terça-feira, 18 de julho de 2017

Garretismo

O folar (costumes do Minho), quadro do sr. A. Roquemont

Não conhece Portugal o que não viu e estudou as nossas provincias do norte, mas especialmente o Minho. A raça, as feições, o trajo, os costumes, tudo alli é characterislico. O solo, o clima, a vegetação, a cultura, tudo alli é bello. São os campos mais verdes, as árvores mais esbeltas, os mulheres mais bonitas, e os baldios mais sinceros de todo o reino: do reino que alli nasceu e que d'alli se estendeu até aos Algarves.

O parocho da aldêa pedindo o folar, Augusto Roquemont, 1843.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Poesia e pintura portuguem hade-se ir fazer alli: em certos generos nunca se fara bem se o poeta, o pintor não conhecer e não copiar a nossa Arcadia, que é aquella provincia.

O Sr. Roquernont, artista distincto cujo principal character e merecimento é a verdade, por uma longa residencia no Minho é que se fez portuguez, artista portuguez legítimo, como ochala que sempre sejam todos os nossos naturaes.

Retrato de Augusto Roquemont por José António Correia.
Imagem: Mestre José António Correia...

Na última exposição de Lisboa (1843) notamos os dous lindos quadros de genero com que a illustrou: ambos eram do scenas minhotas, ambos cheios de graça e de verdade. O Sr. conde de Luckner, ministro de Dinamarca n'esta côrte, fez a aquisição d'estes dous quadros, avaliando como conhecedor que é, o seu muito merecimento. Por favor de S. Ex.ª poderam os Srs. Editores desta obra fazer copiar um d'elles e hoje tem a satisfação de o dar aos seus assignantes no presente desenho litographico. 

Representa o abbade, o parocho da aldea, entrando duma casa de lavrador a pedir o folar — dom voluntario dos freguezes ao seu pastor por occasião da festa de paschoa.

O parocho da aldêa pedindo o folar (detalhe), Augusto Roquemont, 1843.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Sôbre tudo n'este quadro o effeito da luz é primoroso: o sol entrando pela unica janella da casa, vai tocar na extremidade de uma mesa, e de permeio allumia parte do berço aonde jaz uma criancinha. A restea de sol. reflectida por todo o pavimento, está distribuiria de forma que se distinguem perfeitamente os objectos, sem com tudo em nada perder da sua força o rigoroso escuro do fundo sabre que destacam as figuras do padre e do sachristão. 

N'esta parte da transparencia dos escuros pôde este quadro comparar-se nos da eschola flamenga de scenas familiares e interiores, aonde custa a perceber como, por meio de tons sempre diaphanos, se pode conseguir uma força extraordinoria que, pela sua grande transparencia, produz de ordinario unta perfeita illusão.

A verdade, a expressão, a naturalidade e o posição da figuras são, como ja dissemos, de quem conhece perfeitamente o paiz, a sua natureza e o seu povo.

O parocho da aldêa pedindo o folar (detalhe), Augusto Roquemont, 1843.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Quem não vê na cabeça d'aquelle bom abbade um dos tantos singelos e bondosos pastores que d'antes contava a nossa egreja, cansados da edade e dos trabalhos da sua cura, modestos e obscuros heroes que fugiam da glória van do mundo, e praticavam, quasi as escondidas, todas as virtudes que fazem um santo e um grande homem?

O parocho da aldêa pedindo o folar (detalhe), Augusto Roquemont, 1843.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

O sachristão tem uma physionomia natural, o velho pae do dono da casa faz na sua expressão devota um contraste bem notavel com certa indiferença que parece mostrar o filho. É o seculo passado e o presente. Nos mulheres que estão no fundo conhece-se, o par da devoção, a attenção que dão ás flores que coroam a imagem do Sancto-Christo. 

A mulher que vende os ovos, assim como o moço que os compra, estão bem characterizados. 

O parocho da aldêa pedindo o folar (detalhe), Augusto Roquemont, 1843.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

O socégo do gato sentado ao sol, a innocencia da minina que junto do berço olha para a cerimonia sem a intender, tudo está primorosamente natural. É para admirar que o Sr. Roquemont sem modellos conseguisse tanto.  Com reminiscencia — e bem se vê que o quadro é feito d'ellas — ninguem poderia fazer melhor.

O parocho da aldêa pedindo o folar (detalhe), Augusto Roquemont, 1843.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Tem este quadro 10 polegadas de altura, e 14 de comprimento.

A. G. (1)


(1) Almeida Garrett, O Folar, (Costumes do Minho), Quadro do Sr. A. Roquemont, Jornal das Bellas-Artes n.º 1, 1843, cf. O Real em Revista (pesquisa: roquemont)

Artigo relacionado:
Os pincéis do Neogarretismo prévio

Leitura adicional:
António Mourato, Augusto Roquemont, retratista e pintor de costumes populares

Sem comentários: