segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Maria da Glória, jovem rainha em Inglaterra (1828-1829)

A impressão que este inesperado acontecimento ocasionou na capital da Gran-Bretanha foi de uma ordem tal, que o proprio duque de Wellington e lord Beresford, tendo ambos elles commandado tropas portuguezas durante a guerra da península, e vencendo ambos elles, como taes, avultadas pensões, pagas pelo tesouro portuguez, não hesitaram em ir lambem n'esta solemne ocasião comprimentar a jovem rainha D. Maria II em grande uniforme, e ornados com as differentes ordens militares de Portugal. 

D. Maria II, rainha de Portugal durante o seu exílio em Londres (1826 1828-1829), por Thomas Lawrence (detalhe).
A pintura, no verso datada de 1827 [?], foi encomendada por George IV e representa a jovem rainha em 1829, .
Royal Collection Trust

Ao duque disse ella muito graciosamente: "sei que vós n'outro tempo salvastes meu avô, espero portanto que tambem agora salvareis sua neta". 

Majesty & Grace, William Heath, 1828.
The British Museum

Baldado empenho; o duque durante todo o seu ministerio só cuidou em proteger quanto pôde os interesses de D. Miguel, cuja usurpação teve para elle mais attractivos, por ser mais conforme com a política, que se propozera abraçar durante a sua gerencia ministerial. 

Retrato do rei D. Miguel, Johann Nepomuk Ender.
Cabral Moncada Leilões

George IV achava-se muito incommodado, quando a rainha chegou a Inglaterra, e só em 22 de dezembro pelas duas horas da tarde a pôde receber no seu palacio de Windsor Castle, onde não poupou honras, nem distincções, feitas á sua jovem hospeda, como se já estivesse reinando em Portugal. 

The promenade or a sketch for Windsor, William Heath, 1827-1829.
The British Museum

Ornado lambem com as ordens militares portuguezas, elle a veio esperar ao alto da escadaria, por não poder descer ao fundo d'ella, em consequencia dos seus padecimentos, e ali lhe offerecen o braço, e a conduziu depois á sala principal, onde a assentou n'um canapé ao seu lado, e lhe pediu licença para que as outras senhoras podassem fazer o mesmo, tendo-lho antes disso apresentado as pessoas da sua familia e a côrte.

O brinde que lhe dirigiu ao "toast", durante o almoço que lhe offereceu, foi: "á minha joven amiga e amada, a rainha de Portugal". 

The feast near eateon or master George and his little visitor, William Heath, 1827-1829.
The British Museum

George IV não teve duvida de exprimir os puros e fervorosos votos que fazia, tanto por ella, como pelo triumpho da legitimidade portugueza.

The high and mighty queen recieving an address from the most loyal subjects in the world, 1827-1829.
The British Museum

Não admira pois que no meio de uma tal recepção a chegada da rainha a Inglaterra fosse tida como um feliz pressagio para o triumpho da causa liberal e que os emigrados do deposito de Plymouth manifestassem por todos os modos ao seu alcance o jubilo que lhes causara similhante chegada. (1)


(1) Luz Soriano, História da Guerra Civil... Terceira Ephoca Tomo III Parte I.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Caminho de Ferro de Lisboa a Cintra em 1887

É sabido que as linhas ferreas têem a particularidade de operarem a transformação das zonas que atravessam, mas uma transformação tão radical como a que esta de que nos occupamos realisou no sitio de Alcantara, é que poucas se podem gabar de conseguir.

Estação principal em Alcântara, João Ribeiro Christino.
O Occidente n° 301, 1 de maio de 1887

Onde estavam terrenos maltratados, repositorios de immundicies, vêem-se hoje espaçosos barracões elegantes; onde corria agua infecta num caneiro assassino dos pobres moradores das visinhanças, ostenta-se agora a bem lançada estação de passageiros; nas velhas margens antigamente chamadas Horta Navia assentam-se actualmente os primeiros rails da nova linha. 

Até o velho S. Pedro parece destinado a mudar de logar.

