terça-feira, 10 de outubro de 2017

Arte Namban * אמנות נאנבאן * Fernão Mendes Pinto

A arte designada como namban, produzida no Japão após o encontro de culturas que representou a presença portuguesa desde 1543, recebe o seu nome do termo usado para se referir a estes novos estrangeiros, os nanbanjin [bárbaros do sul]. 

Biombo Namban 1598/1615, Kanō Naizen (1570-1616), Kobe City Museum.
Imagem: Google Arts & Culture

Namban é pois toda a arte produzida por artistas japoneses onde o fascmio por este outro civilizacional e patente, tanto como tema - cenas onde surgem europeus e seus afazeres ou simbolos distintivos, caso da cruz - como forma ou tipologia, caso das peças lacadas, nomeadamente mobiliario como cofres, baus e arquetas, feitas essencialmente para exportação. (1)

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No tempo de Pernão Mendes Pinto, Lisboa era centro mercantil aberto a colonias estrangeiras e abandona o "facies" medievalizante, assumindo dinâmicas de grande desenvolvimento que impressionavam quem a visitava e a descrevia em tons exóticos, dando conta de uma cidade cosmopolita, "varanda do Atlântico" e espécie de "umbilicus mundi", de urbanismo sinuoso ao longo das sete colinas um carácter desalinhado, que se miscigena e se torna rota comercial onde acorrem povos de todas as partes [...]

Lisboa, Ex-voto, Nossa Senhora de Porto Seguro Roga a seu Precioso Filho por esta Cidade e sua Navegação de Lisboa,
Igreja de São Luís dos Franceses, c. 1620.
Imagem: do Porto e não só...

Merece ser destacada, em análise iconológica, a série de representações com temas do mar e da viagem na arte portuguesa da segunda metade do século XVI e na viragem para o XVII, como é o caso da grande tela Nossa Senhora da Boa Viagem velando pela protecção do comércio na barra de Lisboa, raro ex-voto gratulatório encomendado pelo mercador francês estabelecido em Lisboa Antoine Magnonet e sua mulher Ana Telheiras Cardosa. 

Este quadro é obra do pintor Domingos Vieira Serrão com colaboração de Simão Rodrigues (cerca de 1620), e encontra-se na igreja de São Luís dos Franceses, em Lisboa. A estrutura da tela tardo-maneirista, grande paisagem sobre Lisboa com o rio Tejo encrespado em primeiro plano, com sugestão dos naufrágios e os perigos do mar insondável, acentua o peso da intercessão divina face aos elementos em fúria. (2)

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Nos finais do séc. XVI, inícios do XVII, os japoneses olhavam os portugueses como uns bárbaros sem maneiras mas benignos e, sobretudo, úteis. Aos seus olhos, os exóticos eramos nós. Como se de banda desenhada se tratasse, os Biombos Namban, do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, contam-nos o que é que os japoneses viam quando olhavam os comerciantes e missionários portugueses que faziam a ligação entre Macau e Nagasáqui.



Uma visita deliciosa guiada pelas historiadoras de arte Maria da Conceição Borges de Sousa e Alexandra Curvelo, que acaba de editar "Obras-primas dos Biombos Nanban, Japão-Portugal, Século XVII" [Éditions Chandeigne]... (3)

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[Fernão Mendes Pinto] por ser homem mui conhecido de aqueles reis do Japão, por haver catorze anos que por aquelas partes do Japão e China tinha seus tratos, leva uma embaixada do senhor vizo-rei da Índia para el-rei do Bungo, com seus dons e presentes de muito preço que lhe envia em nome de el-rei sereníssimo de Portugal.

O verdadeiro amigo de mestre Francisco [Xavier] e meu, e de todos os da Companhia, Fernão Mendes.

Nau do Trato (kurofune) e os namban-jin, Kanō Domi.
Imagem: Museu Nacional de Arte Antiga

[...] com a minha ida [padre Melchior] a Japão se determinou um homem mui rico e de mui boas partes para a Companhia, lá dos reis de Japão conhecido, por nome Fernão Mendes; o qual, além de entregar a si para a Companhia, também quis fazer serviço a Nosso Senhor, logo deputados para a empresa do Japão quatro ou cinco mil cruzados. (4)

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Admitimos que um dos painéis do retábulo da igreja da Misericórdia de Almada, recém-restaurados, a grande tábua central que representa a Visitação da Virgem a Santa Isabel, possa integrar um retrato póstumo de Fernão Mendes Pinto na figura de São José que acompanha a Virgem, com um estranho baraço ao pescoço, um atributo que nunca aparece na iconografia das Visitações. 

Fernão Mendes Pinto,
Pormenor da Visitação da Virgem a Santa Isabel (detalhe),
Giraldo Fernandes de Prado, 1589-1591.
Igreja da Misericórdia de Almada.
Imagem: Iconografia do Mar e da Viagem na Arte Portuguesa...

Acresce para esta presunção o facto de o retábulo da igreja da Misericórdia ter sido encomendado a Giraldo de Prado, em 1589-1590, pelo Provedor Francisco de Andrade, ou seja, o cronista-mor do Reino e amigo de Fernão Mendes Pinto, que guardou e compilou o manuscrito da Peregrinação dando-o enfim à estampa em 1614. 

