segunda-feira, 11 de julho de 2022

São João da Foz (1 de 2)

Há quatro seculos, pelo menos, já existia uma pequena povoação de pescadores na margem direita do Douro, junto á foz d'este rio. Aquellc territorio constituia então um couto pertencente ao mosteiro beneditino de Santo Thyrso.

Porto. São João da Foz.
As duas gravuras que publicámos foram copiadas de duas photographias da colleeção do ar. Seabra. Na que acompanha a primeira parte deste artigo, vé-se o castelo de S. João da Foz, e casa do Salva-vidas, e parte do passeio Alegre.
Archivo pittoresco n° 33, 1865

Vendo os religiosos que a aldeiasinha crescia de anno para anno, mandaram edificar no pontal, onde o Douro mistura as suas aguas com as do Oceano, um hospicio com sua egreja, para o qual foram víver dois frades, cncarregados de ministrar ao s pobres pescadores o pasto espiritual.

Foi o templo consagrado a S. João, e pela sua visinhança da barra, ou porque a aldeia já a esse tempo se chamasse da Foz, começou o poro a denominal-o S. João da Foz, nome que em breve se tornou commum á egreja e á povoação.

Apesar das diversas guerras que Portugal tinha tido com Castela, nunca pensaram os nossos monarchas em fortificar a barra do Porto, confiados nos perigos e difficuldades que elle oppõe aos que a demandam, julgaram bastante essa defesa natural.

Quiz, porem a nossa má estrella que o temerario rei Sebastião fosse sepultar nos areiais de Africa a sua coroa real e a independencia desta nação.

Os leões do Castella facilmente fizeram preza deste pobre paiz, quebrado das forças moraes e physicas, atraiçoado e vendido por muitos dos seus proprios filhos.

Carta de Portugal (detalle de Porto y la desembocadura del Duero). Atlas del Rey Planeta, Pedro Teixeira, 1634.
Torres, castillos y fortalezas

Entre os muitos males e vexames que nos trouxe a usurpação de Filipe II, avulta como um dos maiores ver-se de improviso Portugal e suas vastas posessões de além-mar alvo dos ataques de todas as nações inimigas de Castella.

Pouco se importavam as nossos oppressores que os ingleses, os franceses e os bollandeses, que tanto nos respeitaram em quanto soubemos manter a nossa independereis, nos affrontassem, e nos expulsassem da Africa, da Africa e da America.

Antes se regozijavam, porque assim se ia abatendo de dia para dia, cada vez mais, o espirito publico desta nação, que, por mui alio subir, admitiu sobre si as invejas de todo o mundo, não viam, porém, do mesmo modo o que se passa n'esta orla do terra do extremo occidental da Europa.

Para aqui estavam sempre voltados os seus olhos attentos, ciosos e vigilantes, como os do abutre, que seguem um a um todos os movimentos de sua preza, e de quem pretende arrebatar-lhe. Assim, procuravam com diligente assiduidade pôr os portos do Portugal ao abrigo de qualquer tentativa inimiga, menos pela defesa do reino, que para obstar a que viessem os inimigos de Castella auxiliar-nos como amigos na resteuração da nossa liberdade.

Portanto, depois de tratarem do augmento das fortificações da barra de Lisboa, e ao mesmo tempo que ee levantavam novas fortalezas para defeso de outros portos, ordenou Filipe III que se construisse um castello na foz do rio Douro.

Fez-se, com effeito, a fundaçao. O logar para ella escolhido não podia deixar de ser o mesmo em que se achava o hospicio e templo de S. João, e assim ficaram estes no interior da fortaleza.

Apesar de ter a jeito estas e outras obras de egual natureza, a hespanha andava n'esse tempo tão Mo afadigada e preoccupada tom as guerras da Hollanda e de Italia, que todos os trabalhos publicos em Portugal deixava caminhar vagarosamente.

Pressa só a sabia ter quando se tratava de extorquir a este pobre paiz dinheiro, armas e gente para ir engrossar as fileiras dos seus exército, que se rareavam debalde, sem poder segurar as partes da monarchia hespanhola que se iam separando.

D'est'arte se achavam muito atrasadas as obras do castello da Foz, quando rebentou em Lisboa, no 1.° de dezembro de 1640, o grito de liberdade, que, ressoando instantaneamente por todo o reino, nos restituiu a independencia e rei portuguez na pessoa do oitavo duque de Bragança.

Logo que el-rei D. João IV cingiu a coroa, foi seu primeiro cuidado armar o reino para a defesa contra tão poderoso inimigo. Deste modo se activaram os trabalhos no castello da barra do Douro, até que em breve se concluiram, ficando com quatro baluartes, um reveliin, e largos e profundos fossos do lado da terra.

