

Artigos relacionados:
O príncipe regente na arte equestre

quarta-feira, 22 de maio de 2024

Carlota Joaquina por Domingos Sequeira

Apezar de ser executado na maneira davidiana atenuada (a Alegoria da Fundação da Casa Pia de Belém), que o pintor absorvera com as lições de seu mestre Cavalluci, esse quadro tem grandeza, admiráveis proporções anatómicas e cromáticas. Mas quão longe se encontra Sequeira das suas fases de 1820 e de 1830 (...)

Retrato de D. Carlota Joaquina rainha de Portugal, Domingos António de Sequeira, 1802-06
MASP

Roma, nesta primeira época, dá-nos um Sequeira bom retratista, bom colorista, compondo e armando um quadro segundo os preceitos neo-clássicos, as figuras severas, o andamento geral compassado e grave, talvez um pouco frio. Essa maneira prolonga-se algum tempo depois do regresso do artista a Lisboa. (1)

Retrato de Dona Carlota Joaquina, Domingos Sequeira
Academia de Ciências de Lisboa

Alegoria da Fundação da Casa Pia de Belém é uma pintura a óleo sobre tela do pintor português Domingos Sequeira realizada cerca de 1793-1794 e que faz parte do acervo do Museu do Louvre (...)

Alegoria da Fundação da Casa Pia de Belém, Domingos Sequeira, 1793-1794
Louvre

A personificação da cidade de Lisboa apresenta alguns jovens e meninos ao Intendente que assumiu o papel de proteger os desvalidos da capital. Por trás dele encontra-se a Fé e a seus pés no canto inferior direito o rio Tejo.

O Intendente dedica a obra à Rainha, representada na estátua, também ela acompanhada pela figura da Fé ou Religião. No grupo da esquerda, Minerva, secundada pela Vitória (ou a Diligência), o Génio das Artes e o Tempo acolhem alguns desses meninos sob a presença tutelar de Mercúrio e Neptuno. O morro do castelo de S. Jorge, onde então a Casa Pia tinha a sede, surge em fundo (...)

Domingos Sequeira, autorretrato, c. 1785
MNAA

No lado direito da pintura encontram-se duas figuras que têm sido interpretadas como sendo o próprio Domingos Sequeira, que se autorretratou em várias das suas obras, e o também pintor brasileiro, seu colega em Roma, Manuel Dias de Oliveira. (2)

Quando mencionamos os Segundos Pintores de Câmara e Corte de Lisboa referimos os três pintores que foram admitidos, em Abril de 1803, para trabalharem nas obras do Novo Paço da Ajuda, integrando uma equipa já formada em 1802 pelos dois Primeiros Pintores de Câmara e Corte Domingos Sequeira (1768- 1837) e Vieira Portuense (1765-1805) com os respectivos ajudantes.

Dom João, Príncipe Regente, passando revista às tropas na Azambuja
Domingos Sequeira, 1803
Google Arts & Culture


São esses Segundos Pintores: Arcangelo Fuschini (1771-1834), José da Cunha Taborda (1766-1836) e Bartolomeu da Costa Calisto (1768-1821).

Por quase 30 anos todos eles exerceram a sua profissão ao serviço da coroa na decoração do inditoso palácio, à excepção de Domingos Sequeira afastado da obra acusado de manifestar simpatia pelos invasores franceses, e Vieira Portuense, falecido prematuramente em 1805. (2)


(1) feeltheart, Alegoria da Fundação da Casa Pia de Belém
(2) Clara M. Soares, Vera Mariz, Dinâmicas do Património Artístico (...), ARTIS, 2018

Leitura adicional:
Patricia Delayti Telles (Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências do Património)
Recordamos hoje: D. Carlota Joaquina (1775-1830). Uma Rainha em tempos de mudança
José Alberto Seabra Carvalho, Contar a vida de Sequeira através das cartas
António M. Trigueiros, Patrícia Telles, O retrato do rei D. João VI (...), 2019

Artigos relacionados:
O príncipe regente na arte equestre
Domingos Sequeira, Cartuxa de Laveiras, Real Quinta, Trafaria e Cabo Espichel
Os Joinville e A morte de Camões de Domingos Sequeira

segunda-feira, 20 de maio de 2024

Carlota Joaquina por Giuseppe Trono

A pintura representa a Rainha D. Carlota Joaquina, mulher de D. João VI. Apresenta-se a mais de meio corpo, voltada três quartos à esquerda, com a cabeça de frente. Enverga um vestido vermelho, com o decote direito e mangas curtas.