O facto de se tratar de uma efígie muito bem caracterizada, com objectivos precisos de guardar urna verosimilhança que as pessoas reconheciam, como pôde ser melhor observado apos a limpeza e tratamento da tábua, reforça a nossa convicção de que seja Fernão Mendes Pinto a figura do assumido retratado no São José com corda de cativo ao pescoço, bordão de peregrino e chapeirão na mão esquerda. 

Igreja da Misericórdia de Almada, retábulo-mor, Giraldo Fernandes de Prado, 1589-1591.
Imagem: Património Cultural

Acresce, ainda, que também o pintor deixou testemunho da sua efígie no retábulo: na tábua da Adoração dos Magos, na fiada cimeira, à esquerda, pode descobrir-se o seu auto-retrato numa figura bem caracterizada e que fita directamente o espectador (figura essa, detectada apenas durante a recente limpeza e tratamento laboratorial do retábulo). (5)


(1) Choices
(2) Vítor Serrão, Iconografia do Mar e da Viagem na Arte Portuguesa..., 2014
(3) Visita Guiada
(4) Padre Melchior Nunes Barreto cf. Afonso Rodríguez, Notas biográficas e estudo das referências documentais..., 2013
(5) Vítor Serrão, Idem

Leitura relacionada:
Peregrinaçam de Fernam Mendez Pinto, Em que da conta de... [1583], ed. 1614
Daniela de Carvalho, Nambanjin: sobre os portugueses no Japão, 2000
Flores, Alexandre M., Reinaldo Varela Gomes, R. H. Pereira de Sousa, Fernão Mendes Pinto, Subsídios para a sua Bio-Bibliografia, Cámara Municipal da Almada. 1983
Conferência de Alexandre Flores, "Fernão Mendes Pinto e a sua Peregrinação na Outra Banda (1563-1583)"
12 January 1614, first edition of the book The peregrination of Fernão Mendes Pinto 31 years after his death, by friar Belchior Faria...
Les portugais au Japon



Cronologia [cf. Afonso Rodríguez, Op. Cit.]

1510 [c., Fernão Mendes Pinto] Nasce em Montemor-o-Velho.
1521 13 de dezembro. Chega a Lisboa para servir uma senhora "de geração assaz nobre" 37 quando tinha dez ou doze anos (Cap. 1).
1523/1532 Embarca de Alfama para Setúbal. Tal e como aparece no texto da Peregrinação "anno & meio, pouco mais ou menos" de chegar a Lisboa (Cap. 1).
+ 4 anos. Serve um fidalgo do Mestre de Santiago, por nome Francisco de Faria (Cap. 1).
+ 1 ano e meio. Ao serviço do mesmo Mestre de Santiago (Cap.1).
1537 11 de março. Parte para Oriente 39 (Cap. 2).
1539-1545 Chega a Malaca (Cap 21) e converte-se num rico mercador que comerceia no leste asiático.
1545-1546 Desde Malaca viaja à Sunda e ao arquipélado de Java. Visita tamém Sião (Cap. 182-3). 1547 Regressa nos inícios do ano de uma viajem ao Japão com Jorge Alvarez trazendo consigo Angiroo (Cap. 202). Conhece Francisco Xavier em Malaca (Cap. 203).
1549 Nova viagem ao Japão em companhia de Francisco Xavier. Parte de Malaca com arribada a Canguexuma a 15 de agosto (Cap. 208).
1554 Depois da chegada do cadáver do seu amigo P. Francisco Xavier a Goa (cap. 218) ingressa na Companhia de Jesus. 16 de abril. Partida desde Goa para Japão com escala em Malaca (Cap. 219). c. 5-18 junho. Chegada a Malaca (cap. 219). 5 de dezembro. Carta desde Malaca.
1555 20 de novembro. Carta desde Macau.
1557 Deixa a Companhia de Jesus à volta do Japão.
1558 Volta a Portugal. Entrevista com a rainha regente, Dona Catarina (Cap. 226).
1569 Notícia de que Fernão Mendes Pinto foi consultado, em datas anteriores, por João de Barros, autor das Décadas da Ásia.
1571 Consultado pelo embaixador florentino em Lisboa.
1572 Juiz na  [?] Almada.
1573 Eleito mamposteiro de [?] São Lázaro e Albergaria. 
1578 Reeleito mamposteiro.
1580 [c.] Concluída a redacção da Peregrinação.
1581-1583 Consultado pelo Rei Filipe I.
1582 Consultado por historiadores jesuítas.
1583 O rei Filipe I concede-lhe uma tença anual. 8 de julho. Falece na quinta do Pragal, perto da Almada.
1614 Publicada a primeira edição da "Peregrinação".

Uma cronologia mais pormenorizada, elaborada a partir de fontes documentais e da "Peregrinação", e confrontada com eventos históricos da época assinada por Alexandre M. Flores aparece em Flores, Gomes, & Sousa [Op. Cit.] (1983: 171-192).

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