terça-feira, 17 de maio de 2016

Iconografia de Lisboa (4.ª parte)

Além das vistas panorâmicas, desenhadas em pergaminho ou papel, tecidas em tapeçarias, e gravadas em cobre ou em madeira, de que temos tratado, algumas vistas, mas poucas, até ao terremoto de 1755, foram pintadas noutros materiais-suportes, tais como telas e azulejos.

Terreiro do Paço, vista panorâmica de Lisboa (detalhe),
painel de azulejos proveniente do antigo palácio dos condes de Tentúgal, c. 1700 após 1728 [atente-se no detalhe da torre do relógio de Antonio Canevari].
Imagem: Wikipédia

As principais de que temos notícia, nenhuma delas assinada nem datada, são as seguintes:

Em tela:

a) — Um quadro que representa a tomada de Lisboa aos mouros já existia no l.º quartel do século XVII na igreja de S. Crispim, onde foi visto por António Coelho Gasco, que escreveu o seu livro entre os anos 1627 e 1683. Pertence à Câmara Municipal de Lisboa.

b) — Da mesma época deve ser um quadro atribuído ao pintor português Amaro do Vale (entre 1615 e 1619) [ou a Domingos Vieira Serrão (1570-1632) e Simão Rodrigues (c. 1560-1629)], com uma vista panorâmica da cidade, e que parece ser um ex-voto dum português. É pertença do governo Francês, e acha-se patente na Igreja de S. Luís Rei de França, em Lisboa.

Lisboa, Ex Voto,  Nossa Senhora de Porto Seguro Roga a seu Precioso Filho por esta Cidade e sua Navegação de Lisboa,
Igreja de São Luís dos Franceses, c. 1620.
Imagem: do Porto e não só...

c) — Quadro que representa a partida de Lisboa para a India, em 1541, de S. Francisco Xavier, devido ao jesuíta português Domingos da Cunha (1598-1644), ou com menos probabilidade ao pintor português Simão Gomes dos Reis. A vista panorâmica que constitui o fundo do quadro é mui semelhante à anterior. Consta que este quadro proveio do Noviciado da Cotovia, depois Colégio dos Nobres, e está actualmente num corredor da Academia de Belas Artes.

D. João III e o núncio apostólico da Índia, ou A partida de São Francisco Xavier, aut. desc. c. 1730.
Imagem: Wikipédia

d) — Vista panorâmica da cidade tirada do poente para nascente, do jardim do palácio que foi do marquês de Abrantes, junto à igreja de Santos-o-Velho. Deve ser do 1.° quartel do século XVIII, e pertence a um particular.

Em azulejos:

a) — Vista panorâmica num silhar que esteve numa casa do Largo de S. Tiago [Palácio dos Condes de Tentúgal], e que deve ser aproximadamente do ano 1784. Estava distribuída por 10 painéis, e actualmente reconstituída formando um silhar corrido, como era na sua origem, está exposta no átrio do Museu de Arte Antiga, às Janelas Verdes [Museu Nacional do Azulejo, v. acima].

b) — Num silhar da capela da portaria do extinto convento de S. Vicente de Fora está uma vista panorâmica, representando a conquista de Lisboa, em 1147. Deve ser do mesmo tempo que a anterior.

Até épocas muito próximas das nossas, exceptuando o Paço Real da Ribeira, e um ou outro palácio ou casa solarenga, não possuía Lisboa palácios de arquitectura sumptuosa, como existiam noutras capitais, bem que o seu recheio em mobiliário, tapeçarias e cerâmica primasse pela variedade e riqueza.

Rua Nova dos Mercadores em 1521, Livro de Horas de D. Manuel,
iluminura atribuida a António de Holanda.
Imagem: MNAA

As igrejas, se não possuíam fachadas monumentais, como certas catedrais do estrangeiro, apresentavam por vezes aspectos arquitectónicos que impressionavam os artistas, como se pode ainda ver nalgumas que resistiram ao cataclismo do 1.° de Novembro de 1755.

Rua Nova dos Mercadores, aut. desc., século XVI.
Imagem: Society of Antiquaries of London

Mas sendo em geral pobre a sua fachada, o seu interior era quase sempre ornado com mármores e abundante obra de talha dourada que lhes dava um aspecto de riqueza.

Rua Nova dos Mercadores, aut. desc., século XVI.
Imagem: Society of Antiquaries of London

As vias públicas, exceptuando o Terreiro do Paço, o Rossio, e a antiga Rua Nova, consistiam geralmente em estreitas e tortuosas artérias, nalgumas das quais mal podiam passar dois coches que se cruzassem. (1)


(1) Vieira da Siva, Augusto, Iconografia de Lisboa, Revista Municipal n.° 32, Câmara Municipal de Lisboa, 1947
 
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Leitura adicional:
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