Areal do Cabedelo Barra do Douro S João da Foz etc., Teodoro de Sousa Maldonado, 1789,
cf. Descripção topografica, e historica da Cidade do Porto..., Agostinho Rebello da Costa
Biblioteca Nacional de Portugal

Guarnecera-n'o com dezoito peças de artilheria, doze de bronze e seis de ferro; e do orago da egreja recebeu a invocação de castello de "S. João da Foz".

Os marqueses de Fontes, titulo que depois foi mudado no de Abrantes, gozavam da regalia de nomear, com approvaçâo del-rei, os governadores desta fortaleza, a cujo cargo correspondiam grandes proventos, pois que todos os navios nacionaes e estrangeiros, e embarcações costeiras, que entravam ou saiam a barra do Douro, pagavam certa quantia ao governador, segundo a naturalidade e lotação dos mesmos navios e embarcações.

Perspectiva da entrada da barra da cidade do Porto, Manuel Marques de Aguilar, 1791.
Arquivo Municipal do Porto

Até os barcos de pesca de quaesquer portos do reino, que fossem ao Douro pescar ou vender peixe, impavam os emolumentos em especie, entregando os pobres pescadores ao governador as melhores peças de pescado que tinham no barco.

Com o correr do tempo, e pela visinhança de um grande centro de população foi como já era a cidade do Porto, foi crescendo o logar de S. João da Foz, de sorte queno principio do seculo passado coutava 730 fogos e 1:508 moradores.

Todavia, não obstante este desenvolvimento, não pesava de uma terra de pescadores, com as suas casas todas de pedra e cal, porém terreas, salvas poucas excepções e estas lambem de modesta apparencia.

O engrandecimento e belleza que hoje apresenta deve-os aos banhos do mar; e datam, por conseguinte, d'este seculo, em que similhante uso se tem generalisado pouco a pouco, ate se converter em moda.

Durante o memoravel cerco do Porto, em 1832 e 1833, padeceu grandes vexaçães o lugar de S. João da Foz. A importando d'este ponto para a segurança da cidade, cuja subsisteneia lhe vinha do mar, desembarcando furtivamente de noite, e debaixo de um vivo fogo de artilharia, essa importancia, dizemos, fazia alvo tanto o castello de de S. João da Foz como toda a povoaçáo do fogo incessante das baterias inimigas, collocadas no cabedello, e na margem do sul do Douro.

Plano topographico da cidade do Porto impresso em Londres em 1813, e continuado aos seus suburbios em 1832 (detalhe).
Biblioteca Nacional de Portugal

E, finalmente, no dia 4 de março de 1833, foi accommettida por forças consideraveis do exercito sitiador do Porto, pelejando-se ahi uma das mais rijas e mortiferas batalhas d'aquelle cerco, da qual sairam vencedoras as armas coustitudonaes.

Acabada a lucta, o logar de S. João da Foz mostrava, como a visinha cidade, aspecto geral de ruina e desolação. Em breve porém ambas as povoações se restaheleceram das feridas da guerra no regaço da paz e da liberdade. Ambas surgiram d'entre as suas ruinas muito mais bellas que d'antes.

Castello de S. João da Foz, Cesário Augusto Pinto, 1848.
Arquivo Municipal do Porto

S. João da Foz viu desde essa epocha levantarem-se todos os annos muitas casas de bom prospecto, melhorarem-se e illuminarem-se as suas ruas, arborisarem-se passeios, abrir-se uma communicação com a cidade junto á margem do Douro, fazendo-se recuar para esse fim, á força de fogo, a serra da Arrabida, que se entranhava no rio; e outros diversos melhoramentos que a constituem boje em dia um a das mais lindas, commodas e concorridas estações dos banhos do mar de todo o reino.

I. de Vilhena Barbosa (1)


(1) Archivo pittoresco n° 33, 1865

Leitura relacionada:
Archivo pittoresco n° 39, 1865
Revista Universal Lisbonense n° 18, 21 de novembro, 1845
A Barra do Douro, O panorama n° 29, 18 de julho, 1857
Torres, castillos y fortalezas
Maria Inês Freitas Sousa, Foz do Douro Na fronteira entre cidade e mar...

Nuno Moura, A Foz do Douro: evolução urbana, 2009

Artigos relacionados:
Na Cantareira com Maria Angelina e Raul Brandão
Na Cantareira com Raul Brandão em abril de 1920
Na Cantareira com as memórias de Raul Brandão

Mais informação:
Ramalho Ortigão, A Foz, As praias de Portugal, 1876
Arquivo Municipal do Porto (postais antigos da Foz)
Porto, de Agostinho Rebelo da Costa aos nossos dias
Gravuras da Foz do Douro (Google search)

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