Viaje de Cosme de Médicis por España y Portugal (1668-1669), Pier Maria Baldi. Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal |
Além de ser o seu fundador, deu-lhe também carta de foral, enriquecendo-a com muitos privilegios e isempções, e aos seus habitantes; pois tinha esta Villa em muita estimação e apreço: e mandou que se fizesse n’ella a descarga e despacho de todas as mercadorias e fazendas que entrassem pela barra, ou viessem de cima do Douro, para cujo fim poz aqui officiaes seus: e tudo isto para auferir os rendimentos que d’ahi provinham ao Bispo e Cabido da Cidade do Porto, com o qual contendia por causa da jurísdicçâo temporal, que o Bispo então fruia, porque tinha o senhorio da Cidade em virtude d’antigas doações, como se deixa vêr do catalogo dos Bispos do Porto — Parte 2. a pag. 58 e 65.
Viaje de Cosme de Médicis por España y Portugal (1668-1669), Pier Maria Baldi. Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal |
El-Rei D. Diniz, appellidado o Lavrador, confirmou depois em 1288 o foral, que seu Pai D. Affonso 3.° havia dado a esta Villa, e a ampliou, e erigiu também em cathegoria de Município.
Porto, pintura no Arquivo Histórico Municipal do Porto, H. Duncalf, 1730-1733. Imagem: do Porto e não só... |
Oporto, Gravura H. Duncalf/William Henry Toms, 1736. Imagem: Arquivo Municipal do Porto |
Foi ullimamente confirmado por El-Rei D Manoel. Depois de uma alternativa de successos, já prosperos, já adversos, cujo detalhe demandaria um maior volume, passou com todo o Reino de Portugal para o intruso governo do usurpador da Europa pelo falar decreto do l.° de Fevereiro de 1808, e ultimamente para o do seu desejado e legitimo Soberano no faustíssimo dia 18 de Junho do mesmo anno.
Zona ribeirinha Serra do Pilar Cidade do Porto, Teodoro de Sousa Maldonado, 1789,cf. Descripção topografica, e historica da Cidade do Porto..., Agostinho Rebello da Costa Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal |
Succumbiu de novo ao jugo francez no infausto dia 29 de Março de 1809 mas logo no dia 12 do seguinte Maio, foi com a Cidade do Porto gloriosamente restaurada pelo exercito anglo-lusitano ás ordens do Duque da Victoria, o famoso lord Wellington.
Areal do Cabedelo Barra do Douro S João da Foz etc., Teodoro de Sousa Maldonado, 1789, cf. Descripção topografica, e historica da Cidade do Porto..., Agostinho Rebello da Costa Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal |
O espolio que do Porto e Villa Nova extrahiram os francezes em numerário, joias, alfaias preciosas e em todo o genero de mercadorias, é incalculável: uns o sobem a vinte milhões de cruzados, outros a quarenta e alguns ainda a mais; sem fallar no que elles dilaceraram, e destruiram, ou incendiaram, como por exemplo porcellanas, moveis, bibliothecas, etc. etc.
Perspectiva da entrada da barra da cidade do Porto, Manuel Marques de Aguilar, 1791. Imagem: Arquivo Municipal do Porto |
Vista da entrada da barra da cidade do Porto (grav. horiz. invertida), Manuel Marques de Aguilar, 1791. Imagem: Arquivo Municipal do Porto |
Baste para prova que no decurso de mez e meio , que os francezes occuparam o Porto, entraram n'elles só tres vasos, e estes ao engano; e em outro igual periodo, quero dizer, desde 25 de Junho , em que entrou um comboy inglez, até 10 d'Agosto inclusive, entraram 156, que fizeram resurgir o commercio e abandancia.
Vista da cidade do Porto desde a Torre da Marca até às Fontainhas, Manuel Marques de Aguilar, 1791. Imagem: Arquivo Municipal do Porto |
Esta mesma prosperidade renascente se fez logo sentir em todos os mais ramos: sendo então o immortal Jorge 3.°, e depois seu Augusto Filho o Príncipe Regente do Reino Unido os gloriosos instrumentos de que a Providencia se serviu para completar a grande obra da nossa independencia.
Oh! Soberanos incomparáveis e verdadeiros Numes Tutelares nossos! a minha alma extasiada ao notar vossas em prezas, vos admira, vos bemdiz, e vivamente penetrada de vossos benefícios preclaros vos tributa um holocausto, de vós sómente digno, publicando sem cessar, que se livres respiramos, a vós é que o devemos.
