sexta-feira, 12 de março de 2021

Maria da Glória, jovem rainha em França (1831-1833) I de II

A notícia da abdicação de d. Pedro I ao trono do Brasil em 1831 causou certo impacto na França. O ex-imperador e sua mulher, D. Amélia, desembarcaram às quatro da tarde do dia 10 de junho de 1831, no porto de Cherbourg, na Normandia.



Alguns dias depois, a informação aparecia nos principais jornais franceses: Le Moniteur, Le Temps, Le National, Le Constitutionnel, La Gazette de France, etc.

Apesar da queda de d. Pedro I ter se dado em um contexto em que as monarquias européias estavam sofrendo um abalo sísmico quase tão fatal como o que fora provocado pela Revolução Francesa, agravado pela sedimentação dos valores, idéias e ideais difundidos desde o século XVIII, o tom das notícias publicadas era o da incredulidade diante de um fato considerado inédito, fantástico e inesperado.

S.M.I. o Senhor D Pedro restituindo sua Augusta Filha a Senhora D Maria Segunda e a Carta Constitucional aos Portugueses, Nicolas-Eustache Maurin, 1832.
Biblioteca Nacional de Portugal

Em Cherbourg, D. Pedro recebeu todas as honras devidas a um monarca no poder. Os marinheiros ingleses da fragata Volage, que o trouxera, vestindo seus uniformes de gala, deram-lhe nove vivas, ao tempo em que a fragata e todas as fortalezas de terra o saudaram com uma salva de 21 tiros de canhão.

Nos discursos de boas-vindas, ele foi saudado como um defensor da liberdade, um doador de constituições. Cinco mil homens da Guarda Nacional perfilaram-se para que ele os inspecionasse. A prefeitura da cidade ofereceu-lhe um palácio para que ele e sua corte pudessem se instalar. D. Pedro faria de Cherbourg sua primeira base na Europa, convidando seus fiéis amigos, Antônio Teles da Silva, o Marques de Resende, e Francisco Gomes, o famoso Chalaça, para com ele ali se reunirem [...]

A reportagem mais longa sobre a chegada de d. Pedro na França foi publicada pela Revue de Paris que, em matéria de três páginas, detalha o acontecimento. O repórter diz de sua surpresa ao chegar à cidade portuária de Cherbourg e tomar conhecimento do desembarque de d. Pedro. No curso de uma viagem de prazer fui a Cherbourg. Imagine minha surpresa ao encontrar, chegados na véspera do Brasil, como despojos de uma Revolução, o primeiro monarca que a América envia ao exílio na nossa velha Europa.

Após explicar as circunstâncias da chegada do navio de d. Pedro, o narrador descreve os elementos da Corte que acompanhavam o casal: "dois camareiros, alguns oficiais da guarda, e quatro negros de libré com galões com as cores do Brasil". Diz que as roupas dos recém-chegados, — "leurs modes européennes taillées à Rio-Janeiro" — se destacavam por seu ar estrangeiro e que a imperatriz usava uma capa de seda amarela, um pouco desbotada pelo sol e amarrotada pela viagem.

Mesmo assim, o casal tinha um ar de serenidade e de "bienveillance". O imperador parecia um homem honesto que, cansado da realeza, "se aposentava com a integridade de seus direitos e de sua honra", diante do "temporal dessa mesma liberdade que ele fundou sob o céu tropical em um país ainda dominado por semibárbaros costumes".

O narrador descreve a recepção oferecida por d. Pedro nos salões do palácio que lhe fora cedido pela prefeitura. "A reunião era simples, as homenagens eram oferecidas sem constrangimento e recebidas com cordialidade". Diz que os convidados se sentaram em círculo, que a própria Imperatriz sentou-se ao piano para tocar e conclui: "Voilà ce qui succédait au gala d´une cour du midi, au baise-main de Rio-Janeiro".

O texto destaca ainda a forma como d. Pedro recebeu seu velho amigo, o marques de Rezende: abraçando-o com familiaridade. Simplicidade e familiaridade serão as marcas da cortesia das pessoas da família imperial: "Elles parlent familiérement à toutes les personnes", diz o Journal des débats, (edição do dia 15 de junho de 1831).

Familiaridade por vezes excessiva para os padrões franceses. Na mesma edição, conta-se que d. Pedro estabelecera tal intimidade com um dos pilotos da marinha francesa que encontrara no porto que chegara a lhe confidenciar que a imperatriz estava grávida. (1)


(1) Isabel Lustosa, O "séjour" de D. Pedro I em Paris e a imprensa francesa...

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