E verdadeiramente, o bondoso santo não estava ali bem; elle que tem por missão guardar as portas do ceo, não se podia sentir ã vontade ás portas da cidade, embora por essas se entre na rua do Livramento.

A nova linha é, como se sabe destinada não só a ligar a capital á fresca e poetica Cintra, como lambem á villa de Torres Vedras, região muito importante pela sua producção vinícola, e muito notavel na historia, pelos memoraveis combates que ali se feriram, n'aquelia guerra fratricida que tantas vidas custou ao nosso paiz e entre outras, a do valoroso campeão Mouzinho de Albuquerque, e ainda se destina a nova linha a ser a vanguarda da futura linha de Torres á Figueira e Alfarellos, onde se deve ligar á linha do norte. 

A extensão total actualmente em exploração é de 28 kilometros, e em breve será de mais 17, quando abrir a parte do Cacem a Torres Vedras. 

Estação do Cacém
O Occidente n° 304, 1 de junho de 1887

As estações são ao todo 11 com 3 apeadeiros. 

São muitas, e algumas importantes, as suas obras de arte, das quaes a principal é o grande tunnel de Alcantara ou dos Terramotos, nome dado águelle sitio por motivo das grandes transformações que a catastrophe de 1755 n'elle operou. O primeiro traçado nao inclina este tunnel, seguindo a falda da montanha, evitando assim o consideravel custo da obra. 

Os terrenos neste ponto, porém, não offereciam estabilidade e por isso preciso foi emprehender este trabalho que veio agravar consideravelmente os gastos da construcção. 

Tunnel dos Terremotos, João Ribeiro Christino.
O Occidente n° 301, 1 de maio de 1887

A sua extensão é de 540 metros, em recta, e a profundidade maxima 52 metros. 

Retrocedamos, porém para descrever a estação de Alcantara, representada n'uma das nossas gravuras.

Esta estação foi construida, como acima se diz em grande parte sobre o antigo caneiro, que para isso teve que ser coberto em mais de 240 metros, alterando-se-lhe tambem em grande estensão o curso das aguas, para accommodaçãoo das diversas dependencias da gare. 

Comprehende esta um edilicio para passageiros, com salas de espera, vestibulo de bagagens, escriptorios para o inspector, telegrapho, chefe da estação, etc., formando um parallelogramo de 95 metros por 10 dc fundo. 

O accesso para passageiros e bagagens faz-se pelo lado do poente, onde a entrada é coberta com uma elegante marquise. Até dentro d'este recinto de entrada vem a linha americana que a companhia Carris de ferro construiu expressamente para serviço da estação e que liga á rede geral, pela rua do Assento, (onde os vebiculos descarrilam com toda a perfeição) na rua Nova do Cries do Tojo. 

Do lado interior a estação é coberta por uma larga marquise envidraçada, que descança de um lado no editicio de passageiros, e do outro em columnas assentes n'um passeio de egual comprimento. 

Segue, do lado poente, um caes para volumes transportados por grande velocidade, com accesso especial pela antiga rua da Fabrica da Polvora e depois uma cocheira para 24 carruagens em 8 vias servidas por um charriot. 

Em frente estende-se o grande caes de mercadorias, de 90 metros de extensão, coberto cm metade, com accesso pela antiga estrada de circunwalacão da cidade, ao qual segue um outro para vehiculos e gado e outro ainda, pequeno e isolado, para materias inflamaveis. 

Em face d'este será o grande caes para carvão, que fica em frente de uma rotunda para 6 machinas, com officina de reparação annexa. 

Sahida a estação e passado o tunnel que já fica descripto, desenrola-se á vista o mais brilhante panorama. 

De um lado e do outro da linha as variegadas tintas das differentes culturas que atapetam a montanha de Campolide, á direita, e a serra de Monsanto, á esquerda, semeadas de um sem numero de casas de differentes tamanhos, desde e vasto edificío da companhia dc estamparia até as pequenas casinhas dos trabalhadores, formam um bello conjuncto que delicia a vista e torna a viagem encantadora.

