Cerimónia de Aclamação de Maria I de Portugal, na Praça do Comércio, em 1777. Feata, Pompa e Ritual. A aclamação de D. Maria I Wikipédia |
"Na época de minha chegada achava-se Lisboa em agitação impossível de descrever. Era véspera da celebração da coroação da rainha. O povo corria por aqui e por acolá cantando e dançando a 'foffa' [sossa?], espécie de dança nacional que se executa aos pares com accompanhamento d'uma guitarra e d'outro qualquer instrumento: dança lasciva a tal ponto, que o pudor cora ao ser testemunha d'ella, e não ousaria eu emprehender descrevel-a. Atravessei pela multidão, e fui alojar-me n'uma hospedaria ingleza, situada em Buenos Ayres: sitio agradável, e ao abrigo de cheiros fétidos, com os quaes a cidade está infectada durante o estio, e das chuvas, de que está innundada durante o inverno."
"Tinham escolhido a praça do Commercio, como o logar mais appropriado á ceremonia da coroação. Fez-se esta com grande magnificência, ao som da artilheria, e das acclamações d'um povo immenso, que concorrera de todas as partes para assistir a ella. Só a rainha pareceu não participar do jubilo geral. Achava-se dolorosamente affectada. Os principaes senhores da corte tinham resolvido mandar-lhe pedir pelo povo a cabeça de Pombal: a rainha achava-se informada do desígnio d'aquelle, e receiava o perigo d'uma recusa; porém, apesar de não gostar do marquez, respeitava-o como amigo de seu pai."
Documentário sobre Sebastião José de Carvalho e Melo, 1.° Marquês de Pombal... RTP Arquivos |
"Eu estava egualmente informado de quanto se tramava: quiz ser de perto testemunha da agitação, que d'isto havia de resultar. Percorri as ruas com um francez versado na lingua portugueza, e introduzi-me na multidão. Por toda a parte nada mais se ouvia, que o nome de Pombal: os espíritos azedavam-se: o motim estava prestes a romper, quando de repente sobreveiu uma patrulha de cavallaria, com um official á frente, o qual dirigindo-se ás pessoas, que formavam este grupo, prohibiu-lhes debaixo das mais rigorosas penas de fallarem no marquez de Pombal."
"Dentro em pouco dispersou a multidão; as ruas acharam-se n'um instante cheias de soldados a pé e a cavallo; e com tanta constância se entretiveram na dispersão dos grupos na occasião em que parecia formarem-se, que o povo se dirigiu para a praça antes de ter podido decidir alguma cousa."
"Todos os fidalgos pareciam muito espantados, e no extremo da agitação. Viamol-os ir, vir, mandar emissários do alto da galeria, onde se achavam, lançar para o povo olhares, nos quaes se pintavam a cólera e a impaciência. Tinha havido a prudente cautella de dividir este povo, mandando construir na praça uma estacada de distancia a distancia, de forma que se achou separado, e por assim dizer preso sem ter dado por isso. Percebeu-se todavia uma espécie de rumor, e sete ou oito vozes gritaram : Pombal, Pombal, porém foram no mesmo instante abafadas pelos gritos de Viva a rainha, que os partidários do marquez levantaram. Uma grande quantidade de espectadores se tinha introduzido no interior da galeria depois de ter derribado os guardas, a rainha mandou que os deixassem alli estar. Não se podendo as carruagens approximar, ella mesma se viu obrigada a passar por entre a multidão com o fim de se dirigir para seu coche: foi este para ella o mais doce momento de sua vida: uns deitavam-se a seus pés, outros beijavam-lhe a ponta do vestido, e com isto se enterneceu a ponto de lhe marejarem os olhos."
"Foram brilhantes as illuminações: a ceremonia celebrou-so com tanto de pompa, quanto de tranquillidade: a colónia ingleza deu á noite um sumptuoso baile aos principaes habitantes da cidade, sem duvida em testemunho de seu reconhecimento, porque era ella nação ingleza a verdadeira soberana de Portugal que tinha sido coroada na pessoa da rainha. No dia seguinte tomaram outra vez o lucto, que na véspera se tinha largado. No meio da alegria geral produzido pela queda de Pombal, tudo tornou a tomar um aspecto lúgubre, e sairam do baile para correrem para as egrejas."