Usa brincos e um diadema na cabeça. Está condecorada com a Insígnia da Ordem da Cruz Estrelada da Áustria e com as Insígnias e Banda da Ordem de Santa Isabel.

Retrato de D. Carlota Joaquina, autor desconhecido, óleo sobre tela, 82x63,5 cm.
Palácio Nacional da Ajuda
Wikimedia


Com a mão esquerda segura, junto ao peito, um medalhão com a miniatura de seu marido. Tem entre os dedos da mão direita uma pena e sustenta um livro, em cuja lombada se lê: "VIRT E SAB". Incorporação: Transferência - Pertencia à colecção de pintura do Rei D. Luís.

Conforme as listas de partilha de bens de 1889 e 1897 (por morte de D. Luís), sabe-se que, então, a pintura estava na Arrecadação do Piso Térreo. Deverá, depois, ter sido transferida para a Galeria de Pintura, segundo indicação expressa na ficha de inventário original da peça. Mais recentemente, foi colocada na Antecâmara da Sala do Trono, onde se mantém.

A pintura contém as seguintes inscrições: "VIRT E SAB", na lombada do livro; "SALUD ET GLORIA", na Insígnia da Ordem da Cruz Estrelada; e "PANPIRIVM SOLA[ ]", na Insígnia da Ordem de Santa Isabel.

Por estas duas últimas inscrições, percebe-se que o pintor não era versado nestes assuntos. Na verdade, na primeira, "SALUD" está por "SALUS" e na segunda, "PANPIRIVM SOLA[ ]" está por "PAUPERUM SOLA[TIO]". (1)

O mais importante retrato de Carlota Joaquina realizado por Trono, até agora conhecido apenas graças a uma gravura está conservado na Academia das Ciências de Lisboa e faz pendant com o retrato do príncipe João; a pintura é uma das melhores obras do artista piemontês até agora identificadas.

Retrato de Dona Carlota Joaquina, Giuseppe Trono, c. 1795
Giuseppe Trono, Pintor de retratos na corte portuguesa (...) Raggi/Degortes, 2017

O estilo não deixa dúvidas acerca da sua paternidade: a composição desprovida de elementos arquitetónicos, a presença de desenhos a ilustrarem projetos, a luz que penetra em cunhas na manga do vestido, o brilho do cetim sabiamente gerido, são elementos típicos da linguagem pictórica de Trono.

Alguns pormenores denunciam a mudança dos tempos e das tendências do gosto: o vestido e o penteado de Carlota Joaquina, o fundo mais claro, um alto-relevo com três putti entretidos a brincar com um galgo, no estilo de Correggio.

A jovialidade da expressão do rosto e a vividez do olhar concorrem para uma forte caraterização psicológica da princesa, então com cerca de vinte anos. (2)


(1) MatrizNet
(2) Raggi/Degortes, Giuseppe Trono, Pintor de retratos na corte portuguesa (...), 2017

Leitura adicional:
Recordamos hoje: D. Carlota Joaquina (1775-1830). Uma Rainha em tempos de mudança

sexta-feira, 17 de maio de 2024

Carlota Joaquina por Francisco de Goya

La prueba concluyente e irrefutable es una carta de octubre de 1800 en la que se informa «que estase acabando un retrato de cuerpo entero de la Sra. Infanta Da Carlota que S. A. quiere enviar a España…» y se ordena preguntar a Goya si puede esperar la llegada de este retrato, a lo que contesta que sí. Cuando en 1804 se le vuelve a preguntar a Goya por qué no está aún terminado el cuadro de la Real Familia, contesta que desde que se le dio ese aviso en octubre de 1800 «hasta ahora no he tenido noticia de si se hizo o no el encargo».

