João da Matta, nos tempos áureos, quando se cobria com o seu gorro, punha o avental em forma de coiraça, commandando elle próprio o fogo das baterias, era um cabo de guerra eminente! (1)
Lembra-me perfeitamente um episodio da minha viagem a Alcácer. Vou transcrevel-o do prologo com que precedi a Arte de cosinha de João da Matta, o nosso Vatel no século XIX.
"A mais celebre e a mais apetitosa caldeirada que jamais comi foi-me servida sobre o rio Sado, no barco de mestre Casimiro, de Setúbal para Alcácer do Sal. Era o dia 26 de abril de 1875, esplendido de luz e de effluvios da primavera."
"O Sado ia desdobrando a meus olhos a sua formosa vastidão inteiramente desconhecida a quem desde pequeno se familiarisára com a suave estreiteza dos rios do norte. Acompanhavam-me dois amigos — um d'elles o primeiro, o maior da minha vida — que porfiavam em dissipar da minha alma os dois grandes pesadellos que a acobardavam: o receio de ter de passar dois dias em Alcácer do Sal, de que Lisboa conta horrores sezonaticos, e o de ter de visitar, por ordem do ministério do reino, escolas primarias, quer dizer, escolas a que anda jungido o mais irónico, o mais pungente, o mais falso adjectivo d'este mundo."
"Ao passo que falávamos, e nos interrompiamos de vez emquando para admirar a placidez voluptuosa com que algum pescador fumava dentro do seu barquinho emquanto a rede lhe ia ganhando a vida, mestre Casimiro cozinhava á popa, sobre um taboleiro de areia, a nossa caldeirada de linguados, salmonetes e rodovalhos. "
Elle havia-se arremangado, e banhado primorosamente no Sado os seus braços musculosos e trigueiros. Deitara na caldeira o azeite, o sal, a pimenta, a salsa picada. Depois lavara escrupulosamente no rio os peixes, e, mal enxutos, os deitara á caldeira, que lançava sobre nós, sentados á proa, uma columna de fumo impregnada do agreste mas agradável aroma do cozinhado.
"Pouco tempo corrido, abríamos as nossas cestas de lunch, e mestre Casimiro servia a caldeirada, emquanto o nosso barco ia rasgando listrões de espuma, levado rapidamente pela grande vela enfunada." (2)
(1) Bulhão Pato, Memórias I, 1894
(2) Alberto Pimentel, A estremadura portuguesa, 1908
Artigos relacionados:
À Bulhão Pato
Leitura relacionada:
Mme. Aglae Adanson, A arte do cosinheiro e do copeiro, 1845
O cozinheiro completo, 1849
Paulo Plantier, O Cozinheiro dos Cozinheiro, Lisboa, P. Plantier, 1905
Arte de cosinha, João da Matta, 1876. Portal Guará |
Lembra-me perfeitamente um episodio da minha viagem a Alcácer. Vou transcrevel-o do prologo com que precedi a Arte de cosinha de João da Matta, o nosso Vatel no século XIX.
"A mais celebre e a mais apetitosa caldeirada que jamais comi foi-me servida sobre o rio Sado, no barco de mestre Casimiro, de Setúbal para Alcácer do Sal. Era o dia 26 de abril de 1875, esplendido de luz e de effluvios da primavera."
"O Sado ia desdobrando a meus olhos a sua formosa vastidão inteiramente desconhecida a quem desde pequeno se familiarisára com a suave estreiteza dos rios do norte. Acompanhavam-me dois amigos — um d'elles o primeiro, o maior da minha vida — que porfiavam em dissipar da minha alma os dois grandes pesadellos que a acobardavam: o receio de ter de passar dois dias em Alcácer do Sal, de que Lisboa conta horrores sezonaticos, e o de ter de visitar, por ordem do ministério do reino, escolas primarias, quer dizer, escolas a que anda jungido o mais irónico, o mais pungente, o mais falso adjectivo d'este mundo."
Canoas (Setubal), Silva Porto 1883. wikiart |
"Ao passo que falávamos, e nos interrompiamos de vez emquando para admirar a placidez voluptuosa com que algum pescador fumava dentro do seu barquinho emquanto a rede lhe ia ganhando a vida, mestre Casimiro cozinhava á popa, sobre um taboleiro de areia, a nossa caldeirada de linguados, salmonetes e rodovalhos. "
Elle havia-se arremangado, e banhado primorosamente no Sado os seus braços musculosos e trigueiros. Deitara na caldeira o azeite, o sal, a pimenta, a salsa picada. Depois lavara escrupulosamente no rio os peixes, e, mal enxutos, os deitara á caldeira, que lançava sobre nós, sentados á proa, uma columna de fumo impregnada do agreste mas agradável aroma do cozinhado.
Canoa abicando à praia, João Vaz, 1886. Obra de João Vaz, no Facebook |
"Pouco tempo corrido, abríamos as nossas cestas de lunch, e mestre Casimiro servia a caldeirada, emquanto o nosso barco ia rasgando listrões de espuma, levado rapidamente pela grande vela enfunada." (2)
(1) Bulhão Pato, Memórias I, 1894
(2) Alberto Pimentel, A estremadura portuguesa, 1908
Artigos relacionados:
À Bulhão Pato
Leitura relacionada:
Mme. Aglae Adanson, A arte do cosinheiro e do copeiro, 1845
O cozinheiro completo, 1849
Paulo Plantier, O Cozinheiro dos Cozinheiro, Lisboa, P. Plantier, 1905
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