quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Almeida Garrett, O Anno Novo

Amanhã começa o anno novo. Deus m'o dê mais venturoso que este. Vae-te em paz, anno de 23, que assás de perturbações e desgraças cá deixas em teu curso.

Warwick Castle, 1819.
The British Museum

Vê-se que os versos a que me referi, apesar de trazerem a data de Londres, foram compostos em Warwick, se effectivamente os fez ao tempo que indica. 

Pelo seu Diário sabemos que esteve em Edgbaston até quasi ao fim de janeiro de 1824; e nenhuma rasão temos para duvidar das datas d'esses apoutamentos. No dia de auno bom escrevia elle: 

1 de janeiro de 1824. O anno novo 

Edgbaston Hall drawn and engraved by T. Radclyffe,
published in A New and Complete History of the County of Warwick, 1829
Antique Prints

Melhorado venha este anno; e veja-o eu findar no socego da minha pátria. 

— Muito devo á terra hospitaleira, onde me abriguei da. tempestade de desgraças, que me ameaçavam na miaha pátria. Mas todavia, com que prazer lhe direi adeus se tão feliz fôr que á terra onde nasci me deixem ir acabar os meus dias. 

Oporto, A view of the mouth of the Douro from Massarellos, Batty, Miller, 1829.
  Arquivo Municipal do Porto

— Que trará comsigo este novo anno? Que projectos de ambição, que novos esforços de tyrannia apparecerão em seu decurso? Que novas oppressões para a raça humana? Teremos mais ainda que soffrer, ou melhorará em seus dias a triste sorte da humanidade? Assim o espero: quando não seja no velho mundo, ao menos em o novo alguns passos se andarão para a felicidade dos homens. 

— Não creio que a santa alliança consiga nada na America. A enérgica mensagem do presidente dos Estados-Unidos á assembléa alegrou-me, e me encheu de esperanças. 

— O Brazil, oh! que paiz abençoado, se o não perderem! Já eu lá estaria, se não receiasse que lhes falte o juizo para bem conservarem o que tão barato lhes custou, e tão caro ha custado a todos os povos. 

— Tenho não sei que presentimento que este anno que entra har de dar muito de si. Veremos, os que vivermos... (1) 


Bem vindo sejas, novo anno, e tragas
Melhorado teus dias mais propícios
A' minha pobre, malfadada pátria

E a meus fieis amigos.


Esse mal-agoirado que nos pêgos
Affundou hontem do Oceano, Apollo,
Não deu senão colheita de infortúnios,

Nem grannou outras messes

Mais que o joio semeado por mãos tredas
Entre os sulcos do trigo. Não mondado
A tempo, foi crescendo, e em flor ainda

Affogou a esperança

Do triste povo que a tam maus caseiros
Tam inexpertos deu suas lavoiras.
Que assim desmazellados lh'as perderam,

E quem sahe até quando?

Quem sabe quanto tempo ha de durar-lhe
O gelo d'este inverno em nossos campos,
Té que o derreta o sol, ora ennevoado.

Da amiga liberdade?

Dorme a vegetação n'essas sementes
Que á terra se lançaram. Mas eternas
As estações não são: teu dia, ó pátria.

Teu dia ha de chegar.

Londres — Janeiro. 1824 (2)



(1) Francisco Gomes de Amorim, Garrett, memórias biográficas, Tomo I, 1881
(2) Almeida Garrett, Obras completas, Vol. I

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