Retrato de D. Carlota Joaquina (detalhe), autor desconhecido, óleo sobre tela
Palácio Nacional da Ajuda
Wikimedia


«Luego que se me pase este retrato, considero necesarios como unos quince días para concluir enteramente el quadro», añade. Estas dos cartas, y los cerca de veinte documentos relacionados con este asunto, documentan fehacientemente, sin ningún género de dudas, que ese cuadro de la Real Familia al que alude Goya en 1804 es el cuadro de la Real Familia que hoy cuelga en las paredes del Museo del Prado y que históricamente ha sido datado como ejecutado entre 1800 y 1801 (...)

La familia de Carlos IV, Francisco de Goya, 1801
Museo del Prado

Wikipedia

El problema es que en las semanas siguientes a esas comunicaciones de 1800, Napoleón y el Gobierno de España presionan a Portugal para que rompa relaciones con los ingleses. Pero Portugal no lo hace y españoles y franceses les declaran la guerra.

Con una guerra por el medio, el envío de ese retrato se paralizó. Estamos hablando de la llamada Guerra de las Naranjas, que estalla en enero de 1801. Y el retrato de Carlota Joaquina quedó en el olvido (...)

Godoy como general, Francisco de Goya, 1801
Museo del Prado
Wikipedia


Sabemos fehacientemente que el cuadro de Carlota Joaquina no salió de Lisboa hasta mediados de noviembre de 1804 (...)

Pero entiendo que el principal es que Goya en 1804 dice que, para concluir el cuadro, necesita que se le entregue el retrato de Carlota Joaquina por él solicitado (...)

Retrato de D. Carlota Joaquina, autor desconhecido, óleo sobre tela, 82x63,5 cm.
Palácio Nacional da Ajuda
Wikimedia


El 14 de diciembre de 1804 España se vio obligada a declarar la guerra a Inglaterra por saltarse todas las reglas conocidas entre las naciones. Me refiero el acto de piratería perpetrado por su Armada en tiempos de paz: atacó frente a las costas de nuestro país a cuatro fragatas españolas procedentes de Montevideo que iban cargadas con casi cinco millones de pesos fuertes en oro y plata y valiosas mercancías.

Entre ellas estaba la famosa fragata Mercedes, que llevaba a bordo a 249 españoles que regresaban a nuestro país, entre los que se contaban mujeres y niños. El Rey portugués llevaba tiempo haciendo caso omiso a las presiones españolas para que dejara de dar apoyo logístico a la Armada inglesa.

Carlota Joaquina, La familia de Carlos IV, Francisco de Goya, 1801
Museo del Prado

Wikipedia

¿Pudo quizás haber alguna presión para representar así a la Princesa Carlota Joaquina, de modo que esa representación escenificase la postura del país vecino de no atender nuestras peticiones después del tremendo suceso que causó estupor en la sociedad española? (1)


(1) Rubén Ventureira, Una investigación identifica a la mujer misteriosa de 'La familia de Carlos IV' y cambia la datación del cuadro, El debate, 21/04/2024

quarta-feira, 15 de maio de 2024

O príncipe regente na arte equestre

(...) ocorreram algumas inovações nos retratos régios antes da partida da corte, sobretudo graças a dois pintores de inspiração italiana, Domingos Antonio sequeira (1768-1837), talvez o maior artista português daquele período, e o veneziano Domenico Pellegrini (1759-1840), que morou em Lisboa entre 1802 e 1810.

EST.  II.
Dos potros no campo.
Manoel Carlos de Andrade, Luz da liberal, e nobre arte da cavallaria (1790)

Uma foi o uso do modelo equestre. Mas talvez por suas conotações marciais, esse tipo de retrato de dom João a cavalo logo desapareceu diante das primeiras derrotas militares (...)

Ainda que o costume de cavalgar seja típico da cultura aristocrática da Europa da época moderna e que o conhecido livro português sobre a arte da cavalaria de Manuel Carlos de Andrade (Luz da liberal, e nobre arte da cavallaria), publicado em 1790, seja dedicado a dom João, não se pode dizer que a identidade do príncipe e depois rei tenha sido marcada pela cavalaria. De todo modo, os retratos equestres têm um lugar especial na cultura visual.