"A rainha assignalou sua elevação ao throno por actos de bondade e clemência. Mandou abrir as prisões, e soltar lodosos desgraçados, que alli estavam detidos, alguns havia mais de vinte annos. Vi duas raparigas, que para alli tinham entrado ainda de mama na companhia de seus pães e mães: teem uma dezenove annos, e a outra vinte, e parecem ter quarenta. São as filhas do desditoso conde de Alorna, compromettido na conspiração. Seu unico crime era o ter emprestado, pela manhã do dia do assassinato, uma espingarda ao joven Aveiro, um dos conjurados, que lh'a pediu para ir á caça: pagou este favor, bem como sua mulher e filhos com vinte e um annos de prisão. É verdade que o marquez da Pombal linha lançado mão da conjuração para abater a arrogância dos fidalgos portuguezes, e reprimir as atrocidades até então impunes, das quaes se tornavam culpados frequentemente. Tinha-se visto alguns d'elles matar um seu criado, ou um particular d'uma classe inferior, quando tinha a desgraça de lhes cair em desagrado, ou praticar alguma falta. A severidade de Pombal tinha posto freio a excessos tão terríveis."
"N'uma das digressões, que fiz em Portugal com o fim de visitar o interior d'este reino, fui ver o marquez de Pombal. Eu lhe era recommendado d'um modo particular, motivo pelo qual me recebeu com todas as attenções possíveis. Conhecia este ministro de fama, e não se podia exprimir o desejo, que eu tinha de conhecel-o pessoalmente."
A Villa de Pombal, António Ramalho (dsenho do natural), 1882. O Occidente n.° 122, 8 de maio de 1882 |
"Cheguei pois á villa de seu nome, e, da minha hospedaria lhe escrevi com o fim de saber a hora, em que lhe poderia entregar as cartas, que tinha para elle. Alli me dirigi pelas dez horas da manhã, e fui introduzido na habitação d'este grande homem. Actualmente está algum tanto melhor alojado, mas na época, era que o vi, estava n'uma pobríssima casa, e dormia n'um quarto, cujas paredes tinham sido estucadas de novo."
Casa onde falleceu o Marquez na Villa de Pombal, António Ramalho (dsenho do natural), 1882. O Occidente n.° 122, 8 de maio de 1882 |
"As maneiras do marquez de Pombal são agradáveis e attenciosas em extremo. Fez-me mil perguntas; affectou ignorar completamente o que se passava pela Europa. Pediu-me que o informasse dos acontecimentos. Até me fez perguntas relativas a Portugal, e sobre o estado em que se achava Lisboa, quiz saber que motivo, ou acaso me conduzia áquelle logar tão affastado. — Costumado, lhe disse eu, a viajar desde minha mocidade, visito sempre o interior dos paizes, que percorro, não me limitando ás cidades principaes, e portos de mar, nos quaes nada ha de novo a estudar. Mas além d'isto desejava conhecer quem tanto tinha beneficiado seu paiz. Entramos pouco a pouco era conversa: convidou-me a passar com elle oito dias, e fez-me ficar para jantar e ceiar n'aquelle dia. Exprimi lhe meu espanto sobre o estado, em que tinha achado Lisboa, attendendo ao pouco tempo decorrido depois de sua catastrophe. Respondeu-me que presentemente não cuidava em nada d'isso; achava-se velho, e pensava em descansar; porém que, se a providencia lhe tivesse conservado seu amo por mais tempo, ter-se-hia esforçado em continuar com o mesmo zelo a empreza, cuja execução apenas pudera esboçar; e que, sem duvida, teria lançado os alicerces d'um palácio para o rei. Patenteou-me o magnifico plano, que tinha adoptado para este edifício. Situado n'uma pequena eminência, perto de Belém, teria dominado o mar e a cidade, seria construído no centro d'um grande jardim, cercado de altos muros, aos quaes estariam de distancia em distancia contíguos os palácios dos principaes senhores da corte, e aposentadas as pessoas, que n'elles fossem obrigadas a residir por causa de seus cargos."