Limitada ao Norte pelo soberbo Douro, e ao nascente, sul, e poente pelos amenos montes de Quebrantões, Choupello e Gaya ella se dilata por um pequeno valle, que sendo ha um século sufficiente para abrangel-a, foi depois obrigado em razão dos seus progressos a permittir, que ella ultrapassasse aquellas barreiras naturaes, e se estendesse ao nascente até o Mosteiro da Serra, ao poente até o sitio do Cavaco, e ao sul alé o Senhor do Padrão, distante da praia quasi meia legoa.
Passage of the Douro [travessia do Douro em Avintes, 12 de maio de 1809]. Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal |
Attribuem-se a este Monte [Gaya] algumas antigualhas, que com razão merecem ser notadas:
— l.a que sobre elle fundaram os Romanos o antigo castello de Cale
— 2.a que n’elle fora martyrisada Santa Liberata, ou Wilgefort, uma das nove Santas Irmãs gemeas — 3.a o rapto da Princeza Zahara, por El-Rei Ramiro 2.° de Leão. no anno de 932.
Pelo que toca á primeira, não padece duvida ser Cale do tempo dos Romanos, como se prova do itenerario de Antonino na via militar, que de Lisboa sahia para Braga, a qual segundo o padre Argote, Castro e outros, era do modo seguinte:
Nome antigo: Jerabrica, Scalabim, Cellium, Conimbriea, Eminium, Talabrica, Langobrica, Cale, Brachara;
Nome novo:Alemquer, Santarém, Crice, Condeixa a Velha, Agueda, Aveiro, Feira, Gaya, Braga;
Pés geométricos: 30#, 32#, 32#, 34#, 40#, 10#, 18#, 13#, 35#.
Da palavra Cale junta á de Portus se derivou depois o glorioso nome de Portugal, e o castello de que ainda ha vestígios, foi no tempo do Snr. D. João 1.° arrazado pelos Portuenses, escandalisados das depredações que a sua guarnição fazia.
ADDITAMENTO.
Foram agora totalmente apagados os vestígios deste antiquíssimo castello [de Cale]. Depois que D. Pedro, Duque de Bragança, tendo desembarcado com o Exercito Libertador nas praias do Mindello, em 8 de Julho de 1832, e entrado na Cidade do Porto no dia 9 do mesmo, para o fim de collocar no Throno sua Filha a Senhora D. Maria 2.a , conheceu que tinha de luctar com uma resistência forte da parte das tropas de seu Irmão D. Miguel, as quaes elle tinha erradamente supposto que ao se lhe uniriam, logo que chegasse a Portugal, cuidou sem demora em fazer levantar uma linha de fortificação á Cidade do Porto, para se refugiar n’ella, e esperar alli a sorte das armas; porque achava n'aquella Cidade as melhores e mais favoráveis disposições, o amor e dedicação dos seus habitantes, e abundancia de todos os recursos, necessários ao seu projecto de revindicar pela força os direitos que seu Irmão lhe havia usurpado.
Narrative of the expedition to Portugal in 1832 under the orders of His Imperial Majesty Dom Pedro Duke of Braganza. Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal |
Por quanto D. Miguel recusando o consorcio com sua Sobrinha, pactuado no contracto de Vienna d’Austria, em virtude do qual tinha regressado do seu exilio em 22 de Fevereiro de 1828 com o titulo de Logar-Tenente e Regente do Reino, que D. Pedro lhe conferira pelo decreto de 3 de Julho de 1827, se fizera acclamar Rei, e occupava n’essa qualidade o throno de Portugal, a que o elevaram os Tres Estados do Reino — Clero, Nobreza e Povo — convocados por elle em cortes na Cidade de Lisboa, nas quaes decidiram pelo seu acto de 25 de Julho de 1828 em favor delle a questão da successão ao Reino por morte de seu pai D. João 6.°, fundando-se para isso no direito publico portuguez, estatuido nas cortes de Lamego de 1143, e nas de Lisboa de 1641.
Plano topographico da cidade do Porto impresso em Londres em 1813, e continuado aos seus suburbios em 1832 (detalhe). Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal |
Porém como este governo se fizesse depois muito odioso pelos seus actos tyrannicos e sanguinários, tão contraditórios com as idéas do século presente, com o seuso coramum, e com o actual systema governamental da Europa, indispoz de tal modo contra elle toda a Nação Portugueza, que esta de bom grado se uniu á causa de D. Pedro, a quem anciosamente esperava, para se libertar d’aquelle jugo, e só desejava a melhor opportunidade, em que podesse dar uma demonstração publica dos seus sentimentos.