Outra gravura que publicaremos no proximo numero, representa o viaduto de Sant'Anna, que é o maior da linha. A sua extensão é de 150 metros em cinco tramos metallicos de 30 metros cada um, sobre 4 pegões de pedra. 

A construcção d'este viaducto, assim como a dos demais da linha, foi incumbida á casa Eiffel que tão justa fama tem ganho pela perfeição de todas as obras que saltem das suas largas officinas, e que no nosso pais tem já vinculados os seus creditos na construcção das pontes do Porto, das da linha da Beira Alta e outras muitas.

Este viaducto atravessa a ribeira de Alcantara e o valle de Sant'Anna á altura de 12 metros e meio. 

Nos próximos numeres continuaremos dando outras vistas dos principaes pontos da interessante linha que hoje está sendo a mais frequentada do paiz, e que está destinada a um largo futuro, não só pela belleza como pela importancia das regiões que atravessa, e das que serão servidas pelas outras linhas que a ella se ligam. (1)

Quem diria aos nossos avoengos, quando viam com pasmo as arrojadas curvas d'aquelle aquedueto com que D. João V, o doutor Pinto Coelho do seu tempo, abasteceu d'agua a cidade de Lisboa, quando do alto d'aquelles arcos, que constituíam o seu passeio favorito, a sua avenida domingueira, contemplavam os campos de um e outro lado, pasmando da monumental obra em que assentavam os sapatos, admirando a pequenez das figuras que sc moviam em baixo, na velha quinta de Sant'Anna, quem lhes diria então.que por debaixo d'esse arco grande que fazia o seu enlevo, os pequeninos netos de então traçariam, com mão náo menos arrojada que a do architecto de D. Joao V, o caminho rapido e facil que os transportaria ás mais longas distancias. 

Hoje, quem subir ao alto d'aquellas arcarias, nao contemplará de lá somente os campos e as quintas proximas; verá aos pés do collosso, serpenteando como uma fita agitada pelo vento, a branca estrada de duplo traço negro, por onde a locomotiva passa triumphante, arrostando os pesados comboios cheios de gente que vae ao seu passeio favorito tambem, não a pé, como os nossos pobres avoengos, mas commodonsente recostada nas carruagens do caminho dc ferro. 

E esta passagem do arco é um dos pontos mais interessantes da nova linha ferrea.

Não só produz um bello effeito a travessia d'aquella grande obra, não só o panorama que se disfructa das differentes curvas que a linha percorre, em elegantes traços, por entre os pequenos montes, é maravilhoso, como tambem aquelle troço da via é dos mais artisticos, pelos successivos viaductos e pontões em que a tortuosa ribeira de Alcantara tem que ser atravessada. 

Destes o mais importante é o de Sant'Anna representado na gravura que hoje publicamos. D'elle já nos occupamos no nosso ultimo numero. dizendo que foi construido pela casa Eiffel, que tem 150 metros de extensão e a cota maxima de 12 metros e meio. 

Viaducto de Sant'Anna, João Ribeiro Christino.
O Occidente n° 302, 11 de maio de 1887

Podemos hoje accrescentar que o taboleiro, cuja altura é de 3 metros, é formado pelo systhema de cruzes de Santo André, do vão de 2m,50, que sustentam as vigas, de 52 centímetros de espessura.

Aos lados da via ha dois passeios forrados de madeira de carvalho, tendo a largura de 0m,54 cada um, sendo estes amparados por um parapeito de um metro de altura. 

Como tambem dissemos, são cinco os vãos, de 30 metros aproximadamente cada um, assentes em quatro elegantes pilares de cantaria, e os dois encontros.

Por debaixo do encontro do lado de Lisboa ha uma pequena passagem do caminho que conduz á quinta de Sant'Anna. Antes deste ha cambem outro viaducto mais pequeno, formado de dois, tramos de 20 metros, e de egual construcção. o chamado viaducto da Ponte Nova, e 100 metros depois d'elle fica o tunnel do mesmo nome que tem apenas a extensão de 75 metros e a cota maxima de 33 metros.