O retrato equestre de dom João, de autoria de Domingos Antonio Sequeira, seguramente pela sua solenidade e elegância, tornou-se uma das imagens mais difundidas de dom João nos dias atuais. Trata-se de uma representação do príncipe regente passando revista às tropas no Campo do Quadro, nas cercanias de Azambuja, no ano de 1798.

Dom João, Príncipe Regente, passando revista às tropas na Azambuja
Domingos Sequeira, 1803
Google Arts & Culture


Consta que dom João teria assistido às manobras que envolveram 6.700 soldados sob o comando do tenente-general João de Ordaz e Queiróz. Trata-se, portanto, de uma cena militar, criada no início do século XIX.

A atribuição de autoria da tela do Museu Imperial, de Petrópolis, baseia-se não apenas na sua qualidade, mas por ser uma versão da tela intitulada O Príncipe Regente passando revista às tropas na Azambuja, da coleção do Palácio Nacional de Queluz.

As diferenças entre as duas versões são sutis.

Dom João, Príncipe Regente, passando revista às tropas na Azambuja
Domingos Sequeira (atribuído)
Google Arts & Culture

Na tela que pertenceu às coleções reais e foi trazida ao Brasil com a transferência da corte, o pintor firma com orgulho a sua autoria, assinando e datando: “Dos Ano de Siqueira inv e Pintou. 1803”. Ignore-se a diferença na grafia do nome – como até o século XX não havia propriamente, em Portugal, uma regra que obrigasse a uma escrita homogênea, pintores assinavam de maneiras diferentes. E nem sempre assinavam; sobretudo após ter marcado com tanta ênfase a sua criação.

O fato é que na tela que está no Brasil não há assinatura. Chama a atenção ainda que a tela assinada, mais elaborada, é um pouco menor do que a que está na coleção brasileira – mas até a diferença é pequena.

De outro lado, as personagens esboçadas no segundo plano à esquerda, as tropas alinhadas quase geometricamente e as carnações mais cruas na cara do cavalo, parecem indicar que a tela do Museu Imperial de Petrópolis é uma versão de estudo – o que não condiz com o seu tamanho pouco maior em relação ao quadro de Queluz.


Teria sido “duplicada” pelo próprio pintor para alguma função específica? Teria essa réplica sido interrompida por alguma razão? Ainda pouco estudado, o retrato no período de dom João ainda levanta questões e reserva surpresas.

O retrato em duas versões surpreende na cronologia, pois naqueles anos Portugal havia sofrido derrota contra a Espanha em 1801, na brevíssima guerra das Laranjas. Finalmente, a primeira invasão francesa, ocorrida em finais de 1807, desacreditaria quase completamente imagens como esta, do governante português postado sobre um cavalo em pose de general de exército à moda dos imperadores romanos.

A data da tela se coloca justamente entre os dois eventos militares em que as tropas portuguesas não saíram com a vitória.

Contudo, é conhecido outro retrato equestre ainda maior (306 x 246 cm) de autoria do pintor francês estabelecido em Portugal, Nicolas-Louis-Albert Delerive (v. artigo dedicado: Nicolas Delerive 1755-1818), sem data, atualmente em exposição no Palácio da Ajuda em Lisboa.

Nessa tela, dom João é representado com a insígnia da Ordem da Torre e Espada, o que indica que sua criação é posterior à transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, devido ao momento de instauração da Real Ordem, o que sugere ser da época das vitórias militares portuguesas sobre as forças napoleônicas no continente americano.

Retrato de D João VI a cavalo, Nicolas Delerive
Google Arts & Culture

Considerando que a primeira havia sido levada para o Brasil, esse novo contexto de feitos militares portugueses pode explicar a segunda versão da tela por sequeira em Portugal e a celebração do papel militar de dom João. No retrato equestre, observa-se que dom João é representado em farda militar de general.

O destaque do comandante é enfatizado pela imponência da pose do cavalo com sela e capa verdes de fino acabamento, bem como pelo chapéu preto debruado à cabeça, com barra dourada e penacho de pluma branca, que combina com as botas pretas de cavaleiro de cano alto com esporas. Tal como em outras telas da época, como, por exemplo, no retrato de Domenico Pellegrini, o príncipe regente está vestido com casaca vermelha bordada e calças amarelas.

