domingo, 18 de setembro de 2016

Palette de Alfredo Cristiano Keil (1850-1907)

A moda, que tudo altera, corrompe, destroe, imita, inventa, copia e contunde, tem ultimamente adquirido proporções exaggeradas nos paizes europeus, mesmo nos mais cultos, fazendo com que brotasse nas camadas sociaes, desde a mais elevada até á mais modesta, a ideia de um novo "sport": o de colleccionar antiguidades. (1)

Leitura de uma carta (detalhe), Alfredo Keil, 1874.
Imagem: MNAC

Durante cerca de um ano [Alfredo Keil] estudou na Academia Real de Nuremberga, sob a direcção do neo-romântico August von Kreling, mas num tempo em que a idealização alemã da paisagem também já dera lugar à observação realista, fiel e minuciosa, da natureza e das suas constantes variações de luz e clima.

A segunda "viagem" tem Barbizon por destino e data de Junho-Julho de 1877, já alguns anos depois do prolongamento, irregular e pouco interessado, dos estudos na Academia Real de Lisboa, onde foi colega de Rafael Bordalo Pinheiro e Malhoa.

Champs-Elysées, Alfredo Keil, 1883.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Essa estada em Barbizon, mostrada em sete pequenas telas daí trazidas e num auto-retrato pintando na floresta, já do ano seguinte, em Lisboa, de mais imponente formato, é uma das grandes surpresas oferecidas pela exposição.

O facto de ser ignorada pelos que escreveram sobre Keil é tão mais surpreendente quanto a história nacional atribui oficialmente o início da nossa pintura moderna, dita naturalista, à aprendizagem de Silva Porto e Marques de Oliveira nos arredores de Paris, mesmo se a "Escola" que informalmente aí nascera, já banalizada pela concentração de pintores e consagrada nos salões, se pudesse entender, na década de 70, como a despedida da última geração romântica.

Lisboa vista do Ginjal, Alfredo Keil.
Imagem: Casario do Ginjal

Keil foi sendo sempre designado como neo-romântico, tardo-romântico ou pré-naturalista, segundo um modelo historiográfico (Reynaldo dos Santos e José-Augusto França) que prezou demasiado as fórmulas classificativas e de grupo, consideradas como obrigatórias etapas de passagem num único itinerário progressivo. 

Cais do Ginjal, Óleo, Alfredo Keil
Imagem: Casario do Ginjal



Com escassa observação das obras e errada informação documental, as etiquetas davam-no como um "pintor de transição" e "isolado" face aos membros do Grupo do Leão, "preso a um espírito neo-romântico", que continuou, no entanto, a gozar dos "favores de uma clientela mundana". 

Esse desentendimento, prolongado na ideia de um diletante e amador (de facto, não cumpriu formação académica e dividiu-se por múltiplas actividades, mas com reconhecida competência e deixando uma vastíssima obra de pintor), parece prolongar susceptibilidades do tempo que só uma análise mais fina da vida cultural de Lisboa esclarecerá.

Landscape Necklaces, Alfredo Keil.
Imagem: MutualArt

Até 1880, Keil é muito elogiado e premiado. Nesse ano participa pela última vez na exposição da Promotora, a 12.ª, onde se revela o grupo dos naturalistas. 

Ausente das Exposições de Quadros Modernos (depois de Arte Moderna, 1881-88) promovidas por estes, praticamente só voltaria a expor na mostra de "Estudos de Paisagens e Marinhas", com 258 pinturas, que organizou em 1890 no seu atelier, pouco depois dos êxitos da ópera Dona Branca e da marcha patriótica A Portuguesa. 

Vapor da carreira de Cacilhas, 1890, Óleo, Alfredo Keil
Imagem: Casario do Ginjal



Apesar de ter sido talvez a exposição de pintura mais visitada do século XIX, e quase toda vendida, foi praticamente ignorada pela "crítica naturalista". (2)

Cais de Santos, vista da Rocha do Conde de Óbidos, Alfredo Keil, 1873.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Na década de 1880, Keil deixou de expor na Sociedade Promotora de Belas Artes e nunca apareceu nas exposições de "Quadros Modernos" ou de "Arte Moderna" promovidas pelo Grupo do Leão em Lisboa. 

Este desalinhamento prejudicou, mais tarde, a sua apreciação por uma historiografia que, no século XX, se esgotou no jogo dos agrupamentos escolares, a cujas etiquetas ("romântico", "naturalista", "modernista") nunca se prestou bem. 

No cais do Tejo, Alfredo Keil, 1881.
Imagem: MNAC (museu do Chiado)

Ficou condenado a fazer figura de "isolado" ou, pior, "pintor de transição". Isso já no seu tempo despistou os críticos, que gostariam de o ter visto estacionar nalguma tendência mais ou menos clara. 

Alfredo Cristiano Keil (1850-1907).
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

O seu eclectismo apareceu-lhes como a indefinição típica de um "curioso" nas artes e nas letras. Keil nunca contou com a solidariedade, no meio artístico e literário, de uma "escola", "geração" ou "grupo". 

A diligência que ligava Tomar à Sertã, Alfredo Keil, Tojos e Rosmaninhos, Lisboa, A Editora, 1907.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Em 1869, em carta à mãe, atribuía-se um "génio tristonho, amigo da solidão, buscando fugir ao sussurro das grandes sociedades e procurando cenas melancólicas". (3)

Catalogo da exposição de pintura de quadros..., Lisboa, A Editora, 1910
Imagem: Internet Archive


(1) Alfredo Keil, Collecções e Museus de Arte em Lisboa, Lisboa, Livraria Ferreira e Oliveira, 1905

(2) Alexandre Pomar cf. ALFREDO KEIL 1850-1907, Viagens artísticas in EXPRESSO/Cartaz de 2/3/2002
(3) Rui Ramos, O Cidadão Keil, Publicações D. Quixote, 2010

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