Viaducto e Tunnel da Ponte Nova
O Occidente n° 303, 21 de maio de 1887

No proximo numero daremos a gravura d'estas duas obras de arte, copia de uma bela photogrophia tirada peto sr. Augusto Lamarão um dos mais distinctos amadores de Lisboa, um verdadeiro sacerdote da arte, que emprega todos os seus momentos disponíveis e todos os seus enthusiasmos de joven e de inteligente, no cultivo, no aperfeiçoamento e na propaganda d'esta delicada profissao.

Seguidamente ao vinducto que hoje reproduzimos que e o mais extenso de toda a linha dc Cintra e Torres, ha outro de 25 metros. um pontão de 6 metros e outro de 10 metros, depois do qual o linha passa n'um dos pontos que hoje não tem importancia, mas que em breve ficará sendo um dos de mais movimento da linha, porque será o de ligação entre o futuro caminho de ferro da circulação da cidade e o de Cintra a Torres.

Estação de Cintra.
O Occidente n° 306, 21 de junho de 1887

E ao kilometro 4.100 que virá a ter a linha em construeção desde Xabregas, pelo valle de Chellas, a Bemmfica; e ahi que os comboios que partirem de Alcantara receberão ainda no final deste anno, segundo se assegura, os passageiros que, de toda a rede de leste e norte, de todo o paiz, ligado por essa rede, e de todos os pontos do estrangeiro, desejarem seguir directamente a Cintra, a Torres e a outros pontos servidos pela nova linha. 

Passado este ponto seguem ainda dois viaductos, de 10 metros, e mais adiante o apeadeiro de S. Domingos, paragem mais proxiina para os logares de S. Domingos de Bemfica e Sete Rios.

Este apeadeiro não está ainda aberto á exploração, mas sel-o-ha brevemente, destinado como a ser um ponto de grande concorrencia do publico, não só porque, durante a estação calmosa, d'elle se aproveitarão as muitas familiar que váo veranear para aqueles sitios, como porque constitue um agradavei passeio para quem quizer', sem se affastar muito do centro da cidade, tomar um pouco de ar puro dos campos, indo no comboio até S. Domingos, tomando ali a bela estrada, larga e bem construida até Sete Rios e voltando d cidade pelos sitios de S. Sebastião da Pedreira e Avenida.

Não faltam naquelas immediações interessantes quintas a visitar, algumas mesmo cheias de flôres, e de deliciosas ruas de arvoredo, como a  do sr. Mattos e Silva, chamada da Atalaya, onde, mediante a apresentaçáo do nosso bilhete de visita, ha tempos passámos uma tarde deliciosamente, entre o aroma das flôres que cobrem os macissos a cada um dos lados do caminho, e a amabilidade do proprietano que não é menos apreciavel.

Aqui lhe deixamos lambem o nosso bilhete de agradecimento pela maneira porque nos recolheu ali. onde fomos attrahidos pelo convite de duas encantadoras creanças que correram pressurosas a fazer-nos as honras da... quinta. 

Antes de terminar. porem, devemos fazer uma rectificação dum erro commetido.

Huma das leituras a que nunca nos démos confesso-o, foi o do Flor Sanctorum. Por isso facilmente ao fallar da estatua que esta em Alcantara confundimos os santos e, dissemos, guiados pelo vulgo, que era um S. Pedro. 

Ponte de Alcântara, desenho de Nogueira da Silva, 1862.
Hemeroteca Digital

Hoje sabemos e com todo o arrependimento aqui estamos a penitenciar-nos, que aquella estatua, que aliaz tem um certo valor artistico, não é de S. Pedro, mas de S. João Nepomoceno, mandada ali collocar, em 1743, por D. João V, por occasião do alargamento da ponte e outros melhoramentos que o magnanimo rei realisou na cidade, e devida ao cinzel do esculptor italiano João Antonio de Padua. 

Lisboa, porta da cidade junto à ponte de Alcântara e estátua de S. João Nepomuceno.
Arquivo Municipal de Lisboa

Que nos perdoe o milagroso santo attendendo a que, afinal, não lhe fizemos mais do que o seu homonymo fez ao Christo — baptisal-o, pedindo-lhe desculpa de havermos substituido as margens do Jordào pelas... do caneiro. 

