COSTUMES DE LISBOA
A cena mostra um troço da Rua Direita da Cotovia, hoje Rua da Escola Politécnica.
Costumes de Lisboa, A.P.D.G., Sketches of Portuguese life (...). Imagem: Internet Archive |
Junto à mulher da castanha assada, de que pouco há a dizer, para além de fazer umas castanhas deliciosas, está o aguadeiro galego, sentado no seu barril, aguardando algum serviço.
Por debaixo da varanda, na qual se reconhece a actividade consequente de os parasitas serem infestação comum nas classes médias e baixas, está, encostado à parede, um soldado de marinha que, à semelhança de outros, certamente terá sido recrutado entre a escumalha de Lisboa.
Vê-se a tendeira à porta da sua loja onde vende principalmente bacalhau, azeite, vinho, queijo, réstias de alho etc… o homem que mostra os cestos com peixe à tendeira é um soldado do exército, que ao vender peixe, o que lhe é permitido, consegue superar os efeitos do pagamento incerto dos seus vencimentos.
O outro homem, que caminha com um ar descontente, é um dos muitos pescadores ílhavos que cruzam as ruas de Lisboa, são gente de bem. O heroico personagem, mais à direita na imagem, é o pedinte de Lisboa, sem paróquia, sem onde trabalhar, sem onde dormir e sem quem defenda a sua reputação. A porta verde é a do barbeiro, que barbeia, corta o cabelo, sangra, aplica sanguessugas (bixas) e arranca dentes. O frade é um Trino, da Santíssima Trindade.
CAPÍTULO II
DIVAGAR POR LISBOA
Começando a nossa peregrinação por Lisboa pelos cais e lugares de amarração ao longo do Tejo:
1 — Belém, escadas da Rua do Peixe, um pequeno cais;
2 — Belém, degraus da Praça, excelente e espaçoso;
3 — a praia da Junqueira, oposto à casa do patriarca;
4 — outro na Pampulha, chamado escadas do Forno de Cal, muito mau;
5 — o cais das encomendas, referência ao serviço de correio marítimo Falmouth Packets, mais própriamente designado como Rocha do Conde de Óbidos;
6 — o Cais de José António Pereira, chamado pelos britânicos de Casa Amarela;
7 — cais do mercado do peixe, ou Cais da Ribeira Nova, um lugar notável;
8 — Cais do Sodré, onde os mercadores se encontram à tarde e ao anoitecer;
9 — Cais do Terreiro do Paço;
10 — o Cais da Ribeira Velha, a evitar, pois está sempre pleno com barcos da palha e outros;
11 — finalmente o Cais dos Soldados ou Cais da Forca, assim também denominado porque aí se encontra permanentemente montada uma forca tripla. Este cais também é conhecido por Cais do Tojo.
Lugar de atracagem em Belém, A.P.D.G., Sketches of Portuguese life (...). Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal |
A maneira como a palha é carregada nos barcos empregues no seu transporte desde Alhandra sempre atríu a atenção dos estrangeiros. Fiz um esboço, ao vivo, do momento da sua descarga.
Descarga de barco da palha e mulheres despejando as calhandras, A.P.D.G., Sketches of Portuguese life (...). Imagem: Internet Archive |
A maioria das embarcações que encostam ao cais da Ribeira Velha são as muletas e as faluas, barcos latinos, com uma ou duas velas deste tipo, conforme os seus tamanhos. As familias, da maioria destas tripulações, habitam nas pequenas aldeias e lugares que marginam o Tejo: Seixal, Amora, Coina, Moita etc.
CAPÍTULO III
DIVAGAR POR LISBOA
A faculdade portuguesa recomenda os banhos para todos os casos de queixas e males. Os homens despem-se na parte de vante do barco, vestem calções que vão abaixo do joelho e cobrem-se com um casaco comprido, antes de se sentarem na amurada do barco para entrarem dentro de água.
Quando as senhoras anunciam que estão prontas eles ajudam-nas a entrar no rio, pegando-lhes nas mãos enquanto elas descem pelas pequenas escadas. Depois, entre gritos e chapinhadas, o divertimento é geral. Uma piada comum, conta que uma senhora baixa e gorda, uma visão habitual, quase ia virando o barco quando descia.
Banhos no Tejo, A.P.D.G., Sketches of Portuguese life (...). Imagem: Internet Archive |
Quando os barcos do banho são numerosos, ao longo da praia, não raramente vi o Regimento de Cavalaria de Alcântara receber ordem de tomar banho. Então, é vê-los entrar na água, e completamente despidos com os seus cavalos, nadar por entre os banhistas, causando-lhes o maior desconforto.
CAPÍTULO VI
DIVAGAR POR LISBOA
Em honra de todas as criaturas, nossas semelhantes, que morreram antes de nós, e para o descanso de suas almas, está reservado um dia por ano, que em Portugal é passado a dizer e a ouvir missas: o dia de finados.
Dia de Todos os Santos no convento de S. João de Deus, A.P.D.G., Sketches of Portuguese life (...). Imagem: Internet Archive |
Por uma estranha contradição, enquanto rezam pelo seu descanso, os frades de S. João de Deus, incomodam os restos de um grande número, e dispõem-nos ao longo das paredes, com ramos de loureiro entre si, exibindo as suas carcaças amolecidas, como santos incorruptíveis ao olhar dos curiosos.