Casa onde falleceu o grande ministro. Hemeroteca Digital |
"O marquez de Pombal trouxe comsigo muitos livros: ou lê, ou manda ler continuamente: os livros são todos francezes. Falla nossa língua tão facilmente, como nós mesmos: sabe egualmente bem o allemão, inglez, e italiano. Não pronunciava sem grande ternura o nome de seu respeitável amo. 'Honrava- me, dizia elle, com sua confiança. Perder seu rei e seu amigo! É uma prova forte de mais para eu poder resistir a ella ! Por isso o sol para mira perdeu o brilho de seus raios! Nada, nada me pôde indemnísar da perda, que padeci!' A isto algumas lagrimas cabiam de seus olhos. Em vão procurava eu desviar a conversa para um outro assumpto, para este me levava sempre. — 'Ao menos, continuava elle, aqui serei feliz. Vedes esta choupana? Não é minha: to'mo-a de aluguer. Aquelle homem accusado de não ter pensado mais que em si, nem mesmo na sua terra mandou construir um aposento' — Depois mostrando-me um grande edifício novo. 'É um armazém pertencente á villa. Mandei-o construir para n'elle se guardarem os cereaes, dos quaes está cheio. Emfim, á maneira de Sully, viverei mais afortunado em meu retiro, que no meio dos grandes e da corte. Duixaram-me trazer meus livros, e por isso pouco me resta a desejar.'"
Vista exterior do quarto em que falleceu o Marquez de Pombal. Hemeroteca Digital |
"Acabava, quando a marqueza de Pombal, sua mulher, chegou: teve a bondade de me appresentar a ella. Conserva ainda uma parte de seus dotes pessoaes; e veste-se cora muita arte e gosto. É discreta, sem duvida; porém não possue a força, nem o valor de seu marido para tolerar sua situação. No tempo da prosperidade do marquez de Pombal tinha a seus pés os grandes e o povo: sua casa era uma espécie de corte. Quando os homens a iam visitar, punham-se de joelhos para lhe beijarem a mão, segundo o costume do paiz."
"Sua vaidade lisonjeada por tantas adulações não se pôde acostumar ao isolamento, a que foi condemnada pela desgraça de seu marido."
"Desamparada de toda a gente, solitária, n'uma villa desviada de povoações, a única satisfação que tem, é de ver seus filhos, que algumas vezes vão passar com ella quinze dias. Nascida allemã tem o orgulho das grandes famílias de sua nação, e, depois de ter tido tanto de que lisonjear-se, geme em segredo sua expiação."
"Tentou disfarçar suas maguas, mas não o poude conseguir por muito tempo. Passados dez minutos de conversação, achavam-se seus olhos arraza dos de lagrimas."
"Aquillo é próprio de seu sexo, me dizia o marquez; consolal-a é para mim uma outra occupação, mas seguindo meu exemplo, bem depressa apprenderá a supportar nosso infortúnio."
"Um instante depois vieram participar, que o jantar estava na mesa. 'Vinde disse-me elle, tomar parte na comida frugal d'um eremita.' Em vez de comida frugal, que me annunciava, encontrei uma mesa bem servida, e na qual nada se resentia de sua desventura, nem mostrava o sainete da desgraça. Ao todo não passávamos de três. A conversa foi muito longa. Entrei a fallar com a marqueza a respeito de Allelmanha, e por algum tempo fallamos na sua lingua. Foi breve o jantar, ou pelo menos assim me pareceu: o calor era excessivo."
"Depois de nos levantarmos da mesa, cada um foi descançar por alguns momentos. Approveitei me d'este tempo para ir percorrer o logar habitado pelo illustre par. Não é tão desagradável, como em Lisboa m'o tinham pintado. N'uma altura estão as ruinas d'um velho castello, offerecendo uma vista bastante pittoresca; as aguas são excellentes."
Casa onde morreu o Marquêz de Pombal, postal fotográfico da Rua Conde de Castelo Melhor em Pombal. Arquivo Municipal do Pombal |
"Ao sair de casa do marquez encontrei á sua porta mais de duzentas pessoas, a quem se distribuía pão e caldo. D'este modo é que elle tem adquirido um grande numero de partidários, que o exaltam mesmo com sua desgraça: pareceu-me ser bem quisto de todos habitantes do logar. Finalmente depois d'um passeio de cerca de duas horas, voltei para casa do marquez, a quem encontrei no meio de seus livros. Continuámos a conversa. Perguntou- me se tinha visto a ceremonia da coroação da rainha. Advinhei onde queria chegar, respondi-lhe que sim, e que me parecia ter-se celebrado com muita pompa e magestade."