Nemo dat plusquou habet. (2)


(1) O Occidente n° 301, 1 de maio de 1887
(2) O Occidente n° 302, 11 de maio de 1887
(3) O Occidente n° 303, 21 de maio de 1887
(4) O Occidente n° 304, 1 de junho de 1887
(5) O Occidente n° 306, 21 de junho de 1887

Informação relacionada:
O Occidente n° 300, 21 de abril de 1887
Paixão por Lisboa, A Torre de Belém, e o Caminho de Ferro de Lisboa a Sintra
Caminho de Ferro monocarril sistema Larmanjat em Portugal

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Almeida Garrett, O Anno Novo

Amanhã começa o anno novo. Deus m'o dê mais venturoso que este. Vae-te em paz, anno de 23, que assás de perturbações e desgraças cá deixas em teu curso.

Warwick Castle, 1819.
The British Museum

Vê-se que os versos a que me referi, apesar de trazerem a data de Londres, foram compostos em Warwick, se effectivamente os fez ao tempo que indica. 

Pelo seu Diário sabemos que esteve em Edgbaston até quasi ao fim de janeiro de 1824; e nenhuma rasão temos para duvidar das datas d'esses apoutamentos. No dia de auno bom escrevia elle: 

1 de janeiro de 1824. O anno novo 

Edgbaston Hall drawn and engraved by T. Radclyffe,
published in A New and Complete History of the County of Warwick, 1829
Antique Prints

Melhorado venha este anno; e veja-o eu findar no socego da minha pátria. 

— Muito devo á terra hospitaleira, onde me abriguei da. tempestade de desgraças, que me ameaçavam na miaha pátria. Mas todavia, com que prazer lhe direi adeus se tão feliz fôr que á terra onde nasci me deixem ir acabar os meus dias. 

Oporto, A view of the mouth of the Douro from Massarellos, Batty, Miller, 1829.
  Arquivo Municipal do Porto

— Que trará comsigo este novo anno? Que projectos de ambição, que novos esforços de tyrannia apparecerão em seu decurso? Que novas oppressões para a raça humana? Teremos mais ainda que soffrer, ou melhorará em seus dias a triste sorte da humanidade? Assim o espero: quando não seja no velho mundo, ao menos em o novo alguns passos se andarão para a felicidade dos homens. 

— Não creio que a santa alliança consiga nada na America. A enérgica mensagem do presidente dos Estados-Unidos á assembléa alegrou-me, e me encheu de esperanças. 

— O Brazil, oh! que paiz abençoado, se o não perderem! Já eu lá estaria, se não receiasse que lhes falte o juizo para bem conservarem o que tão barato lhes custou, e tão caro ha custado a todos os povos. 

— Tenho não sei que presentimento que este anno que entra har de dar muito de si. Veremos, os que vivermos... (1) 


Bem vindo sejas, novo anno, e tragas
Melhorado teus dias mais propícios
A' minha pobre, malfadada pátria

E a meus fieis amigos.


Esse mal-agoirado que nos pêgos
Affundou hontem do Oceano, Apollo,
Não deu senão colheita de infortúnios,

Nem grannou outras messes

Mais que o joio semeado por mãos tredas
Entre os sulcos do trigo. Não mondado
A tempo, foi crescendo, e em flor ainda

Affogou a esperança

Do triste povo que a tam maus caseiros
Tam inexpertos deu suas lavoiras.
Que assim desmazellados lh'as perderam,

E quem sahe até quando?

Quem sabe quanto tempo ha de durar-lhe
O gelo d'este inverno em nossos campos,
Té que o derreta o sol, ora ennevoado.

Da amiga liberdade?

Dorme a vegetação n'essas sementes
Que á terra se lançaram. Mas eternas
As estações não são: teu dia, ó pátria.

Teu dia ha de chegar.

Londres — Janeiro. 1824 (2)



(1) Francisco Gomes de Amorim, Garrett, memórias biográficas, Tomo I, 1881
(2) Almeida Garrett, Obras completas, Vol. I