terça-feira, 30 de agosto de 2016

O Grupo do Leão (3.ª parte)

António da Silva Porto (1850-1893) aparece como o chefe natural e incontestado do "Grupo do Leão", em simultâneo com a actividade de professor da aula de Pintura de paisagem na Academia Real de Belas Artes de Lisboa, desde 1879. 

Na Pastagem, Silva Porto, 1883.
Imagem: Casa dos Patudos

Assim duplamente exerce uma desejada influência e doutrinação estética, ora junto de condiscípulos, ora de alunos.

Silva Porto no seu atelier, Columbano, 1883.
Imagem: Casa dos Patudos

Renovador da pintura de ar livre, colhe a essência dessa atitude numa profunda sensibilidade que interpreta a natureza nos aspectos fundamentais, a que não é alheio um íntimo lirismo, alicerçado em sólidos conhecimentos de desenho e de estudo do natural.

José Malhoa (1855-1933) mostra-se de central importância na cultura portuguesa, pelo entendimento que transmite do seu ofício de pintar, numa obra que percorre os aspectos da ruralidade do país, desde a paisagem à realidade dos costumes e das vivências do quotidiano.

À passagem  do comboio, José Malhoa, 1896.
En voyant passer le train, gravura de Charles Baude, segundo o quadro perdido de Malhoa.
Imagem: Provocando

Assim recolhe o conteúdo autêntico dum panorama humano diversificado, a que não é estranha a compreensão da sua relação com o meio, a natureza envolvente, a paisagem que recria e humaniza. 

José Malhoa por António Ramalho (Ramalho Junior), 1882.
Imagem: Cores e cheiros

Dedica-se ainda ao retrato, quer de personagens populares, quer da burguesia citadina. Rigoroso e directo, não usa eufemismos com os modelos, exprimindo o que os seus olhos vêem e capta a sua subjectividade. 

O fado, José Malhoa, 1910.
Imagem: Wikipédia

Entretanto, o seu trabalho vai sendo atravessado por trechos de imensa frescura, de paisagem, de marinha, de recantos de jardins, transformando-os em momentos duma particular poética resultante da interpretação dos fenómenos lumínicos.

Na Praia das Maçãs, José Malhoa, c. 1926.
Imagem: MNAC

Malhoa paisagista revelar-se-á ao longo da sua carreira de artista em duas vertentes distintas e complementares: a paisagem pura, despovoada, exercício de pintura pelo prazer de pintar; e a paisagem como suporte do humano, enquadramento natural e testemunha de costumes e vivências.

A volta da romaria, José Malhoa, 1901.
Imagem: Coysas, Loysas, Tralhas Velhas...

É todo um imaginário comum que Malhoa aborda em arte de notáveis recursos técnicos e de uma atenta observação da atmosfera e luminosidade dos nossos dias, traduzindo-as com a justeza a que, por vezes, empresta a alacridade e a crueza de cor que as paisagens, as pessoas e as coisas efectivamente assumem.

António Ramalho (1859-1916) protagoniza também lugar de relevo no “Grupo do Leão”. 

Praia do Alfeite, António Ramalho (Ramalho Junior), 1882.
Imagem: YouTube


Discípulo de Silva Porto na Academia Real de Belas Artes, e beneficiando de pensionato em Paris (1882-1884), revela-se sensível paisagista e detentor de notáveis recursos na pintura de retrato.

João Vaz (1859-1931) destaca-se pelos seus dotes de paisagista, mas, muito em especial, como marinhista.

Rio Tejo, João Vaz.
Imagem: Casario do Ginjal

 Obra de João Vaz (1859-1931)Galeria de imagens no Facebookclique para aceder
Obra de João Vaz (1859-1931)
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Discípulo de Tomaz da Anunciação (1818-1879) na Academia Real de Belas-Artes, e depois seguidor de Silva Porto, atinge nas suas principais obras uma compreensão completa e profunda dos valores lumínicos, atmosféricos e espaciais.

O mais velho do Grupo é José Moura Girão (1840-1916), cuja formação, na Academia Real de Belas Artes, recaiu num tempo ainda alheio ao anúncio do Naturalismo. No entanto, adere convicta e decididamente à novidade nascente, dela deixando impregnar-se a sua vasta produção artística.

O meu primeiro ovo, Moura Girão, 1914.
Imagem: Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro

Encantado e incansável observador dos bichos de capoeira, foi um pintor muito apreciado pelo verismo e graciosidade que imprime às suas obras, com frequência cenas rurais, onde os temas animalistas assumem relevo.

Manuel Henrique Pinto (1853-1912) perfila-se como paisagista e pintor de género ao gosto naturalista. Cursa a Academia Real de Belas Artes e aí encontra como mestres Anunciação, Joaquim Prieto (1833-1907) e José Simões de Almeida (1844-1926).

O Convento, Figueiró dos Vinhos, Manuel Henrique Pinto.
Imagem: Biblioteca Municipal de Figueiró dos Vinhos no Flickr

 Obra de Manuel Henrique Pinto (1853-1912)Galeria de imagens no Facebookclique para aceder
Obra de Manuel Henrique Pinto (1853-1912)
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Os aspectos da vivência rural constituem as linhas principais da expressão da sua pintura, apoiado pelo exercício do desenho de atenta observação, sensibilidade e rigor.

