quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Sarah Affonso

Sarah Affonso (1899-1983)

(...) muitas vezes de malinha na mão e dizia com um ar muito natural: — Venho cá passar uns dias. (1)

Autorretrato (detalhe), Sarah Affonso, 1927.
MNAC

Sarah Affonso, embora ao primeiro golpe de vista nos recorde imediatamente a pintura mole de Columbano, possui, entretanto, qualidades suas que deve lutar por conservar ou desenvolver. Os retratos que apresenta são tecnicamente bem feitos — academicamente falando.

Possuem, entretanto, um quê de impalpável que só consegue fixar nas obras de arte quem tem alma para sentir. Desses retratos ressalta ainda uma qualidade que não se assimila: o carácter. Há um certo à-vontade que só obtêm aqueles que têm um pensamento superior a nortear-lhes o pincel (...)

D. Sarah Affonso devia — que nos seja permitido dar conselhos — fazer as malas, meter-se no Sud-Express e desembarcar em Paris (Sarah Affonso esteve em Paris, em 1923-1924 e em 1928-1929).

Nessa cidade entregar-se-ia ao estudo dos pintores modernos e antigos, clássicos e bizarros. Veria tudo com olhos de ver, examinaria sem parti-pris, abriria a sua alma às mil almas de artista que, por intermédio da arte, pudesse conhecer (...) (2)

 
Retrato de Manuel Mendes por Sarah Affonso, 1930.
MNAC/Casa Comum

Uma exposição de quinze quadros pequenos (de Matisse), com aquelas flores da Primavera, que são brancas, azuis e encarnadas, que se chamam anémonas. Vi essa exposição e fiquei tão maravilhada que, como havia na rua umas barraquinhas com essas flores, comprei um ramo e fui para casa fazer um quadro.

Meninas, Sarah Affonso, 1928.
MNAC

A pintura dele era uma pintura por camadas, para tirar um tom, por exemplo roxo, ele dava uma camada de encarnado transparente e depois por cima uma camada de azul, mas de um azul flou.

Uma técnica criada por ele. Com duas cores, dava uma terceira. O que se aprende a ver um quadro! O que eu aprendi com Matisse! Aquela liberdade de construção, sem parar nas coisas. Eu não tinha era cultura para ir mais longe. (3)

Fernanda de Castro e Antoninho Gabriel por Sarah Affonso, 1928.
MNAC/Flickr

Havia a Brasileira do Chiado, onde os artistas se juntavam e nunca entrava uma mulher. Um dia entrou uma, uma moça nova, desempoeirada, era a Sarah Affonso. Foi a primeira mulher que entrou na Brasileira, que teve essa coragem (...) (4)

Autorretrato, Sarah Affonso, 1927.
MNAC

— Era eu sozinha. Fazia aquilo por desafio, tinha vindo de Paris de forma que trazia um encanto dentro de mim, uma certeza de certas coisas, e porque é que eu não hei-de entrar na "Brasileira"? (...) Como as mulheres não entravam, eu entrei. (5)



(1) Ao fim da memória,  Memórias (1906-1939), Porto, Verbo, 1986, p. 200
(2) Mario Domingues, Os trabalhos dos alunos da Academia de Belas Artes, Revista Portugueza, 1923 cit. em Emília Ferreira, Forte, para resistir, Sarah Affonso, um percurso ímpar no modernismo português, 1999
(3) Mário Domingues cit. em Emília Ferreira, idem
(4) Ana Rita Luís Henriques, Fred Kradolfer (1903-1968), cit. em A. Santos Silva, Ofélia Marques (1902-1952)...
(5) Maria José Almada Negreiros, Conversas com Sarah Affonso, cit. em A. Santos Silva, idem 

Artigos relacionados:
Sarah Affonso, postais da Costa a Manuel Mendes (1930-1931)
Sarah Affonso por Mário Domingues e com Fernanda de Castro

RTP Arquivos:
Sarah Afonso: Biografia do Centenário 1899-1999

Mais informação:
Arte e Género, Mulheres e Criação Artística, Faculdade de Belas-Artes
Emília Ferreira, Forte, para resistir, Sarah Affonso, um percurso ímpar no modernismo português, 1999
Maria João Gomes Pedro, Sarah Affonso, vida e obra, 2004 (3 vols.)
Sarah Affonso (Google Arts & Culture)
Sarah Affonso (MNAC)
Sarah Affonso (Centro de Arte Moderna Gulbenkian)
Sarah Affonso (Fundação Mário Soares e Maria Barroso/Casa Comum)
Almanak Silva: Mariazinha africanista



