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Panorâmica da Lisboa ribeirinha antes do Terramoto de 1755, tomada a partir dos jardins do palácio do Marquês de Abrantes (onde hoje se encontra a embaixada de França). Museu de Lisboa |
Depois... veiu a gradual transformação da marinha com as machinas de vapor; e Portugal, que não podia competir com os centros manufactureiros da Inglaterra, caiu. Morreram estes nossos estaleiros tão atarefados, e ficou annos moribunda a praia de Santos.
Veiu o Aterro, acabou de a matar, e sepultou-a. Não quero mal ao Aterro, entenda-se bem. Gosto muito do passado, gosto mais d elle que do presente, mas o presente tem os seus direitos. O que é pena é que as Camaras Municipaes, antes de aniquilarem a orla marítima característica de Lisboa, não conservassem vistas photographicas d'esta praia de Santos, que era um admirável especimen do mundo antigo portuguez, e lembrava os companheiros do Gama, e cheirava á salsugem dos Lusíadas! (...)
Pelo lado do Sul, batia o Tejo aos pés da muralha do jardim, c ainda se dava esse facto em 1823. O Tejo foi fugindo, e já por 1848 a praia de Santos começava a ser habitada. O popular fogueteiro italiano José Osti tinha ahi na praia a sua fabrica de fogos de vista, designada num almanack de 1849 sob o numero municipal 117. Junto á fabrica edificou elle por esses annos a sua casa, elegante e pintadinha, com gelozias verdes; fazia então um bonito effeito aninhada á beira das aguas (note-se que a rampa de Santos não existia). Essa casa tem hoje os n.os 148 a 172 da rua de Vasco da Gama (o n.° 148 é uma escada ao ar livre).
Lisboa finais de setecentos Henri L`Éveque Arquivo dos Portos de Lisboa, Setúbal e Sesimbra 3200 03 cor.jpg |
Moraram no seu palacio estes Lencastres, um dos ramos da descendencia do Duque D. Jorge, Condes de Figueiró, depois Condes de Villa-Nova de Portimão, e por fim Marquezes de Fontes, e depois de Abrantes, pela extineção da linha primogênita dos Almeidas Condes de Abrantes, ficando a varonia sendo Lencastre. No século passado a herdeira Condessa de Villa-Nova casou com D. Manuel de Tavora (o que esteve dezoito annos prezo, sem se saber porquê). (...)
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Lisboa Vista da praia dos Santos em 1788 feita por Alberto Dufourcq. Em primeiro plano, sobre a praia, observam-se os estaleiros navais, com intensa actividade de reparação naval e estiva. Na linha do horizonte, toda a frente ribeirinha da zona de Santos, prolongando-se até ao Cais do Sodré. No topo do Alto de Santa Catarina destaca-se a desaparecida igreja da mesma denominação, demolida em 1833, seguida do casario do bairro da Bica que preenche o vale. No lado oposto observa-se a Ermida das Chagas. Sobressai ainda o grande edifício que foi o Palácio dos Duques de Valença. cf. Museu de Lisboa |
Em duas palavras: no projecto geral de Pezerat ganhavam-se sobre o Tejo vastos terrenos, desde o Arsenal até á torre de Belem, orlavam-se com um caes em linha recta traçado a 40 metros fóra da torre, e collocava-se um porto de construcção na bocca do rio de Alcantara.
A medonha febre amarella de 1857 obrigou o Governo, a Municipalidade, o publico inteiro, a pensar, com maior seriedade ainda do que até ali, nas incalculáveis vantagens que á saude publica deviam provir de. se entulharem de vez os lodos mephyticos da Boa-Vista, estendendo aos pés de Lisboa, como um estrado enorme, um longo aterro, que tirasse á Capital a causa mais efficaz das epidemias, que já muita vez a tinham assolado.
Aterro da Boavista, Entrada da avenida 24 de Julho junto à Igreja de Santos, 1863.
Archivo Pittoresco
Archivo Pittoresco
Toda a opinião dirigente se empenhou no assumpto; trabalharam os poderes do Estado; e logo em sessão da Camara Municipal de 15 de Maio de 1858 se recebia communicação de ter o Director do Instituto Industrial, que era então o honrado José Victorino Damasio, dado começo ao aterro entre o forte de S. Paulo e a praia de Santos; o illustre engenheiro sollicitava coadjuvação do Município. (...)
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No cais do Tejo, Alfredo Keil, 1881. MNAC (museu do Chiado) |
Em Maio de 1858 era, como disse, o sabio Director do Instituto Industrial, o Engenheiro José Victorino Damasio (velho alto, serio, grave, que ainda conheci em casa de meu Pae) encarregado de proceder sem demora ao aterro da margem desde o boqueirão da Moeda até á praia de Santos por conta da empreza Lucotte. Eram apenas uns cincoenta metros furtados ao rio, sustentados por um paredão armado de quatorze linguetas para contraforte, e planos inclinados para desembarque.
Começou-se logo com a actividade que sabia incutir a tudo o notável trabalhador, technico de primeira ordem, cujo glorioso nome ficou a uma das ruas do novo Aterro. (...)
A obra não parava; em 9 de Maio de 1859 propunha o Vereador Dr Lisboa que se obrigassem os donos de barcos varados na praia de Santos a removerem-n-os dentro de quinze dias para se dar começo ao entulhamento2; e em 28 de Novembro seguinte arrematava-se o verdugo para a construcção da muralha do aterro da velha praia.
Finalmente, depois de tantos e tão grandes trabalhos, achava-se em Agosto de 1867 concluido o Aterro desde a praia de Santos até ao Arsenal da Marinha. (1)
(1) Julio de Castilho, A ribeira de Lisboa, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893
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Rua de Santos-o-Velho I
Idem, II
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