CAPÍTULO VII
PROCISSÕES RELIGIOSAS DE LISBOA
Aconteceu, numa noite de tempestade, que um pedinte bateu à porta do convento de S. Roque, almejando a hospitalidade dos seus residentes por alimento e alojamento. O primeiro foi-lhe concedido, mas o segundo foi-lhe negado. Tendo sido obrigado a procurar alojamento noutro sítio, dirigiu os seus passos para o convento de N. Sr.a da Graça, onde os frades o receberam sem a menor hesitação e lhe deram uma cela para passar a noite.
Na manhã seguinte, como o pedinte não aparecia, alguns dos frades foram à cela procurá-lo; foi quando, em vez do pedinte, encontraram uma grande figura do nosso Salvador carregando a cruz para o Monte Calvário, dobrando-se sobre o seu peso: — a figura, em resumo, é venerada pelos portugueses como "O Senhor dos Passos da Graça".
Agora, sendo firmemente acreditado, que a figura é o próprio Nosso Senhor, e assim se deu aos frades da Graça para recompensar a sua hospitalidade, os frades de S. Roque reclamam o direito a ela também, baseando-se no facto de o pedinte ter primeiro batido à sua porta, e ter recebido comida de suas mãos.
Esta é então a causa do litígio; e como parece não ter fim à vista, ficou acordado que, entretanto, o Senhor dos Passos deve fazer uma visita anual ao mosteiro de S. Roque durante a Quaresma e regressar nesse dia da semana ao convento da Graça.
Procissão do Senhor dos Passos da Graça, A.P.D.G., Sketches of Portuguese life (...). Imagem: Internet Archive |
Mas o que nesta procissão mais merece a atenção dos protestantes estrangeiros, é o grupo de pessoas, que envergando paramentos dos cavalos, vão de gatas sobre as suas mãos e joelhos, debaixo da imagem, através da lama e das poças, toda a distância entre os dois conventos.
As procissões do Corpo de Deus e a de Santo António são infinitamente mais exuberantes. Esta ultima causa grande sensação nos dois meses precedentes. As janelas são alugadas por um preço extravagante, e aqueles que residem nas ruas do Ouro e da Prata, podem mostrar grande atenção e favor para com os seus amigos convidando-os para um lugar nas suas varandas.
São Francisco na procissão de Santo António, A.P.D.G., Sketches of Portuguese life (...). Imagem: Internet Archive |
As imagens participantes na procissão, que se contam para mais de uma centena, oferecem uma grande variedade como se pode supor; por exemplo, um andor com um crucifixo e as Marias ao pé deste; e outro com S Francisco de Paula, ajoelhado em frente, e tiras de fio vermelho saindo das chagas do nosso Salvador e fixadas no outro extremo nas partes correspondentes de pessoa do santo, que mantêm os braços abertos.
CAPÍTULO VIII
EQUIPAGENS PORTUGUESAS
Na História de Portugal, Vol. I, pág. 12, publicada em Lisboa em 1787, pode ser lida a confissão que "Nada do que podemos ver noutros países pode igualar o estado de desleixo no qual, em Portugal, as ciências e as artes aplicadas tinham caído previamente à última reforma de 1772". Que esses melhoramentos tivessem sido pensados, é possivel, mas parece nunca terem sido postos em prática. Este é o desenho correto de um veículo de Lisboa — sege, carro de aluguer, ou o que quiserem — pois não se vêm outras equipagens.
Sege ou chaise, A.P.D.G., Sketches of Portuguese life (...). Imagem: Internet Archive |
A construção do veículo, tão miseravelmente imaginada, que não é impermeável nem à chuva e nem ao pó, tem nada mais do que uma cortina em pele na frente para proteção de ambos. Esta cortina é deixada aberta com bom tempo; com isso, ficaremos então cobertos de moscas, que tendo sido perturbadas com a nossa aproximação, levantam-se em nuvens espessas dos montes de estrume nas ruas, e como vingança se se juntam sobre nós.
Nos meses de fevereiro e março é costume, em Portugal, dar forragem verde às mulas e cavalos; isto consiste em trigo quase completamente desenvolvido e é, como se pode imaginar, caro particularmente nos casos em que uma pequena ração de grão diária também é permitida. É por esta razão, e por meio deste tratamento, que eles adquirem uma lustrosidade e uma boa condição, que começam a desaparecer no início do outono, quando as costelas começam a deixar ver-se por debaixo da pele.
[...]
CAPÍTULO XX
CONSPIRAÇÃO POLÍTICA DE LISBOA EM 1817
O esboço sobre o qual estes dois desenhos foram elaborados foi feito no local. O segundo é precisamente igual ao primeiro, somente com a diferença de dois ou três minutos.
Execução dos conspiradores em 1817, A.P.D.G., Sketches of Portuguese life (...). Imagem: Internet Archive |
O mesmo culpado que no primeiro está sentado na escada é o mesmo que na segunda já está enforcado; processo similar de tempo pode ser observado nos outros personagens.
Execução dos conspiradores em 1817, A.P.D.G., Sketches of Portuguese life (...). Imagem: Internet Archive |
O procedimento de enforcar aqui descrito é aquele que está em uso por todo Portugal quando os acusados são condenados à morte. (1)
(1) cf. A.P.D.G., Sketches of portuguese life, manners, costume and character, London, Geo. B. Wittaker, 1826