À passagem do comboio (segunda versão), José Malhoa, c. 1905. Provocando |
Hoje conhece-se apenas por uma reprodução do quadro gravada (xilogravura) por Charles Baude para o "Le Monde Illustré" (Litogravura s/ papel seda, CMP, Invº n.º 86.154, 350 X 450 mm), e por uma gravura de A. P. Marinho, reproduzida no catálogo da 7ª Exposição do Grémio Artístico de 1897.
Reproduzido em "Branco e Negro" de 1897, p. 102. Malhoa fará depois uma segunda versão que levou a Paris em 1905 e ao Rio em 1906." (1)
En voyant passer le train / À passagem do combóio, 1896, 40x65. Inicialmente apresentado na 7ª Exposição do Grémio Artístico, 1897, já sem preço de catálogo – sinal de haver sido vendido, ainda com o verniz a secar, a José Relvas. O mesmo que o haveria de emprestar e perder agora.
"À passagem do comboio – é uma animada scena, tão frequente, a que o pincel de Malhôa apanhou em flagrante toda a vida e intensa expressão d’alegria expontanea. O comboio foge rapidamente e o rapazio, que correu ás barreiras a vel-o passar, ainda não acabou a esfuziada de gritos e risos; teem todos o gesto animado das grandes ocasiões, um lança a perna sobre o ripado, agita-os um extremecimento de vida, só a rapariguinha que traz ao collo a irmã pequenina, conserva attitude socegada de quem, tendo um dever a cumprir, não pode deixar-se arrebatar por enthusiasmos." – assim o descrevera Ribeiro Arthur aquando da apresentação, em 1897.
Grémio Artístico, 7.ª exposição, 1897. O Occidente N.º 665, 20 de junho de 1897 |
Malhoa fará uma segunda versão de À passagem do combóio, c.1905. Aparentemente menos interessante, e onde enfia o barrete ao cachopo deitado sobre a cerca. Levá-lo-á ao Brasil em 1906, ali será vendido a "Baldº Carq.ja Fuentes" [Baldomero Carqueja Fuentes], por "1:900$000 (…) em moeda brazileira".
É, muito possivelmente, este, não datado, e que entretanto terá vindo mais recentemente repatriado. Assim, a correr, é esta a história possível das seis obras que Malhoa levou à Exposição Universal de Paris, 1900.
Depois, na volta, o barco que as trazia afundou-se. Perderam-se cinco das obras de Malhoa e mais uma série de outras de outros Artistas nacionais. Foi grande a perda - como se pode calcular! A esta exposição internacional havia ido do melhor que então por cá era produzido. (2)
"Este quadro, assim descrito, ou é coisa completamente desconhecida ou, entre tudo o que hoje sabemos, só poderá ser À passagem do combóio, 1896. O que é muito provável, se olharmos bem para o que dele resta.
À passagem do comboio, José Malhoa, 1896. En voyant passer le train, gravura de Charles Baude, segundo o quadro perdido de Malhoa. Provocando |
A assim ser, estaríamos apenas perante uma parte dos irmãos e não «todos os filhos em forma» – o que se afigura perfeitamente natural. Por essa data, 1895/6, os três mais velhos, Saúl, Aida e Maximino – que, aliás, quase nunca aparecem nesta saga familiar a tinta d’óleo – teriam todos mais de quatorze anos e, por essa altura e naquela vida, era idade onde já se não andava na gandaia… a labuta à séria ocupá-los-ia.
Deste modo, o retrato da «extremosa mãe, com todos os filhos em forma, quando entre as oito e as nove (…) lhes ministrava o repasto do almoço» resumir-se-á, provavelmente, aos mais novitos, aos que já com algumas obrigações familiares – cuidar dos animais e da criação, levar e trazer o gado do pasto, ir às pinhas ou aos gravetos… – ainda tinham vida livre de garotada.
O cenário não é estranho na obra figueiroense de Malhoa – já o havíamos divisado em Os ouriços, 1894, e podemos vê-lo n’ A Sesta (a dos ceifeiros), 1895, e n’ As Cócegas, a de 1894 e nas de1904, por exemplo.
O "amigo António", com oito ou nove anos, esparramado sobre o varal da vedação; o Noé, já com doze ou treze, de barrete e calças rotas nos joelhos; o Venâncio, agora com seis anitos, empoleirado na trave, "ainda não acabou a esfuziada de gritos e risos"; a Preciosa, com nove ou dez anos enfezados, subiu à pedra para ganhar altura e segura uma das cestas do almoço já tragado – certamente veio com a Mãe trazer a bucha aos catraios que andavam com as ovelhas no restolho deixado da ceifa – a mãe Tereza trouxe, além da outra cesta, o mais pequenito ao colo (não sabemos se o Adelino ou o Zé…).
Esta é uma narração perfeitamente possível deste quadro. E, a acreditar no que nos conta António, bem provável de ser real.
En voyant passer le train, d'aprés Malhoa, Charles Baude. Galerie Napoléon |
A outra, a frenética de Ribeiro Arthur, também – basta a sugestão dos paus de fio e imaginar o cavalete de Malhoa dentro duma carruagem em movimento… o título, bem engendrado por Malhoa, inspirado nas muitas viagens entre Lisboa e o Paialvo, faz o resto. (3)
(1) Nuno Saldanha, José Vital Branco MALHOA (1855-1933): o pintor, o mestre e a obra
(2) Provocando, Paris 1900 — L'Exposition Universelle
(3) http://provocando-umateima.blogspot.com/…/o-coelho-ver-pass…
Artigos relacionados:
O Grémio Artístico (7.ª exposição, 1897)
Arte portuguesa na Exposição Universal de 1900
Leitura adicional:
Ribeiro Arthur, Arte e artistas contemporaneos (II), 1898
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