Traja ainda sobre o torso as bandas da Ordem de Carlos III, de Espanha, e das Três Ordens Militares de Portugal, entrelaçadas, destacando-se pendente do laço a medalha oval das Três Ordens, tendo por baixo a medalha de Carlos III. (1)
Leitura relacionada:
Armando S. Ferreira, Uma coleção de retratos do Rei D. João VI 1767-1826, 2018

(1) António M. Trigueiros, Patrícia Telles, O retrato do rei D. João VI (...), 2019

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Domingos Sequeira, Cartuxa de Laveiras, Real Quinta, Trafaria e Cabo Espichel
Nicolas Delerive (1755-1818)

Leitura relacionada:
Armando S. Ferreira, Uma coleção de retratos do Rei D. João VI 1767-1826, 2018

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Expressionismos

The notion that all the significant achievements of German Expressionism occurred before 1914 is a familiar one. Until recently most scholars and almost all exhibitions of German Expressionist work have drawn the line with the 1913 dissolution of Die Briicke (The Bridge) in Berlin or the outbreak of the First World War in 1914 (...)

Left: Otto Griebel (German, 1895-1972), The Ship's Stoker (Der Schiffsheizer), 1920 (detail).
Right: Otto Dix (German, 1891-1969), Farewell To Hamburg (Abschied von Hamburg), 1921 (detail).

Peter Selz's pioneering study German Expressionist Painting, published in 1957, favored 1914 as a terminus as did Wolf-Dieter Dube's Expressionism (...)

Otto Griebel

After serving an apprenticeship as a house painter, he went on to the Kunstgewerbeschule in Dresden and began to produce his first paintings. From 1915 to 1918 he was a soldier and returned to become a member of Robert Sterl's master class (...)

His first group show was at the Galerie Emil Richter in 1919. (1)

The shirtless sailor tells a story through his tattoos. We can see (a six pointed nautical star (the polar star), meaning guidance on his right shoulder, and) the Star of David on his right shoulder and left wrist. There are also tattoos of a sailor, a nude woman, a hot air balloon, a serpent, a bottle, a helm, an Indian chief… even the painter’s autograph.



Otto Griebel (German, 1895-1972)
Der Schiffsheizer (The Ship's Stoker), 1920
Private collection

On the sailor’s chest is the image of two interlocked men wrestling, one is holding the American flag, while the other one is holding the Pan-Slavic flag. The tattoo reveals the political leanings of the sailor, but it’s also ominous in predicting the Cold War that would ensue three decades later.

Slightly frowning with a contemplative pose while smoking a pipe, the stoker is looking away from yet another place that he leaves. The woman in the distance is a reminder that there’s a girl waiting for him in every port, a small comfort in the harsh reality of his days.

Griebel was a protagonist of Dada and New Objectivity movement.

In 1933, after Hitler came to power, he was arrested and interrogated by Gestapo. His work was banned as ‘degenerate’ by the Nazis. (2)

Otto Dix

In the summer of 1921, Otto Dix visited the port city of Hamburg on the North Sea.

As he walked along the waterfront, he saw sailors on leave as they searched for pleasure on land. Along the red light district, Dix found brothels and prostitutes in abundance. It was a scene that may have helped reinforce earlier prejudices.

Otto Dix (German, 1891-1969)
Farewell To Hamburg (Abschied von Hamburg), 1921
Museum Gunzenhauser


During the war, Dix often held sailors in contempt. The High Seas Fleet was in harbor for much of the conflict. From the artist's perspective, its sailors were chasing prostitutes and drinking gratuitous amounts of alcohol while the Wehrmacht bore the brunt the war's burden.

Dix's interpretation of a sailor's life as a string of exotic encounters has been described by Ashley Bassie in Expressionism as "intentionally kitch." A sailor's longings last as long as the time between ports of call. (3)


(1) German expressionism 1915-1925 : the second generation
(2) Degenerate Art
(3) The Online Otto Dix Project