Sobre o percurso de Sarah Affonso, ver (cf. A. Santos Silva, Ofélia Marques (1902-1952)...);
CONDE, Idalina, «Sarah Affonso, mulher (de) artista», in Análise Social, vol. XXX (131-132. 2º-3º), p. 459-487;
CONDE, Idalina, «Reencontro com Sarah Affonso», in LEANDRO, Sandra, SILVA, Raquel Henriques da (coord.), Mulheres Pintoras em Portugal: de Josefa d’Óbidos a Paula Rego, p.129-161;
NEGREIROS, José de Almada, «Sarah Affonso», in CASTRO, Zília Osório de, ESTEVES, João Gomes (dir.), Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), p. 850-851;
PEDRO, Maria João Gomes, Sarah Affonso – vida e obra, vol. I. 

sábado, 1 de outubro de 2022

Casa Museu Manuel Mendes

Em 1977 foi adquirido pelo Estado português o espólio bibliográfico e artístico de Manuel Mendes à viúva do escritor, Berta Mendes. Dava-se assim um primeiro passo garantindo a concentração de uma importantíssima documentação relativa à História recente do país e à crítica de arte dos meados do século XX.

Retrato de Manuel Mendes (detalhe) por Sarah Affonso, 1930.
MNAC/Casa Comum

A colecção de arte moderna, incluída neste espólio, pela completude geracional e recorrência de temas e retratados,configura um conjunto também ele de grande unidade.

Retrato de Manuel Mendes por Dórdio Gomes, 1965.
MNAC/Casa Comum

Com esta importante aquisição salvaguardava-se um património marcante de uma dispersão que seria a todos os títulos lesiva.

Retrato de Manuel Mendes por Abel Manta, c. 1950.
MNAC/Casa Comum

Depois de um inventário sumário realizado pelo Instituto Português de Museus, em 1992, a integra­ção no Museu do Chiado deu-se em 1997 (...) (1)

O Segundo Modernismo, o Novo Classicismo e o Estado Novo

O Novo Classicismo, de raiz picassiana estilizada, marca o desenho de grande qualidade que Almada Negreiros praticou ao longo dos Anos 30, por vezes acrescido de delicados sombreados que estabelecem subtis transições luminosas ou de deformações amaneiradas das formas, como sucede em A sesta, 1939 obra de contido erotismo.

Retrato de Manuel Mendes por Sarah Affonso, 1930.
MNAC/Casa Comum

Sarah Afonso, mulher do artista, seguiu igualmente, nesta década, este novo classicismo modernizado, estilizado e sintético, como evidencia o seu Auto-retrato, c. 1930.

O Novo Classicismo foi, aliás, marca do estilo Art Déco internacionalizado ao longo desta década, e obteve vasta repercussão em Portugal: António Soares evidenciou-o com elegante cunho mundano no seu exemplar Retrato da Irmã do Artista, 1936 em cujo fundo avultam discretas lembranças cubistas fragmentadas.

Retrato de Berta Mendes por Carlos Botelho, 1932.
MNAC/Casa Comum

Carlos Botelho constitui uma exceção neste universo, revificando o exemplo expressivo de Van Gogh, sob uma ótica de idêntica estilização elegante, no Retrato de Berta Mendes, 1932, retomado por Abel Manta sob um naturalismo cézanniano, enquanto Jorge Barradas procurou renovar a arte religiosa sob uma ótica decorativa na sua Anunciação, 1936, estilizando livremente o exemplo igualmente oitocentista dos Nabis (...) (2)

Retrato de Berta Mendes por Abel Manta, 1934.
MNAC/Casa Comum

Casa Museu Manuel Mendes (nunca aberta ao público e hoje extinta), no Restelo. (3)


(1) Colecção Manuel Mendes (MNAC)
(2) O modernismo feliz: art déco em Portugal (MNAC)
(3) Moda & Moda, Museu do Chiado, A Sedução do retrato

Artigos relacionados:
Retratos som Bá e Manuel Mendes, Ofélia e Bernardo Marques
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Retratos com Guida Lami e Bá e Manuel Mendes, Cândida e Bento Caraça
Sarah Affonso, postais da Costa a Manuel Mendes (1930-1931)
Ofélia

RTP Arquivos:
Manuel Mendes: o Melhor de Todos Nós
... depoimento do político José Magalhães Godinho sobre o pensamento do escritor Manuel Mendes, lamentando este não ter vivido para assistir ao 25 de Abril; busto de Manuel Mendes do escultor Barata Feyo; fotografias de homens das Letras; retrato do escritor pintado por Dórdio Gomes; Casa Museu Manuel Mendes no Restelo...

Mais informação:
Catálogo da exposição da colecção de artes plásticas de Manuel Mendes, Fundação Mário Soares, 30 de novembro de 2000 - 22 de fevereiro de 2001 (MNAC)
Casa Museu Manuel Mendes (Google search)
Colecção Manuel Mendes (MNAC)
Manuel Mendes (Fundação Mário Soares e Maria Barroso/Casa Comum)

Século XX português: Os Caminhos da Democracia (Fundação Mário Soares e Maria Barroso)
Obras editadas na Biblioteca Cosmos