Armando aos pássaros, Manuel Henrique Pinto.
Imagem: Cabral Moncada Leilões
Manuel Henrique Pinto (1853-1912) e José Vital Branco Malhoa (1855-1933), ainda quase meninos, encontram-se pela primeira vez na Academia Real das Bellas Artes de Lisboa. Um vinha de Cacilhas, do outro lado do Tejo, num tempo sem cacilheiros, e nos primeiros anos faltava muito às aulas, por isso se mudou para a cidade. O outro, parece que com uma perna partida, veio das Caldas da Raínha para casa do "mano Joaquim" a fim de curar a mazela e abraçar vida nova. Acabaram por se juntar nas aulas e corredores de S. Francisco e fizeram-se amigos para toda a vida.

Alunos da Academia das Belas Artes, precursores do Grupo do Leão, 187?.
Da esquerda para a direita em cima, João Rodrigues Viera, José Moura
Girão, Veríssimo José Baptista, Manuel Henrique Pinto e João Vaz.
Em baixo, José Malhoa.
Imagem: Biblioteca Municipal de Figueiró dos Vinhos no Flickr
Dos professores que ali tiveram, sem esquecer Thomaz José da Anunciação (1818-1879) e Miguel Ângelo Lupi (1826-1883), dois houve que mais os marcaram – Joaquim Gregório Nunes Prieto (1833-1907) e José Simões d’Almeida júnior (1844-1926).

in Provocando
João Ribeiro Cristino (1858-1948), o mais moço dos artistas do “Grupo do Leão”, cursou a Academia Real de Belas Artes, assumindo a sua carreira artística acentuada importância como gravador.

Palácio e Quinta Real do Alfeite, João Ribeiro Cristino, in Occidente Revista Illustrada, março, 1887.
Imagem: Hemeroteca Digital

Todavia, a influência de Silva Porto determina a estreia de Cristino como paisagista, que, desde a "Exposição de Quadros Modernos" de 1881, apresenta óleos, a par de provas de gravura em madeira.

Lago do Antelmo — Alfeite, João Ribeiro Cristino, 1883.
Imagem: Veritas leilões

João Rodrigues Vieira (1856-1898) é discípulo de Anunciação na Academia Real de Belas Artes; encontra os seus temas preferidos na paisagem e na natureza-morta, género em que é apreciada a frescura que imprime a frutos e flores.

Leilão de pesca, Praia da Nazareth, João Rodrigues Vieira.
Imagem. Palácio Nacional da Ajuda no Facebook

No fim do mercado (Leiria), João Rodrigues Vieira.
Imagem: Internet Archive

José Joaquim Cipriano Martins (1841-1888), aluno de Miguel Ângelo Lupi (1826-1883) e de outros mestres, na Academia Real de Belas Artes; é um paisagista, mas sobretudo retratista de merecimento, que deixa obras dignas do Grupo e do movimento que integra.

Paisagem, José Joaquim Cipriano Martins.
Imagem: Manuel Henrique Pinto no Facebook

O retrato é a expressão essencial da obra de Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1929), que também se compraz na composição de naturezas-mortas e na pintura monumental, além de escassas paisagens de tonalidades discretas e húmidas.

Bulhão Pato, Columbano Bordalo Pinheiro, 1883.
Imagem: MNAC

Uma segura técnica, que continuamente aperfeiçoa e desenvolve, não só através do óleo, mas ainda no desenho e nas subtilezas do pastel e da aguarela, suporta a coesa e determinada progressão da carreira de Columbano.

Retrato de Bulhão Pato, Columbano Bordalo Pinheiro, 1908
Imagem: Pintar a Óleo

Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905) revelou-se um espírito brilhante, ímpar de criatividade, que aplicou a uma contínua intervenção atenta e crítica à vida portuguesa.

Raphael Bordallo Pinheiro, A Parodia-Comedia Portugueza, Vinte Annos Depois, 1879 - 1903 (detalhe).
Raphael Bordallo Pinheiro — O Caricaturista
Raphael Bordallo Pinheiro — O Ceramista
Imagem: Internet Archive

Permanecem de surpreendente actualidade os seus comentários à política, à economia, à sociedade da época, nas revistas de caricatura e humor que editou, atitude que não raro reflectiu na cerâmica que, a partir de 1884, logra revitalizar na Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha.

Moringue Gonzaga Gomes, Museu Rafael Bordalo Pinheiro.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Expõe com o Grupo, enquanto as revistas que edita – "O António Maria" e os "Pontos nos ii" – inserem comentários caricaturais às obras dos companheiros.

Cena da galeria da Paixão de Cristo, Rafael Bordalo Pinheiro.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

É, pois, na época do "Grupo do Leão" que Rafael Bordalo Pinheiro se fixa nas Caldas da Rainha e dá novo incremento de modernidade à cerâmica tradicional, aí criando também a galeria da "Paixão de Cristo" (1887-1899), obra única de cerca de sessenta figuras de estatuária de terracota à escala humana, distribuídas por nove cenas, recriação de extraordinária expressividade e valor plástico e iconográfico, que se pode apreciar em galeria própria, no Museu José Malhoa.


(1) Matilde Tomáz do Couto, O "Grupo do Leão" (1881-1889), Jornal da Caldas, 16 de setembro de 2014
cf. revista LION, ed. junho/agosto de 2014


Leitura relacionada: 
Zacarias d'Aça, Lisboa moderna , Lisboa, Tavares Cardoso, 1906
Margarida Elias, O Grupo do Leão de Columbano Bordalo Pinheiro, Revista de História de Arte n.° 5, 2008

Nuno Saldanha, O Leão d'Ouro e a Génese do Naturalismo na Pintura Portuguesa 1885-1905
do Porto e não só: Apontamentos sobre a pintura em Portugal na esquina dos séculos 19 e 20 (I parte)

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