Junto ao moinho cantando
Lavam roupa as lavadeiras
Os patos brincam nadando
Arrulham pombos nas eiras
Às vezes contemplo o moinho
Que além de velho, não cai
Formado no casalinho
Que era do pai do meu pai
Variações sobre o fado, Panorama n.° 25-26, 1945. |
Que noite de Natal tristonha, agreste
De neve amortalhava-se o caminho
O vento sibilava do nordeste
Nas frinchas das porta do moinho
Sentada à velha mó já carcomida
Onde incidia a luz duma candeia
O moleiro de barba encanecida
Com a mulher comia a parca ceia
Próximo do moinho, ouviu-se em breve
Uma voz, e o moleiro abrindo a porta
Viu um velhinho todo envolto em neve
Vergado ao peso duma esperança morta
Entrai, meu peregrino da desgraça
Disse o moleiro ao pálido ancião
Aqui não há dinheiro, existe a graça
De haver carinho, piedade e pão
Vinde comer, agasalhar-se ao lume
Festejar o nascer do Deus Menino
Porque a vida somente se resume
Na escravidão imposta pelo destino
E então o velhinho, numa voz sonora
Pronunciou, levando as mãos ao peito
Abençoado seja a toda a hora
Este moinho que é por Deus eleito
Moinho desmantelado (Henrique Rego/Alfredo Marceneiro)
Moinho desmantelado
Pelo tempo derroído
Tu representas a dor
Deste meu peito dorido
É grande a tua desgraça
Ao dizê-lo sinto pejo
Porque em ti apenas vejo
A miseranda carcaça
Perdeste de todo a graça
Heróica do teu passado
Hoje ao ver-te assim mudado
Minh’alma cora e descrê
Quem te viu, e quem te vê
Moinho desmantelado
Moinho pombo da serra
Que triste fim tu tiveste
Alvas farinhas moeste
Pró povo da tua terra
Hoje a dor em ti se encerra F
oste votado ao olvido
Foi-se o constante gemido
Dessas mós trabalhadoras
Doce amante das lavouras
Pelo tempo derroído
Finalizas tua vida
Em fundas melancolias
Às tristes aves sombrias
Hoje serves de dormida
No teu seio das guarida
Ao horrendo malfeitor
Tudo em ti causa pavor
É bem triste a tua sorte
Sombria estátua da morte
Tu representas a dor
Junto de ti eu nasci
Oh meu saudoso moinho
E do meu terno avozinho
Quantas histórias ouvi
Agora tudo perdi
Sou pela dor evadido
Vivo no mundo esquecido
Moinho que crueldade
És o espelho da saudade
Deste meu peito dorido.
Lembro-me de ti (Joao Linhares Barbosa/Alfredo Marceneiro)
Eu lembro-me de ti
Chamavas-te Saudade
Vivias num moinho
Tamanquinha no pé
Lenço posto à vontade
Nesse tempo eras tu
A filha do moleiro.
Eu lembro-me de ti
Passavas para a fonte
Pousando num quadril
O cântaro de barro
Imitavas em graça
A cotovia insonte
E mugias o gado
Até encheres o tarro.
Eu lembro-me de ti
E às vezes a farinha
Vestia-te de branco
E parecias então
Uma virgem gentil
Que fosse à capelinha
Um dia de manhã
Fazer a comunhão.
Eu lembro-me de ti
E fico-me aturdido
Ao ver-te pela rua
Em gargalhadas francas
Pretendo confundir
A pele do teu vestido
Com a sedosa lã
Das ovelhinhas brancas.
Eu lembro-me de ti
Ao ver-te num casino
Descarada a fumar
Luxuoso cigarro
Fecho os olhos e vejo
O teu busto franzino
Com o avental da cor
Do cantaro de barro
Eu lembro-me de ti
Quando no torvelinho
Da dança sensual
Passas louca rolando
Eu sonho eu fantazio
E vejo o teu moinho
Que bailava tambem
Ao vento assobiando
Eu lembro-me de ti
E fico-me a cismar
Que o nome de Lucy
Que tens não é verdade
Que saudades eu tenho
E leio no teu olhar
A saudade que tens
De quando eras Saudade.
Outras referências:
Amaro de Almeida, Reflexões sobre a origem do fado, Olisipo n.° 25, 1944
Variações sobre o fado, Panorama n.° 25-26, 1945
O fado segundo Maurice Mariaud:
Instituto Camões, O Fado (1923)
CINEPT: O Fado (1923)
A Severa segundo Júlio Dantas:
Júlio Dantas, A Severa
Esperas de touros, Serões n.° 37, 1908
A Severa (peça teatral), Illustração Portugueza n.° 156, 1909
Restos de Colecção, A Severa, Primeiro Filme Sonoro-(Fonofilme)
A Severa da lenda... literatura... realidade, Reporter X n.° 95, 1932
Dina Teresa, Cine-Jornal n.° 16, 1936
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