"Quiz saber se eu tinha reparado em todos os incommodos, a que seus inimigos se tinhara entregado para o perderem, e até me pediu alguns pormenores. Quiz saber a maneira como o povo tinha procedido. Disse-lhe quanto sabia, e accrescentei que esta circumstancia era mais um triumpho para elle, porque demonstrava não só a impotência de seus adversários, mas até sua animosidade. A estas palavras disse-me com a maior vivacidade, a qual lhe ficam muito bem."
"Avançam um paradoxo, fazendo-se interpretes do povo: mandam-lhe dizer que me deteste! Mas isso é impossivel : minhas acções, meu procedimento, tudo me assegura do contrario. O povo portuguez não me pôde odiar, e vós ides ouvir a rasão. Que é o portuguez hoje ? Que era elle ha quarenta annos? Não o puz eu em estado de já não ter necessidade de seus visinhos? Não estabeleci eu por toda a parte as artes, as offlcinas, o ensino? Não fiz além d'isso reedificar um terço da cidade de Lisboa? Não propaguei a actividade, e não derramei o bem estar por entre os operários? Por todos os direitos, que eu creio ter ao reconhecimento d'esse povo, tenho-o por assaz justo, para me querer devorar: e até não o fez. Vou dizer-vos quaes os auctores de quanto podereis ter ouvido e percebido no tempo da coroação. Os fidalgos, que se obstinavam em suas insolentes pretensões, as quaes eu quiz anniquilar, empregaram todos os meios possíveis para me perderem. Elles não podiam decentemente mostrar-se à frente do partido perseguidor. Que fizeram? Escolheram algumas de suas creaturas, que disfarçadas em barbeiros, cosinheiros, marinheiros, etc. divagavam pelos logares públicos, desacreditando-me e pintando-me com as mais horríveis cores. O povo, que facilmente é seduzido, secundou um resentimento, ao qual lhe faziam crer ser um dever associar-se. Aborrecia-se, porque lhe diziam qie assim era mister. Varias pessoas, que vós conheceis, accrescentou elle, com o fim de malquistar-me, andaram por alguns dias debaixo d'um tal disfarce, confundiram-se cora a ralé, e inventaram calumnias, que lhe appresentaram como verdades incontestáveis. Finalmente quanto obrei, foi por ordem de meu amo, e nada tenho de que arrepender-me. Accusam-me principalmente de ter sido cruel; mas obrigaram-me a ser rigoroso. Quando eu annunciava as ordens do rei, e não faziam caso d'ellas, era indispensável recorrer á força: as prisões e os cárceres foram os únicos meios, que encontrei para domar esse povo cego e ignorante."
Ilustração Portugueza n.° 899, 12 de maio de 1923 |
"D'esta forma passei em casa d'este ministro cinco dias nas conversas as mais interessantes. Teve a bondade de eommunicar-me a respeito de Portugal varias noções e reflexões, de que fiz uso no decurso de minha obra."* (1)
(1) Branco, Manuel Bernardes, Portugal eos estrangeiros..., Lisboa, Livraria de A. M. Pereira, 1879
cf. Cormatin, Pierre Dezoteux (1753-1812 ; dit baron de), Voyage du ci-devant duc du Chatelet, en Portugal. Tome 1 / , ou se trouvent des détails interessans sur ses colonies, sur le tremblement de terre de Lisbonne, sur M. de Pombal et la cour ; revu, corrigé sur le manuscrit, et augmenté de notes... par J. Fr. Bourgoing... Tome premier
Artigo relacionado:
O estadista
Leitura adicional:
O Occidente n.° 122, 8 de maio de 1882
Homenagem ao Marquez de Pombal, Clube de Regatas Guanabarense, 1882
Terra Portuguêsa, janeiro de 1922
Ilustração Portugueza n.° 899, 12 de maio de 1923
A Lisboa de Pombal, Lisboa Revista Municipal n.° 13, 1985
Mais leituras:
Marquez de Pombal (HathiTrust)
José Augusto França, A reconstrução de Lisboa e a arquitectura pombalina, Lisboa, Livraria Bertrand, 1977 (1.ª edição)
O plano de Lisboa de 1758
João Lúcio d'Azevedo, O Marquez de Pombal e a sua epoca, ...,1922
Historia de reinado de el-rei D. José e da administração do marquez de Pombal
D. António da Costa, A reforma do Marquez de Pombal, O Académico, 1878
* O 2.° volume das Viagens de Chatelet (que nada appresenta digno de especial menção) termina cora um Supplemento composto por Bourgoing, no qual se corrigem algumas inexactidões inseridas n'esta obra.
O duque de Chatelet, de quem nos temos oecupado n'este artigo, parece ter sido filho da celebre marqueza de Chatelet, amante de Voltaire, e o qual morreu no cadafalso revolucionário, em 1794 depois de ter sido embaixador na Áustria e em Portugal, e coronel do regimento das guardas francezas em 1722 e 1729.
Porém o que no duque de Chalelet nada tem de agradável é a pintura, que nos faz do caracter dos portuguezes no tempo do raarquez de Pombal.
"O povo portuguez é naturalmente orgulhoso, soberbo e animoso, e detesta em geral qualquer outro povo: crê sinceramente que não existe no universo nação mais esclarecida e perfeita, que a sua. Seu ódio contra os hespanhoes é inexprimível: até mesmo tem aversão aos inglezes, aos quaes olham como seus mais temíveis inimigos. Não sei se é prevenção nacional, mas julguei descobrir em Lisboa que ali não se viam os francezes com maus olhos."
"Seus habitantes nos consideram como intrépidos: estimam nossos militaes, dos quaes concebem a mais elevada idéa: além d'isto, nossa vivacidade sympathisa com a d'elles. São (o que todavia custa a accreditar) propensos aos prazeres, e entregam-se a elles, quando o podem fazer commodamente. Ha, segundo julgo, poucos povos mais feios, que os portuguezes. São baixos, morenos, mal conformados: o interior corresponde bastante, em geral, a este repugnante invólucro, principalmente em Lisboa, onde os homens parecem agglomerar todos os vícios da alma e do corpo."
"Ha, todavia, entre a capital e o norte d'este reino uma differença notável. Nas províncias septentrionaes os homens não são tão trigueiros, nem tão feios; são mais francos, mais tratáveis na sociedade, muito mais valentes, e mais laboriosos; porém, se é possível ainda mais escravisados pelos preconceitos. Esta differença dáse egualmente nas mulheres: são muito mais brancas, que as do sul."
"Os portuguezes considerados no geral são vingativos, vis, soberbos, escarnecedores, presumpçosos excessivamente, ciosos e ignorantes. Depois de ter descripto os vícios, que julgo descobrir n' elles, seria injusto calando suas boas qualidades. São affeiçoados a sua pátria, amigos generosos, leaes, sóbrios e caritativos. Seriara bons chrístãos, se não estivessem cegos pelo fanatismo. Acham-se tão acostumados ás praticas religiosas, que são mais supersticiosos, que devotos. Os fidalgos ou grandes de Portugal teem uma educação muito escassa; orgulhosos e insolentes, vivendo na mais crassa ignorância, quasí nunca saem de seu paiz para verem outros povos."
"A família do marquez de Pombal, a qual frequentei muito, é quasi a única onde encontrei instrucção, e um conhecimento não superficial dos outros povos: fala nossa língua, o inglez e o italiano com facilidade; e o que n'ella me agradou infinitamente, foi o ver que pensava a respeito de seu próprio paiz mui sensatamente, e sem nenhuma preoccupação: cousa rara, mesmo nos povos os mais instruídos e eivilisados. Se algum fidalgo portuguez vir o que escrevo, ganharei títulos a seu rancor, porque votou ódio a quanto diz respeito ao nome de Pombal, Algumas outras casas se acham, mas em bem pequeno numero, nas quaes existem livrarias: porém mesmo essas casas e livrarias estão fechadas para os estranhos."
"Podemos, sem exaggeração, gabar os encantos das portuguezas. Não ha europeas, que tenham melhor carnação. Teem muito espirito, e talvez ainda mais vivacidade que as francczas. Em quanto ao galanteio excedem todas as mulheres da Europa: teem na expressão essa ternura seduclora, que desperta e prometle prazer: mas se este é fácil, é muito perigoso obtel-o, porque os maridos e parentes conhecendo a extrema fraqueza de suas mulheres, nunca as desamparam, espionando quantos rodeiam a casa, e se por acaso sae ou entra alguém, que desperta suas suspeitas, cravam-lhe no coração um punhal, de que andam sempre munidos."
"As damas de classe superior vestemse á francesa, exceptuando a cabeça, que enfeitam á moda do paiz com flores e diamantes collocados com muita garridice e arte. Todas ellas teem lindos olhos pretos muito expressivos."