Plano topographico da cidade do Porto impresso em Londres em 1813, e continuado aos seus suburbios em 1832 (detalhe). Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal |
Assim, tractou-se logo de dar principio ao plano de fortificações; e para esse fim. foram escolhidas em Villa Nova de Gaya as duas eminências mais salientes de Gaya e Serra do Pilar, como pontos capitaes para a defeza da Cidade do lado do sul.
Convento da Serra do Pilar em Vila Nova de Gaia, James Holland, 1838. Imagem: Palácio do Correio Velho |
Para logo se começaram em ambas os referidos trabalhos, que continuaram com grande actividade na Serra do Pilar, que foi reputada — ponto militar de primeira ordem, ao contrario no castello de Gaya, o qual, conhecendo-se depois, que era roto, ou flanqueavel, foi abandonado, e arrazadas todas as obras alli começadas — ficando-lhe só o nome de Castello, que nunca perdeu, porque este nâo lhe vinha do facto presente, mas de outros suc- cedidos em éras muito remotas.
Gaia, Convento da Serra do Pilar visto do Aqueduto do Sardão, Gualtieri. Imagem: Cabral Moncada Leilões |
No decurso deste memorável cerco, que as tropas de D. Miguel pozeram á Cidade do Porto, e que tendo começado no dia 8 de Setembro de 1832, só foi levantado em 18 d'Agosto de 1833, como ellas recebessem gravissimo damno das baterias da Serra, cuidaram em fazer um reducto no dito Castello com o duplicado fim de neutralizar os effeitos deste baluarte, e ao mesmo tempo atacar a Cidade por aquelle lado, e de um ponto mais immediato.
Conhecido o projecto, tractou-se logo de fazer callar aquelle reducto, o que se conseguiu, assestando baterias do lado Meridional da Cidade, e nos pontos mais proximos e fronteiros do mesmo reducto; e estes foram o Paço do Bispo, o largo das Virtudes e o alto da Victoria.
Com effeito, estas dirigiram sobre o castello um fogo tão vivo, e aturado, que produziu alli a mais cruel matança, a ponto de lhes ser necessário sortear cada dia os artilheiros, de que se compunha a sua guarnição, que d'outro modo recusavam prestar-se a tal serviço: até que por fim cançados já de tanto estrago de gente e munições, e desenganados também , que debalde esperavam o supposto resultado, abandonaram aquelle ponto cornpletamente.
Gaia Panorâmica da parte marginal de Gaia, Gonne, Jennings, (1830-1831). Imagem: Porto, de Agostinho Rebelo da Costa aos nossos dias |
Depois da guerra, reconstruiram-se alli as casas, que ella destruiu; e edificaram-se outras: e o campo em que se tinham dado casos pró e contra a Cidade do Porto, e aonde existira aquelle celebre e antigo Castello, mais antigo que ella, foi finalmente vendido e reduzido á cultura.
Perspectiva das margens do Rio Douro subindo-se para a Cidade do Porto, G. Kopke dei. Porto, 1827. View of the banks of the River Douro on approaching the City of Oporto C G. Hammer sculp. Dresden. Imagem: Royal Museums Greenwich |
Este campo é hoje propriedade do Illm.° José Pinto da Costa, natural d’esta Villa, seu terceiro possuidor.
Emquanto á 2. a antigualha, ainda não se tendo por apocripho aquelle maravilhos do parto, creio que o martyrio da Santa, no dito sitio, merece tanto credito, como o que dá o padre [Daniel] Papebroquio a certa relíquia singular, que em seu tempo se mostrava na cathedral d'Antuérpia, e de que o leitor póde ver o nome (que calo por modéstia) no diccionario dos homens illustres da edição de 1804 — verbo Papebroquius.
A courier from Lisbon to Oporto, James Murphy, 1797. Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal |
Pelo que respeita á 3.a finalmente julgo-a da mesma tempera, que a 2. a , apesar de a referirem A. A. graves, e com mais extensão, que nenhum, a nóssa celebre portuense D. Bernarda Ferreira de Lacerda, no seu poema da Espanha Libertada. T. 1. ° Cant. 6. °. (1)
(1) TOPOGRAPHIA E HISTORIA DE VILLA NOVA DE GAYA [...]
OFFERECIDA A S. A. REAL O PRÍNCIPE REGENTE N. S. POR
João Antonio Monteiro d'Azevedo
[...] agora grandemente accrescentada com extensos additamentos [...] que foi até o anno do 1832,
e o que he actualmente POR
Manoel Rodrigues dos Santos
Natural da mesma Villa
PORTO - 1861